WASHINGTON QUAQUÁ: UM CAMPEÃO DE VOTOS QUER SER O HOMEM DE LULA NO RIO E FAZER AQUI O LABORATÓRIO DE UMA GRANDE REVOLUÇÃO

POR RICARDO BRUNO

Um dos deputados federais mais votados do Rio de Janeiro, Washington Quaquá, para seu eleitorado popular muito mais Quaquá do que Washington, tem planos tão grandiosos quanto factíveis para o mandato que inicia em primeiro de janeiro. Ele não quer pouco. É simples, de uma simplicidade que o torna fácil de entender, mas de modesto não tem nada: quer ser o homem do Lula no Rio e quer muito mais – está no seus planos induzir o governo de seu companheiro e amigo pessoal a construir na cidade um projeto para fazer história: a NOVA BRASIL, que significa nada menos do que transformar a Avenida Brasil, de Santa Cruz ao Centro da cidade, num corredor de emancipação social: ônibus de graça, condomínios do Minha Casa Minha Vida, escolas em tempo integral, atendimento de saúde, emprego e geração de renda que tornarão uma área degradada do Rio em exemplo para o país e para o mundo.

Ao mesmo tempo em que tem projeto, Quaquá não se incomoda de analisar a crise da esquerda, com ferina autocrítica, não se constrange de defender um governo de coalizão, com centrão e com tudo, e de propor ao Brasil o que chama de uma grande revolução popular e democrática.

Leia a entrevista e prepare-se para conhecer, se ainda não conhece, a franqueza de um político que não mede palavras e diz apenas o que pensa.

Rio Já:  Vamos começar indo direto ao ponto. O que o Rio pode esperar de um governo Lula tendo gente como você atuando no Congresso?

Quaquá: Eu vou ser essencialmente um deputado da favela. Eu nasci na favela do Caramujo. Sei o que é pisar no barro e morar em barraco, sei o que é não ter lugar para cagar, pra tomar banho, conheço tudo isso. Eu só vi chuveiro quente com 18 anos de idade. Eu sei o que é a dificuldade da vida. Então eu vou ser o deputado da favela. Vou ser o deputado do samba, do funk, da cultura da favela. Vou ser o deputado da urbanização da favela, da educação de tempo integral, da creche. Serei o deputado e o político do Rio que vai defender um novo eixo de desenvolvimento. O meu principal projeto pro Rio vai ser o que eu chamo de NOVA BRASIL. É um trem gratuito, baseado na experiência do transporte gratuito que fizemos em Maricá. Vou transformar a Avenida Brasil numa “Grande Maricá”. Vai ser um trem de graça, saindo de Santa Cruz e indo até o Centro. Ao longo de sua linha, ao longo da Brasil, haverá muitas escolas de tempo integral, habitação popular ao longo da Brasil, vamos lançar uma moeda social, como também fizemos em Maricá. Imaginem uma moeda social sendo aceita no Ceasa, onde passam 30 mil pessoas por dia? Usaremos verbas já existentes – verbas do PAC, do Minha Casa Minha Vida, do Bolsa Família, da Educação. Vamos transformar a Avenida Brasil, hoje degradada, num grande eixo de desenvolvimento da cidade do Rio de Janeiro. Este é um grade projeto, que vai exigir que eu dialogue com o governador Cláudio Castro, com o prefeito Eduardo Paes. Vamos unir o Rio. Não tenho dúvida de que o governador Cláudio Castro vai estar com o Lula nessa. Ele não é um bolsonarista, é um democrata. Cláudio Castro gosta de obras e tem sensibilidade social. O Eduardo Paes é um parceiro, amigo. Queremos todo mundo num projeto de reconstrução do Rio de Janeiro. Isso inclui Comperj, Porto de Maricá, o Porto do Açu, para exportação de alimentos no Norte e no Noroeste O ramal ferroviário levando para o Açu, a despoluição e a volta da indústria naval à Baía de Guanabara. E tudo isso sob a égide de um PAC da Favela.

Rio Já: Qual é a análise que você faz da vitória do Lula, uma vitória com algum sobressalto, mas com vantagem de 2,2 milhões de votos?

Quaquá: Tem uma velha máxima atribuída ao Delfim Neto, segundo a qual número de votos é igual a biquini – mostra muita coisa, mas esconde o fundamental. Dois milhões de votos é um resultado apertado, mas imagine: um cara que foi massacrado por todos os meios de comunicação de um país durante quatro ou cinco anos, ficou praticamente dois anos na cadeia injustamente, sendo chamado de ladrão e de bandido. Esse cara sai da prisão, reconstrói o seu movimento político, que estava esfacelado, disputa uma eleição contra uma máquina federal poderosíssima e sendo utilizada de uma maneira tal que nem na República Velha isso aconteceu. Foram R$ 100 bilhões num pacote eleitoreiro no último mês ou mês e meio antes da eleição, com distribuição farta de dinheiro para o povo, dinheiro injetado diretamente no bolso do povo. E não é que este cara ainda ganha a eleição por mais de 2 milhões de votos de vantagem! Isto prova que Lula é um fenômeno popular. Foi uma vitória extraordinária, foi uma vitória gigante do Lula nesta eleição e é uma volta por cima de um personagem ímpar da história do Brasil. É claro que ele não enfrentou uma figura qualquer, enfrentou uma liderança popular importante da direita. Bolsonaro não é um figura qualquer. Não pode ser menosprezado. Ele é uma liderança de direita que fala diretamente com o povo, fala diretamente com as iniquidades e com os problemas do Brasil. O Brasil é um país racista, o Brasil é um país que assassina mulheres todos os dias, um país machista, patriarcal, um país cuja desigualdade não é só entre as classes fundamentais. Há uma forte desigualdade no interior de cada classe. O povo sempre enfrentou uma desunião muito grande. Vejamos o exemplo daqui do Rio de Janeiro. No século XIX, o escravo saía lá de Maricá, da Fazenda, com 40 anos de idade – extenuado, arrebentado, extropiado de tanto trabalhar, de tanto levar chicotada, e ele era comprado por um mulato ou uma mulata, um mestiço pobre, mas menos pobre que ele. Ele limpava o cocô das crianças, carregava fezes na cabeça, ele lavava a casa….

Rio Já: O quadro pós-eleição, que ainda mostra um país dividido, até que ponto pode impactar a implementação das propostas de um governo Lula? Até que ponto há que se ter moderação numa transição do Brasil atual para um Brasil idealizado pelas forças que venceram a eleição?

Quaquá: Desde o fim da ditadura não havia uma contestação do regime como se tem agora. O regime democrático que foi construído com o fim da ditadura brasileira, a Nova República, está sendo questionado pelo bolsonarismo. Ele chegou a ser quebrado como impeachment da Dilma, porque houve uma quebra por parte dos agentes políticos, inclusive os agentes democráticos, do PSDB, do DEM, do MDB… Setores que fizeram o pacto democrático quebraram este pacto com o impeachment da Dilma. O que surgiu disso aí não foi o fortalecimento de uma direita democrática, foi o fortalecimeneto de uma ultradireita fascista, que flerta com o fim da democracia. O Bolsonaro testa a democracia o tempo todo, tentando testar o regime e acabar com o regime democrático a todo momento. Nós não estamos enfrentando mais uma disputa de poder no meio de um pacto democrático Nós estamos disputando a continuidade ou não deste pacto. Isto muda completamente o eixo da disputa política.

Rio Já: Isto independe do Bolsonaro?

Quaquá: Isto independe do Bolsonaro porque o Exército entrou ou voltou para a política, elegeu o general Mourão, os generais vivem dando pitaco na política nacional. O general Villas Boas impediu a soltura do Lula. Os generais passaram a fazer política, ilegal e inconstitucionalmente. Com isso, romperam totalmente o pacto democrático, inclusive já tentando se aproveitar da ameaça de uma concessão que a democracia fez, que é o artigo 142, dando a ele o poder de se meter em assuntos internos.

Rio Já: Concessão indevida…

Quaquá: Sem dúvida indevida. E eles extrapolaram esta concessão e passaram a fazer política diretamente. Então é preciso recompor o pacto democrático. Isto muda a qualidade de disputa política. Não há mais uma disputa de projeto dentro da democracia, que é o normal, o que está em questão agora é uma disputa para reconstruir a própria democracia.

Rio Já: Apesar das diferenças, não é indevida uma comparação com o movimento que elegeu Lula com a Frente Amplia uruguaia. Parece que Lula terá que fazer um governo com características de frente ampla. No que isso pode tolher as mudanças que o PT quer fazer, civilizatórias e econômicas?

Quaquá: A questão democrática ganha uma centralidade, sem dúvida. É aquela história: na democracia quando batem às 5 horas da manhã na porta da tua casa você tem certeza de que é o leiteiro. Este e um princípio básico, No Brasl não é assim. Mesmo na democracia, nas favelas já não é assim, e isto foi estendido para toda a sociedade. Isto precisa ser consertado. Nossa ação deve ter um tripé. Um dos pés é a recomposição da democracia. Separação dos poderes, respeito aos poderes, respeito aos cidadãos e aos seus direitos e garantias individuais, como o devido processo legal, prisão só depois de condenação em todas as instâncias, enfim. Esta é a primeira questão. É um tripé, como eu digo, e não devemos esperar, vamos montando junto este tripé. Mas a questão essencial é a democracia. A segunda questão, ou o segundo pé, é a soberania nacional. Nós não somos um país qualquer. Somos um país muito rico, um país que tem energia renovável – tem sol, tem vento, combustíveis fósseis, tem muita energia hidrelétrica, tem muito minério, tem água em abundância. Estes recursos naturais devem ser utilizados para o enriquecimento nacional, não para drenagem de recursos, como nos velhos tempos do engenho colonial exportador de matéria prima. Precisamos cuidar disso Obviamente que não é com xenofobia, com tudo sendo estatizado. É com parceria, com parceria com capital estrangeiro, com parceria com capital nacional. Foi uma brincadeira, um roubo, vender a maior empresa de energia do Brasil, a Eletrobras, por 39 bilhões. Foi um assalto à Nação. Como foi um assalto à Nação a venda da Vale do Rio Doce por 3 bilhões. É uma vergonha. É imperativo manter um nível correto de soberania. Sem exagero. É claro que a gente tem que ter parcerias. Mesmo na extração de petróleo. E cito de novo o Delfim. Ele dizia que a Idade da Pedra não terminou por falta de pedra. O petróleo tem que ser extraído logo e para isto é preciso fazer parcerias, desde que se tenha o controle nacional e que os recursos advindos dele sejam divididos com quem investe recursos, mas boa parte dele seja partilhado pela Nação brasileira. Os insumos necessários para a extração e refino devem ser feitos aqui, com conteúdo nacional, gerando emprego aqui.

Rio Já:  Esta questão do conteúdo nacional é importantíssima para o Rio. Houve um rompimento disso nos governos a partir do Temer. Está será uma pauta forte sua, pelo sua identidade tão forte com o Rio?

Quaquá: O presidente Lula, que é um metalúrgico e é um nacionalista, sabe que é fundamental não só entrar na lógica do mercado, o que significa comprar o navio mais barato, a plataforma mais barata, mas estimular a economia nacional. Às vezes é 10%, 20% mais barato, e isso já compensa só com arrecadação de imposto deste tipo de negócio no Brasil. Também compensa pelos empregos que são gerados no país. E compensa sobretudo na tecnologia para construir, criar e exportar, como é o caso da tecnologia de extração de petróleo em águas profundas do pré-sal, que implica um conjunto de tecnologias que foram desenvolvidas aqui no Rio de Janeiro.

Rio Já:  Diziam que o custo deste invesimento seria alto demais…

Quaquá: Não é. O preço da extração do petróleo do pré-sal brasileiro hoje é o mesmo que a Arábia Saudita gasta para extrair petróleo na superfície. Esta questão tecnológica é fundamental, exige a construção de empresas sólidas – públicas e privadas, sem preconceito. A Odebrecht, para dar um exemplo, estava fazendo submarino nuclear em Itaguaí. Outra coisa que tem que ser retomada.

Rio Já: A Embraer já está começando a fazer carro voador…

Quaquá:A Embraer foi privatizada e por pouco não foi fechada, porque estava sendo incorporada à Boeing. A Embraer é uma empresa estratégica pro Brasil. Aqui, a UFRJ desenvolveu uma tecnologia que só cinco países do mundo têm – daquela cerâmica de semicondutores para trens de alta velocidade que nem tocam nos trilhos. O Brasil é um dos cinco países do mundo com esta tecnologia. Aqui no Rio! Nós temos um parque tecnológico extraordinário. Nós temos um parque tecnológico fantástico que precisamos desenvolver. O Rio de Janeiro precisa investir pesadamente em ciência e tecnologia. Tem como fazer na UFRJ, na COPPE e nas várias universidades do Rio de Janeiro. Isto inclui tecnologia rural, tecnologia de alimentos, nanobiotecnologia. Nós estamos limpando a Lagoa de Maricá com uma tecnologia baseada em nanotecnologia feita pela UFF. Limpa-se os produtos orgânicos, como alimentos, merda, coco, com produtos biológicos que limpam a água completamente.

Deixa eu falar do outro tripé. O terceiro pé, e digo que é o primeiro a ser atacado, é a justiça social. Esta é a grande tarefa que eu estou me impondo como deputado federal. O povo me deu um mandato e eu me dou a missão no Congresso que é a tarefa de tentar construir, a partir do Congresso, junto com o governo Lula, o que chamo de Pacto de Prosperidade Nacional. Um pacto de desenvolvimento de 30 anos. Este pacto tem três eixos. Um deles é justiça social. Temos que impor uma linha de crescimento do salário minimo, por exemplo, que em dez anos tenhamos o salário mínimo igual ao de Portugal (700 euros). Que em 20 anos tenhamos um salário mínimo equivalente ao da França (de mil e poucos euros). E que a gente vá crescendo, ao longo de uma linha traçada. Sem a ideia boba de que vamos fazer uma revolução apoteótica e carnavalesca – russa, soviética ou cubana. Nós vamos fazer aqui uma revolução democrática. O principal agente de uma revolução num país é o povo. Não existe revolução de minoria. Até existe, mas dá em merda. A revolução é obras das maiorias. Nós temos que dar cultura, educação, salário, casa, condições mínimas de cidadania para o povo brasileiro. Trinta e três milhões de  brasileiros passam fome. Matar a fome, dar cultura, direito a um futuro para os jovens, traçando uma linha de 30 anos de desenvolvimento, que chame o empresariado, que chame todos os setores sociais para um pacto. A Espanha fez.

Rio Já: Por que isto não funcionou em 13 anos de governo petista? Como fazer com que o povo entenda que isto está sendo feito?

Quaquá:Isto estava começando, mas não tinha narrativa. Não hove um pacto. O Lula fazia, melhorava a vida do povo. Não existia partido, o PT estava subjugado e destruído, fora dos movimentos sociais, fora da rua, fora da favela, fora da periferia, burocratizado, entranhado nos governos. Fazia porque era da sua natureza, mas não era um movimento político.

Rio Já: Falta esta guerra cultural agora?

Quaquá:Eu chamo isto de disputa cultural. Como o bolsonarismo faz, com muita competência. Hanna Arendt dizia que os mais perigosos não são os nazistas (e ela incluia os estalinistas engajados). É a completa imbecilização e incapacidde que a massa, o chamado “zé ninguém”, que o Wilhelm Reich aponta na psicologia de massas do fascismo, que é aquele cara cheio de frustração, cheio de problemas, e que passa a fechar o ouvido e passa a agir como gado, é conduzido como manada para a orientação do lider. É a base do totalitarismo, que estamos vivendo no Brasil. Como é que quebra isso? Vocês fizeram uma capa com um cidadão chamado Cabeludo. Quem é o Cabeludo? Ele é parte de um “sevirariado”. Gente que se vira para viver. Pode ser proletário, pode ser operário e pode virar classe dominante. O Cabeludo era um analfabeto, veio pro Ceasa, carregava carrinho, comprou um carrinho, depois dois, depois 20, depois comprou uma loja, e hoje é o cara mais rico do Ceasa. Quando conheci o Cabeludo, era um bolsonarista empedernido. Sentamos a uma mesa e matamos uma garrafa e meia de cachaça. Ele disse disse que era Bolsonaro e eu perguntei ‘mas você é Bolsonaro por que? Ele olhou pra minha cara, riu e disse ‘não sei, eu gosto dele’. Uma semana depois ele foi a Maricá, ficou lá me esperando, eu tava no Rio, quando cheguei, ele disse, ‘tô achando que vou votar no Lula’. Eu falei: cara, o Lula é alguém igual a você, é um cidadão brasileiro, de sucesso, veio do nada, como você, de um Brasil que reservou a morte para  gente como vocês, você fez sucesso como empresário, ele fez sucesso como político. Vocês são a mesma coisa! Na terceira vez que nos encontramos, foi na Ceasa, o pai dele estava lá, um paraibano, que disse “eu já falei pra esse cabra da peste que é Lula, porra!’ Na quarta vez que encontrei o Cabeludo ele estava fazendo campanha pro Lula.

Rio Já: O nome disso é luta ideológica.

Quaquá: O nome disso é luta ideológica, é luta cultural e é paciência. O problema é que a classe média de esquerda é tão intolerante quanto fascista. No jogo do Vasco, agora, quinta-feira, eu fiquei até às 5 da manhã bebendo com o Leo, sócio do Cabeludo. Esse não mudou, filho de classe média alta, dono de loja no Ceasa. O Leo falou ‘vou votar no Bolsonaro’. Eu disse ‘tudo bem, te respeito’, e ficamos conversando e bebendo. Aí sentou na nossa mesa uma menina, com um rapaz, que falou que votou em mim e tal. A menina começou a esculhambar o Leo, “bolsonarista filha da puta e tal, sai daqui!”. Eu falei, calma menina, que negócio é esse? Ou seja, ela quebra qualquer diálogo, tanto quanto o fascista quebra com a gente. Como dizia Paulo Freire, a lógica da pedagogia da transformação, a lógica da pedagogia do oprimido é o diálogo. Quando a esquerda quebra o diálogo ela não ganha ninguém. Essa ‘classemediazinha’ que faz o CarnaLula, no geral, é intolerante tanto quanto a direita. Não vai ganhar o Brasil sem diálogo, diálogo paulofreiriano. O Cabeludo é o melhor exemplo de que nós temos condições de reverter o quadro e unir o Brasil. O Lula tem capacidade de unir o Brasil. Mas é com diálogo.

Rio Já: E o ministério? Que tipo de perfil ele deve ter?

Quaquá:pouco petista como foram os dois governos anteriores do Lula. Os governos do Lula tiveram um terço de quadros do PT, e o da Dilma também. Tem que quebrar certos encantos. Quebrar o encanto de que Lula não vai fechar igrejas, porque nunca fechou. Quebrar o encanto de que vai ter banheiro unissex, que nunca teve. Esses dias a minha mulher falou pra uma menina que disse a ela sobre essa história: o único lugar que tem banhero unissex é na casa da gente. Em todo estabelecimento comercial durante o governo Lula tinha banheiro de homem e banheiro de mulher. O outro encanto que tem que quebrar é o de que Lula e um radical. Radical aonde? Nem aqui nem na China.

Rio Já:  Quando a esquerda vai começar a incomodar o Lula por ser moderado?

Quaquá: O que é um governo moderado num país que ainda é um engenho colonial? Um governo que dá casa, que dá comida, que dá salário, que dá proteção social, saúde e educação à população brasileira não é um governo moderado. A palavra radical vem de raiz não vem de folha, de floreio. A esquerda tem mania de não ser marxista, de ser hegeliana, de ficar no mundo das ideias. Quem é marxista vai na realidade. O que nós temos que fazer é olhar a realidade brasileira. O bem mais importante da luta política é a democracia. Porque sem democracia temos que ir pra luta armada. É uma furada, porque vamos perder. Vamos perder muitas vidas. O melhor terreno da luta social pra esquerda é a democracia. Porque democracia é o governo das maiorias. Se tem democracia, temos que fazer a luta cultural pra convencer as maiorias. O mais importante é ter um governo de reformas populares, transformadoras da vida do povo e ao mesmo tempo um partido que seja o agente coletivo, o professor coletivo. Um partido que seja agente de transformação social. O partido precisa se desburocratizar, juntar com a periferia, com a favela, com o campo, com a escola, com a universidade e organizar o povo. Construir uma maioria social de esquerda no Brasil.

Rio Já:  Reformista?

Quaquá: Reformista e revolucionária. Tem uma tese do Carlos Nelson Coutinho, muito antiga, que era muito atacada pelos esquerdistas, inclusive eu, que fui trotsquista, que era a tese do ‘reformismo revolucionário’. Num país desigual como o Brasil, o reformismo é revolucionário.

Rio Já:  Este Congresso, majoritáriamente conservador, vai oferecer muita resistência ao Lula?           

Quaquá: O centrão é um fenômeno brasileiro que não é de agora. A direita é minoritária. A esquerda é maior que a direita no Congresso. A direita da Damares, a direita dos loucos varridos é menor do que a esquerda. Quem controla o Congresso é o centro. No Brasil chamam de centro. Na crise da posse do Jango e depois na crise que deu no golpe militar, perguntaram ao Tancredo Neves líder do PSD: “Doutor Tancredo, o PSD, afinal de contas, é de direita ou é de esquerda?” Ele disse: “Meu filho, entre a Biblia e o Capital, o PSD fica com o Diário Oficial” (risos). Este é o centrão. Por que Dilma perdeu a maioria? Porque não usou o Diário Oficial. Porque teve pruridos que o PT tem mania de chamar de republicanos. Republicanos, porra nenhuma. Ser republicanos é governar a República. Você governa a república com os instrumentos que você tem. O Diário Oficial é um instrumento do governo da República. Nós temos que usar o Diário Oficial, vale dizer, fazer um governo de composição. Você pode não gostar do Congresso, mas ele existe. O Bolsonaro aprendeu isso. E deu uma lição quando o Bonner cobrou que ele era contra o centrão, mas estava governando com o centrão. Ele perguntou: ‘você quer que eu faça uma ditadura?’ Uma bela resposta. é Isto. Você joga o jogo jogado .O Lula vai ter que jogar.

Rio Já:  Mas o centrão não vai avalizar qualquer projeto mais progressista…

Quaquá:O centrão avalizou o Mais Médicos, avalizou o Bolsa Família, avalizou o Minha Casa Minha Vida, avalizou todos os projetos sociais do Lula. E vai avalizar todos os projetos do Lula agora. Orçamento secreto? Os deputados se acostumaram a ter um naco do orçamento, que e um naco, ali, de 30 bi. O Lula vai ter que saber trabalhar com isso.

Rio Já:  O Lula disse que ía acabar com o orçamento secreto.

Quaquá:Vai mudar a lógica, acabar não vai.

Rio Já:  Vai deixar de ser secreto.

Quaquá:Não vai ser secreto. É muito difícil, eu diria impossível, mexer na lógica. Tem que ser um negócio público, obviamente, direcionado para as ações que o governo terá como prioritárias. Vamos imaginar, com 120 ou 130 bi de investimentos, 30 bi na mão do Congresso, num regime de compartilhamento de poder, como é o brasileiro – isto é uma sintese dialética do que existe como divisão de poder.

Rio Já:  Na sua avaliação o PT Não vai disputar a presidência da Câmara?

Quaquá: Como é que 150 deputados vão  ganhar a presidência da Câmara? Eu fiz movimento estudantil. O moleque que faz movimento estudantil tem que saber matemática, fazer contas, batendo chapa. É só olhar a matemática, cara. O povo decidiu, véio, o povo deu aquele Congresso ao Brasil, é com ele que nós vamos ter que trabalhar.

Rio Já: O que você acha do movimento do Arthur Lira, que quer continuar na presidência?

Quaquá: O Arthur Lira pediu o apoio do PT e o PT Não deu. Se tivesse dado, ele teria se comprometido com outras pautas do PT. Talvez não tivesse desmontado tanto o estado brasileiro, se a gente tivesse apoiado ele. Eu defendi o apoio a ele, publicamente. Ele disse: serei mais forte e mais independente se tiver apoio do PT. O PT negou e preferiu optar pelo Baleia Rossi, que depois não nos apoiou. Foi um erro. Política é estrategia. Política não é dogma. Dogma é um conceito da religião. Política é realidade e estratégia.

Rio Já: Que o Brasil é um país conservador nos sabemos há 600 anos. Que o Brasil é um país pouco identitário nós sabemos. Como a direita ganhou tanto espaço se nós sabíiamos disso? Onde nós erramos?

Quaquá: Temos que separar algumas coisas. O racismo brasileiro é estrutural do capitalismo. A venda de escravos era um negócio em si mesmo. A venda de escravos era muito mais negócio e mais lucrativa do que a própria fazenda, do que, por exemplo, a produção de açúcar. O Brasil não era um produtor de açúcar ou de café, era um produtor de escravos. Carne humana. Isso marcou profundamente a sociedade brasileira. Uma sociedade que vivia da venda de pessoas. Por isso, precisamos ter política afirmativas. Identitárias, sim, mas no sentido de autoestima. Um povo com baixa autoestima é um povo explorado e esmagado. Precisamos afirmar a beleza negra, afirmar a cultura negra, a identidade da negritude, da importância que a África e os africanos tiveram na construção do Brasil. Isto é fundamental. Agora, isto não significa girar toda a a política da esquerda brasileira com o identitarismo com pautas comportamentais. O problema do racismo está fora. Ele é pauta econômica e é pauta social. Agora, por exemplo, o cara que quer ser homossexual estará exercendo um direito dele, um direito privado dele. Isto pode ser uma bandeira nacional da esquerda, mas a bandeira deve ser a seguinte: não se mata e não se agride pessoas porque são diferentes. Defesa da tolerância. Mas aí temos que entrar na disputa da religião. Na disputa cultural. É essencial entrar na disputa dos evangélicos. Há uma disputa cultural a fazer, mas a prioridade da esquerda é a luta de classes. É o problema da desigualdade no Brasil. Este é um problema do negro. É um problema da mulher, também, mas quanto a isto não acho que devemos continuar vendendo peitinho de fora e sei lá mais o quê. Me mandaram um lindo video celebrando a vitoria do Lula de uma das chamadas correntes de esquerda feminista do PT. Eu tava achando bonito e me preparando para salvar e publicar nas minhas redes quando no final aparecem duas meninas de peito de fora. Falei, não vou publicar. Como é que uma senhorinha evangélica que vota em mim – eu tenho muitas que votam, em São Gonçalo, por exemplo. Aí eu não publico uma porra dessas de jeito nenhum, porque isso é se isolar. Nós temos que ganhar o conjunto da sociedade brasileira, que é conservador. Eu mesmo sou conservador. Eu nunca admiti aborto de alguma mulher com quem tivesse uma relação e gerasse um filho. Sou contra. As minhas convicções são religiosas e pessoais. Sou católico, não praticante, mas as minhas convicções pessoais e éticas me impedem de aceitar o aborto de uma criança. Fez merda, assuma a merda que fez. Agora, é claro, tem um bando de homem filho da puta, abusam das meninas nas favelas, estupradores, e estas meninas não podem morrer. E nestes casos, a lei dá conta.

Rio Já:  Como a esquerda pode disputar o discurso com a direita junto às mulheres pobres e evangélicas das favelas do Rio?

Quaquá:Sem narrativas identitárias agressivas de classe média. A mulher pobre das favelas, evangélica, católica ou não, quer creche, quer emprego, quer renda, que alimentar seus filhos, quer escola em tempo integral pros filhos, quer segurança, não quer bandido, Quer melhorar a vida dela e dos filhos. Muitas vezes não pode contar com o marido porque ele é um vagabundo. E a esquerda não tem pauta pra mulher pobre. Só tem pauta pra mulher de classe média. O PT perdeu grande parte de sua relação direta com o povo, com a periferia, com a favela. Mano Brown apontou isso com razão. Quanto o PT surgiu o Brasil era um país majoritariamente católico. Hoje é um país, na base, evangélico. Nós fomos criados pelas comunidades de base da Igreja Católica. Meu pai e minha mãe eram diferentes. Eram pobres, de pouca instrução, brizolistas doentes e tornaram-se evangélicos, depois petistas. Agora, não frequentam mais os templos por causa da direitização dos pastores, Mas essa e a trajetória de muitos pobres no Rio de Janeiro. Eles não se sentem mais à vontade nos templos evangélicos. E tem milhões de petistas evangélicos que não têm para onde ir. Nós temos que criar um movimento evangélico. E posso afirmar que estou criando. “Jesus Libertador”. Uma “teologia da prosperidade solidária”. Vale dizer: irmão não pode prosperar sem que o outro prospere junto. Não é cristão um irmão prosperar e deixar o outro pra trás e mal. Estou trabalhando diretamente neste projeto. No meu governo em Maricá, eu criei uma secretaria de assunto religiosos. Botei um pastor como secretário, botei como subsecretário um carola da Igreja Católica, e botei como superintendente um macumbeiro. Aí os petistas vieram reclamar: mas o PT é um partido laico. E eu respondi: meu filho, na terra e na lama que eu piso, laica é nome de de cachorra. Então vamos parar com essa porra.