PERFIL: SAMANTHA SCHMÜTZ

Por Rosayne Macedo

‘Rir é um ato de resistência’, sentenciou o inesquecível Paulo Gustavo, em meio à tristeza do isolamento social naquele fatídico fim de ano de 2020, o último de sua vida. O humorista deixou também como legado uma safra de amigos humoristas inteligentes, divertidos e engajados. Como Samantha Schmütz,  de 43 anos, que carrega a mesma leveza e o fascínio de quem faz a gente rir só de olhar pra ela. Mas esta niteroiense, de tantos perrengues no início de carreira, nas idas e vindas para estudar, encenar e trabalhar ‘do outro lado da ponte’, consolidou seu próprio nome com um humor simples, optando por representar personagens que são a cara do povo brasileiro e que, portanto, fazem a gente rir de si mesmos.

 Ainda há quem pense ainda que fazer humor no Brasil é coisa para homem, mas Samantha e mulheres como Tatá Werneck (primeira humorista a ser contemplada com o ‘Troféu Paulo Gustavo de Humor’ da Globo), Katiuscia Canoro e Evelyn Castro (que contracenam com ela em situações hilárias em ‘Tô Rika 2’, seu mais recente lançamento na telona) provam que humor não é coisa de gênero.

Nos palcos e no cinema, Samantha não só faz a plateia chorar de rir, mas bota todo mundo para cantar e dançar. A carreira na música entrou em sua lista de prioridades, que inclui um espetáculo na Broadway, ideia que compartilhava com Paulo Gustavo: “Vou realizar esse sonho por nós” Fã de artistas que preferem letras com alguma reflexão, como Elis Regina, Racionais, Nação Zumbi, Criolo e  MC Carol, a multifacetada artista, que já foi até backing vocal de Serjão Loroza, já lançou três singles – “Edifício Brasil”, “Bossa Loka” e “Segredo” – e se prepara para um inédito LP, dirigido por Giovanni Bianco, que também já dirigiu Madonna e Marisa Monte.

Mas a pequena e empoderada mulher de metro e meio de altura não para e ainda encontra fôlego para correr, nadar e pedalar (ufa!) – não tudo ao mesmo tempo, nem na mesma ordem. Em Miami, onde mora com o marido, Samantha se dedica aos esportes para competir profissionalmente como triatleta, recebendo aulas à distância de Fernanda Keller, a maior estrela do triathlon brasileiro de todos os tempos.

No Carnaval fora de época do Rio de Janeiro, a humorista esbanjou emoção e alegria ao desfilar pela São Clemente, no enredo em homenagem ao amigo Paulo Gustavo. Na hora de ir para a Sapucaí, pegou uma bolsa que não usava há muito tempo e a surpresa: dentro dela estava a pulseira do último aniversário comemorado pelo amigo. “Não sei vocês, mas eu acredito em sinais“, explicou a atriz, que desfilou a convite de Ju Amaral, irmã do comediante.

Um sonho que compartilhava com Paulo Gustavo e que nunca morreu: fazer um show na Broadway

Paulo Gustavo morreu aos 42 anos, vítima de Covid-19, uma doença que poderia ter sido  evitada por uma vacina, mas na época (maio de 2021), ainda não era oferecida para a sua faixa etária. Estima-se que quatro entre cinco mortes pela doença não teriam acontecido se houvesse uma política adequada de enfrentamento à pandemia. Samantha transformou o luto em luta: participou de uma ação da iniciativa global Equipe Halo, do projeto Verificado das Nações Unidas, ‘emprestando’ seu perfil  no Instagram (@samanthaschmutz) para a microbiologista Natalia Pasternak, uma das principais vozes de combate à pandemia no Brasil.

A atriz já se posicionou abertamente contra o Governo Bolsonaro e criticou artistas brasileiros por não fazerem o mesmo, muitas vezes por medo de perder fãs, curtidas nas redes sociais ou patrocínio de marcas. Como Juliana Paes, que subiu no muro para dizer de lá que não apoiava “ideais arrogantes de extrema direita” nem “delírios comunistas da extrema esquerda”. Sobre seu engajamento, Samantha disse à Veja: “Nunca fiquei sem trabalho por isso e a minha profissão caminha junto com meu papel de cidadã”.

Em abril, com sutileza, a comediante voltou a alfinetar Juliana Paes, que vive uma humilde integrante do Movimento Sem-Terra na minissérie Pantanal, reexibida pela Globo. A comediante publicou em seu perfil ‘Seremos Resistência’ a frase “The Lirio [referindo-se ao ‘delírio” citado pela atriz]”, seguido de um emoji de onça. Samantha, que também participou dos protestos contra a morte brutal do congolês Moïse, retorna ao país para votar em outubro – adivinhem em quem?!

algumas opiniões desta artista que está conquistando o Brasil:

Ser comediante e ser cantora:

Eu sou uma só (riso). Eu canto, danço, atuo, faço humor e me jogo em tudo que faço. Sempre carreguei esses meus dois lados comigo e, quando é possível, tento uni-los. Com a personagem Fátima, que é cantora de churrascaria, por exemplo, eu fazia isso. Amo quando consigo juntar as duas coisas!

Qualidade da música brasileira:

A produção musical brasileira é maravilhosa e eu tenho muito orgulho dos artistas desse país e da nossa cultura. Nós temos pouquíssimo incentivo e lutamos muito pra fazer dar certo.

Papel do artista no contexto político e social:

Na minha opinião, tudo é político. Não tem como desassociar a arte da política. A arte é política porque reflete a nossa sociedade, com todas as suas dores e delícias. O papel do artista é provocar, fazer pensar e fazer sentir. Claro que trabalhamos para entreter e divertir, mas, se for só isso, acaba se tornando algo muito vazio. Arte é revolução. E, no momento em que estamos vivendo, de pandemia e de um desgoverno terrível, acho que a classe artística tem um papel muito importante.

O voto do artista:

O que nós podemos fazer é continuar lutando e resistindo pelo que a gente acredita. Temos que votar em pessoas que respeitem a cultura e os cidadãos do nosso país. É muito importante encorajar essa nova geração de artistas e mostrar que é possível sonhar e fazer arte no Brasil.

O racismo no Brasil:

É algo terrível, estrutural e muito latente na nossa sociedade. Todos somos responsáveis por enfrentar e mudar isso.

Como viver com o salário da Selminha de “Tô Ryka 2”:

Quem ganha um salário mínimo no Brasil de hoje não vive, apenas sobrevive. E olhe lá! O mínimo indispensável para todos deve ser viver com dignidade, ter direito a moradia, alimentação, saneamento básico, educação, segurança e lazer”

O sucesso de Selminha:

Não sei se é o segredo, mas fico muito feliz por interpretar personagens que conversam tanto com a realidade do público brasileiro. A Selminha, personagem que interpreto, é uma mulher muito forte, que luta muito para mudar a realidade dela e da sua comunidade, e o Brasil é formado por milhões de Selminhas.

Maus políticos:

Políticos que não olham para as necessidades do povo que os elegeram não estão honrando com o papel que foram escolhidos para realizar. É uma falta de respeito, de empatia, de responsabilidade e, além disso, é crime!

Tô Ryca 2: ‘O Brasil é formado por milhões de Selminhas’

Dizem que brasileiro não desiste nunca e tem o incrível poder de  rir da própria desgraça. E é verdade. O Brasil tem hoje um número recorde de 30,2 milhões de trabalhadores remunerados com até um salário mínimo por mês (34,4% do total ocupado). Esse percentual é o mais alto já apurado desde o início da série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) do IBGE, em 2012.

A insegurança alimentar também voltou a rondar as famílias brasileiras: o país voltou ao mapa da fome. Nos últimos dois anos, o número de pessoas em situação de insegurança alimentar grave saltou de 10,3 milhões para 19,1 milhões. Como ganhar dinheiro num país “onde o rico cada vez fica mais rico e o pobre cada vez fica mais pobre”. Se você apostou em ganhar uma bolada de dinheiro de herança, acertou.

Foi assim que no primeiro longa ‘Tô Ryca’, em 2016, Selminha, uma humilde moradora de Quintino, bairro periférico do Rio, viu da noite para o dia a sua vida se transformar graças a um tio desconhecido que lhe deixou uma herança milionária. Esbanjadora, a personagem pagava mais caro em tudo que queria e podia. O problema é que dinheiro que vem fácil, vai embora rápido.

Como alegria de pobre sempre dura pouco, a herdeira acidental volta a ficar pobre  após levar um golpe tramado por seu próprio advogado: aparece uma homônima que se coloca como a herdeira legítima e os bens são congelados. E Selminha passa a morar de favor na casa de amigos e sua única fonte de renda é a que a justiça concedeu até se resolver o processo: um salário-mínimo por mês, ou seja, R$ 30 por dia.

Com Selminha sem saber como viver no miserê, toda a comunidade de Quintino também acaba passando aperto. Guerreira, batalhadora e brasileira que não desiste nunca, ela vai ressurgir para resolver não só a sua vida, mas de todos que ama. O filme traz uma série de críticas sociais sobre a realidade do trabalhador e das condições de vida dos mais pobres no Brasil.  “A comédia é também uma ferramenta para se falar de coisas difíceis. Desde o filme 1 era claro pra mim que eu não queria fazer mais um filme sobre pobre criando constrangimento em ambiente de rico. Então a primeira coisa que eu pensei foi como ser engraçada sem desrespeitar o tanto que é difícil ser cidadão sem dinheiro no Brasil”, comenta a atriz.

“Selminha sabe muito bem seu potencial, e quem ela é impedida de ser pelo desrespeito que o Brasil historicamente tem com seu povo. Já rimos muito com a ignorância, tá na hora de rir com a denúncia também”, comenta a atriz. “Uma maneira da gente se curar seria enxergando nosso problema de uma outra forma, e a comédia pode fazer isso. Ao rir dos nossos problemas, podemos refletir e, assim, a reflexão pode levar a uma ação”.

Samantha está bem de vida, vive em Miami com o marido e não precisa mais passar perrengue como os que encarava no começo de carreira, junto com o amigo Paulo Gustavo. Mas, questionada sobre o que faria se ganhasse uma fortuna de uma hora para outra, não perde tempo: “Investiria nos meus projetos, nas minhas músicas, nos meus clipes… Ia fazer de tudo um pouco!”. Talento, sucesso e sorte não lhe faltam.