PEDRO DE ARTAGÃO

Um dos mais ecléticos chefs de cozinha do Rio, Pedro de Artagão é uma usina de ideias e de invenções. Apaixonado pela comida carioca, voa sem preconceito entre a frugalidade de uma empada de boteco e o prato sofisticado da alta cozinha contemporânea

 Um grande chef que adora o Rio de Janeiro e a sua comida popular. Pedro de Artagão começou suas aventuras gastronômicas aos 17 anos. Autodidata, trabalhou com três estrelados chefs (José Hugo Celidônio, Flavia Quaresma e Rolland Villard). Tornou-se mestre em diferentes estilos na cozinha, misturando novos insumos e produtos, sempre em parceria com produtores orgânicos e locais.

À frente do Grupo Irajá, um dos mais importantes do estado, que reúne cerca de 250 colaboradores, o carioca comanda nada menos do que sete restaurantes: Irajá, Formidable Bistrot, Cozinha Artagão, Azur, Irajá Redux e Boteco e Galeto Rainha.  Isso fora outras três operações: os delivery´s Oficina do Estrogonofe e Bastarda Pizza e o catering Pedro de Artagão Festa.

‘Chef é posição, nós somos cozinheiros’, costuma dizer o dono do sofisticado Irajá, criado há 10 anos num casarão de Botafogo e hoje instalado na movimentada Rua Dias Ferreira, no Leblon. E com essa simplicidade, conseguiu, ao longo de 25 anos, imprimir sua própria marca e ser reconhecido pela crítica e por outros chefs, colecionando mais de 20 prêmios entregues por veículos do Rio de Janeiro.

Apesar do menu sofisticado com o qual Artagão se celebrizou, nunca escondeu seu enorme respeito pela comida de boteco, de bar, de pé sujo, dos restaurantes simples e tradicionais da cidade. Este ano, Artagão estreou um programa de TV só pra ele: o ‘Rio de Barriga Cheia’, no canal Sabor e Arte, da Band, no qual passeia por esses locais. O nome do programa dá bem uma ideia do que o chef considera positivo na comida carioca: simples, gostosa e confortável. 
Tanto que o próprio Artagão abriu um restaurante, digamos, popular: um boteco chamado Rainha, pertinho de seu restaurante chique, o premiado Irajá. Em seguida, abriu ainda no mesmo endereço badalado do Leblon o Galeto Rainha. Isso mostra o interesse do renomado chef carioca pela mistura: o chique, sim, mas com respeito ao simples e popular. 
Pedro de Artagão fez uma pausa em sua atribulada agenda de chef e restauranter para cinco minutos de prosa com Rio Já, onde fala de sua paixão pela simplicidade da cozinha carioca, analisa os efeitos da pandemia nos bares e restaurantes do Rio e ainda antecipa seus próximos projetos gastronômicos. Confira.

 Rio Já – A cozinha do Rio é muito rica, apesar do clássico filé com batata frita, que é adorado por 9 entre 10 cariocas. Na sua opinião, o que tem de melhor na cozinha carioca que nenhum outro lugar do mundo tem?
 Pedro de Artagão – Para mim, a cozinha carioca é a epítome da ‘comfort food’. A maioria dos nossos pratos clássicos foi criada na época em que o Rio de Janeiro foi capital. Era um tipo de restaurante que levava para o prato a vontade do cliente. O filé à Oswaldo Aranha e o Filé à Francesa, por exemplo, são criações de clientes. Fora isso tem a herança portuguesa, presente em vários tipos de cozidos, na feijoada, nos ensopados. O ‘Rio de Barriga Cheia’ mostra bastante desses clássicos, mas também a comida de alta gastronomia. Como apresentador e guia do programa, meu interesse é mostrar para as pessoas, quem vai visitar o Rio, que esses clássicos ainda funcionam, estão de pé e têm muito o que mostrar ainda.

Agora à frente também do Galeto Rainha, pode revelar qual é o segredo de um bom galeto? E o diferencial do galeto ‘assinado’ por Pedro de Artagão?
 Tenho muito respeito pela comida simples, de bar, de boteco, dos restaurantes antigos. Quando eu saio para comer, na maioria das vezes, é o tipo de estabelecimento que quero na minha folga com a minha família. E foi isso que me inspirou para abrir o Boteco Rainha e, na sequência, o Galeto Rainha. Não tem segredo, não são comidas de chef. São comidas bem feitas respeitando todos os processos que regem uma boa cozinha, seja ela de sanduíche, de alta gastronomia ou de comida simples do restaurante de bairro. O segredo é bom ingrediente, carinho ao tratar o ingrediente, um profissional com vontade e que esteja feliz em estar executando aquele produto. Fora isso, o resto é história. Não tem muito segredo, é só fazer bem feito.  

 Como conciliar o requinte do Irajá com a tradição de um boteco ou de uma popular galeteria?
 Meu grupo foi crescendo porque virou um celeiro de talentos e eu precisava ir encaixando cada um desses talentos em operações que combinassem com as suas personalidades. Por isso a gente consegue ter lado a lado hoje um Irajá e um boteco. O Irajá é nosso restaurante mais gastronômico, onde eu extravaso boa parte da minha criatividade dentro do que a gente chama de cozinha contemporânea. É a antítese da Galeteria e do Boteco Rainha. Meu trabalho hoje é muito mais estratégico. Com o passar do tempo eu vou separando um pedaço do meu tempo, do meu dia, do meu foco, um pouquinho para cada operação. No momento em que estou numa operação, seja ela qual for, estou 100% focado nela. E assim a gente vai fazendo com que tudo caminhe em sintonia.

 A pandemia de Covid-19 afastou compulsoriamente as pessoas dos restaurantes. Hoje, temos incentivos fiscais aprovados para os bares e restaurantes, que também ficaram de fora da exigência do ‘passaporte da vacina’. Acha que essas medidas são suficientes para recuperar o setor? O que mais sugeriria para alavancar o setor no pósCovid?
 Os incentivos são absolutamente difíceis. Os créditos gerados para restaurantes, nem todo mundo conseguiu pegar. Realmente o período sem clientes não foi totalmente substituído pelo delivery. O segmento foi muito sofrido, afetado (pela pandemia). Acho que a gente precisa de um grande empurrão, principalmente os pequenos e médios. Nesse empurrão falamos exatamente de renúncia ou negociação fiscal. Precisa de incentivos, de um cuidado maior em relação aos processos trabalhistas. A gente precisa de uma atenção grande porque os bares e restaurantes são parte integral da economia da cidade. O setor de serviços é importantíssimo, sem ele não resta nada. A indústria já saiu daqui. O turismo usufrui desses serviços. Então, a gente precisa de mais atenção e mais carinho da prefeitura e do estado para que a gente consiga esse fôlego de volta. Não é só sair da inércia e trazer o público para dentro dos salões. Tem que pagar as dívidas passadas. Deixar as casas fechadas durante a pandemia gerou dívidas que são dificílimas de ser cobertas para frente”.

 O delivery ganhou força no período de isolamento entre muitos bares e restaurantes, e alguns tradicionais que nunca haviam adotado o serviço. Mas comer em casa a mesma comida não tem a mesma graça que comer onde se tem todo um ‘ritual’. Como foi esse desafio? Acha que essa tendência híbrida (delivery + presencial) veio para ficar? E como os restaurantes devem se equilibrar entre o presencial e o delivery?
 De fato, durante a pandemia, o delivery viveu uma catarse e explodiu. Acredito que a ânsia por viver de novo as experiências presencialmente vai dar um susto no delivery agora. A gente já vem sentindo isso; está havendo uma transferência de volta. Acredito que o delivery ganhou na pandemia, vai perder e ficará num saldo positivo em relação ao que era antes, mas nada próximo do que foi durante a pandemia. O sistema híbrido serve para complementar um restaurante que não tenha seus salões 100% cheios. No caso de um salão lotado, não tem o menor sentido em parar uma operação para atender um delivery enquanto tem um cliente ali esperando para ser atendido. Com o passar do tempo, as operações que trabalham full vão acabar tirando o delivery ou migrando para operações de delivery separadas das operações dos restaurantes percé.

 Qual é seu próximo projeto gastronômico? Vem novidades por aí?
 Para o verão, vamos dar o pontapé em nosso espaço dentro da tribuna de honra no Jockey Club, arrendado pelo Grupo Irajá com algumas operações. Não é só o salão de eventos, mas o Club House, uma área na grama onde vamos fazer happy hours à tarde, festas e outros acontecimentos, além do serviço à la carte na tribuna de honra com vista para a pista. Estamos lançando o Boteco Princesa na Rua João Lira (Leblon), onde era o Formidable Bistrot, e em breve um ponto físico da Pizzaria Bastarda. Por enquanto acho que é isso.