PARTIU MORAR NA MESBLA?

A informação, divulgada pelo jornalista de O Globo, Ancelmo Gois, sacudiu o mercado imobiliário da cidade. Parte do edifício onde um dia funcionou a icônica loja de departamentos Mesbla, na Cinelândia, pode se tornar residencial, no esteio do projeto Reviver Centro. Em seguida a notícia foi confirmada pelo secretário de Planejamento Urbano do Rio, Washington Fajardo , através de uma publicação nas redes sociais. O imóvel pertence hoje à São Carlos Empreendimentos Imobiliários, braço de “real estate” do bilionário Jorge Paulo Lemann, dirigido por Felipe Góes, ex-secretário municipal de Desenvolvimento do Rio. O prédio que pode transformar-se em residencial é o menor deles, à esquerda de quem olha para o edifício.

O projeto Reviver Centro pretende adensar demograficamente o Centro do Rio, que voltaria a ganhar vida com novos moradores. Mais de 1.000 novas unidades já foram licenciadas após a aprovação do projeto. Os empreendedores que transformam prédios comerciais em residenciais, além de outras vantagens, ganham metros quadrados para edificar em bairros nobres como Ipanema e Copacabana, preenchendo vazios urbanos (por exemplo, quando há um prédio baixinho, não tombado, entre dois prédios mais altos).

“Começando o ano com boas notícias para o Centro do Rio. Saiu no Ancelmo Gois: Prédio da #Mesbla no Passeio Público vai virar residencial e térreo do Ministério da Fazenda abrindo para acolher restaurantes, cafés e lojas. (E licenciou mais um retrofit residencial na Avenida Presidente Vargas) “, afirmou Fajardo na publicação.

O prédio, construído em estilo Art Déco, foi vendido anos atrás à São Carlos. No meio do edifício, chama atenção o grande relógio – pouca gente sabe que existe uma cópia-miniatura em Paquetá – que, em abril de 2021, passou por uma grande manutenção e voltou a iluminar a noite carioca. Na verdade, no local, há dois prédios – um de cada lado da torre do relógio. A posição dos edifícios é privilegiada, com fácil acesso para a Zona Sul, proximidade ao metrô, aeroporto e todos os modais de transporte, sem contar uma vista deslumbrante para o Passeio Público, Praça Paris e Aterro do Flamengo, além da baía da Guanabara.

Nos anos de 1960 o relógio da Mesbla foi protagonista de uma passagem que marcou época na crônica jornalística do Rio de Janeiro.  Certa vez, o repórter Luís Carlos Sarmento, do Jornal do Brasil, estava tomando um chope no Amarelinho quando estranhou a baixa presença de pombos na praça. Perguntou a um pipoqueiro o que teria acontecido e este afirmou-lhe com toda a segurança que um gavião, que morava no relógio da Mesbla, estava comendo os pombos. Sarmento não teve dúvidas. Voltou correndo para a redação e escreveu uma reportagem que foi um baita sucesso. No dia da publicação o jornal viu suas vendas explodirem.

O gavião da Mesbla virou o assunto da cidade. Nos escritórios, mesas de bar, não se falava de outra coisa. Tinha gente que passava o dia de binóculo, tentando localizá-lo. E o caso chegou aos jornais europeus, onde chegou-se a organizar um movimento contra os cariocas que queriam matar o gavião fictício. O JB, na época com uma circulação média de 200 mil exemplares, chegou aos 800 mil no auge da história. Os editores de Sarmento cobraram-lhe mais e novas reportagens sobre a ave. E como sua única fonte era o tal pipoqueiro, o jornalista, que tinha um pé na tradicional gaiatice carioca, começou a criar histórias para manter o interesse do público, torcendo para que outro assunto mais relevante surgisse o mais rápido possível e tomasse conta do noticiário. E a partir dali surgiram matérias como “Gavião dá rasante na hora do rush”, “Gavião ataca criança”, entre outras. Até que a história morreu tão repentinamente como nasceu. Segundo a lenda, um diretor do Jornal do Brasil teria flagrado seu repórter chegando na Mesbla com um gavião empalhado e uma máquina fotográfica, para registrar o famoso gavião em seu suposto ninho.

Brincadeiras à parte, Sarmento (que morreu em 1995, vítima de um ataque cardíaco) foi um dos grandes repórteres policiais de sua época, tendo trabalhado em alguns dos principais jornais e revistas do país, dentre eles Correio da Manhã, O Globo, Realidade, Fatos e Fotos e Manchete. Algumas de suas melhores crônicas e reportagens foram compiladas no livro “Crônicas de uma Cidade Maravilhosa”. Era conhecido por ter sido uma figura ímpar nas redações e simbolizar o já quase extinto fazer jornalístico de uma época em que, segundo os organizadores da obra, o Jornalismo era sinônimo de liberdade e ainda não tinha perdido sua essência por submeter-se à engenharia de produção pasteurizada das grandes corporações midiáticas.