IZA:DO SUBÚRBIO CARIOCA PARA O PALCO MUNDO

POR AYDANO ANDRÉ MOTTA

A exuberante onipresença de IZA atingirá novo patamar quando a cantora nascida no subúrbio carioca subir no palco Mundo, o principal do Rock in Rio. Uma das artistas mais populares do Brasil, garota-propaganda muito requisitada e sucesso retumbante nas redes sociais, ela alcança, aos 31 anos, o ápice de uma carreira que conjuga talento, paixão, atitude e estratégia. IZA é a cara do seu tempo.

Numa era de mulheres empoderadas, ela ocupa seu lugar com talento e beleza, no palco e fora dele. Oferece doses bem administradas da vida privada para alimentar o protocolo da badalação digital e se engaja sem hesitações nas lutas essenciais. Agora, será a primeira cantora negra a se apresentar no principal espaço do maior festival de música do país.

“Mal superei o palco Sunset (segundo em importância no evento) e agora estou no palco Mundo do Rock in Rio. Realmente será um dos dias mais felizes na minha vida”, garante, revisitando o passado recente. “Há poucos anos estava na plateia com as minhas amigas, começando meu canal e pedindo para me apresentar ali um dia. Será uma realização que nunca imaginei. De verdade”.

Os resultados se conectam às escolhas da artista que, decidida, traçou seu caminho sem medo – bem a cara da sua geração. Tinha pouco mais de 20 anos quando se formou em publicidade, deixando a música em segundo plano, no amadorismo de shows em festas de amigos e o canto na igreja que

frequentava, perto de casa. Um dia, se perguntou o que gostaria realmente de fazer, independentemente da remuneração: música. “Pedi demissão do trabalho na agência e montei meu canal para gravar os covers que fazia“, recorda ela, que começou a montar ali um portfólio para vender show.

Na mesma época, sua família passou aperto, quando o pai foi embora de casa. Isabela Cristina Corrêa de Lima – o nome de batismo – pensou em desistir, mas a mãe, Isabel, não permitiu, segurando as pontas até a carreira da filha deslanchar.

E olha que demorou. IZA só gravou seu primeiro álbum – apropriadamente chamado “Dona de mim” – aos 27 anos, em 2018. Estavam presentes as influências que seguiram com ela: Beyoncé, Rihanna, Negra Li, Fernanda Abreu, Sandy, Whitney Houston e Mariah Carey. “Sonho fazer um dueto com a Shakira, por exemplo, ou gravar com Stevie Wonder e, claro, Beyoncé”, planeja.

O pai faltou na hora mais decisiva da família, mas tem seu quinhão na obra da filha, por causa de uma enchente típica do Rio que destruiu os discos da pequena Isabela. “Ouvia os dele, o que mudou minha relação com a música. Eram álbuns clássicos da Black Music, Michael Jackson, Diana Ross, Gloria Gaynor, Brian McKnight e eu gostava demais”, lista. “Hoje, agradeço e posso dizer que são minhas referências”.

O caminho de IZA tem como óbvio alicerce a música, mas é, como se diz hoje em dia, multiplataforma. Seus mais de 25 milhões de seguidores nas redes acompanham viagens, gravações de trabalho e imagens na casa onde mora com o marido, Sérgio Santos.

E não se engane: as postagens são todas dela, sem intermediários. “Procuro criar uma forma saudável de me comunicar através das redes. Sei da importância delas e criei limite para expor minha vida pessoal”, explica. “É importante, claro, para me comunicar com os fãs, divulgar minha música, meu trabalho e passar minha mensagem. Não estamos aqui só para dar close apenas, estamos aqui para fazer parte da história. É através da nossa arte que nos posicionamos. Sei da importância do microfone na minha mão, de estar na TV e nas redes sociais. Por isso, sou muito cuidadosa”.

Mas sem fazer concessões em agendas fundamentais – entre elas, a mais grave de todas: o racismo. E aqui, a mãe serviu de farol. “Ela me ensinou a nunca deixar passar. Sempre foi muito observadora e ficava atenta ao meu comportamento”, relembra a cantora que, quando pequena, não decifrava o preconceito. Bolsista, era das poucas meninas na escola particular onde estudava. A curiosidade brotou aos 8 anos, quando quis entender o porquê dos olhares e comentários. “Demorei a me aceitar, a parar de alisar o cabelo e a entender minhas formas”, reconhece.

Agora, é consciência de corpo e alma. “O racismo, para qualquer pessoa negra no Brasil, acontece independentemente de quem a gente seja. Claro que mudou, agora que sou conhecida. Ninguém vai mais me seguir quando eu entrar em alguma loja, e não passo mais pelo constrangimento de ninguém vir me atender ou de duvidarem se eu posso pagar”, narra. “Tenho o privilégio de ser conhecida e, por isso, rola uma proteção. Mas o racismo nunca abandona a gente”.

Por essas e outras mazelas – como o machismo e a misoginia –, a artista se sente especial por inspirar brasileiras de todas as idades. “Lembro a menina que fui e sei como era importante me ver nos lugares, me sentir representada. Hoje me sinto lisonjeada de estar nessa posição”.

Na verdade, o Palco Mundo será o segundo em importância na trajetória recente dela. IZA é, há dois carnavais, rainha de bateria da Imperatriz Leopoldinense, escola de Ramos, vizinho a Olaria, bairro onde cresceu. “Já fui muito na quadra, escondida da minha mãe”, revela. “A escola é a vida daquelas pessoas que trabalham para fazer o desfile acontecer. Tenho profundo respeito por isso”.

Assim, uma estrela da tribo do samba vai brilhar no Rock in Rio. Um momento pontilhado de significados (a começar pelo aniversário de 32 anos, dia 3 de setembro, véspera da apresentação). “Será a volta do festival depois de tudo que passamos e uma grande conquista para mim. Sei o quão seleto é esse palco. São muitos motivos para ser uma noite muito especial”.