EMILINHA BORBA: OS 100 ANOS DA AFILHADA DE CARMEN

A cantora nasceu em 1923

Jan Theophilo

O ano de 2023 tem sido pródigo em efemérides no Rio de Janeiro. Tivemos os 100 anos da Portela, do Copacabana Palace e os 70 anos da Petrobras. Mas um outro centenário passou quase batido pela imprensa e não por falta de importância histórica: os 100 anos de nascimento de Emilinha Borba, a carioca que se tornou a Rainha do Rádio. Abaixo, reunimos 10 histórias da cantora, que nos dias de hoje só devem ser lembradas pela moçada que frequenta a Pedra do Sal, a Livraria Folha Seca ou a Praça São Salvador.

1. Botafoguense de coração e mangueirense de alma e nascimento, Emilinha nasceu num dia 31 de agosto, na Rua Visconde de Niterói, no bairro da Mangueira. Ainda menina e contrariando a vontade de sua mãe, apresentava-se em diversos programas de calouros, dentre eles, “Calouros do Ari Barroso”, onde conquistou a nota máxima interpretando o samba “O X do Problema” de Noel Rosa.

LEIA MAIS: O Rio tem vergonha de Carmen Miranda

2. Levada por Carmen Miranda, sua madrinha artística, fez um teste no Cassino da Urca. Por ser menor de idade e na ânsia de conseguir o emprego, alterou sua idade para alguns anos a mais. Ajudada por Carmen (que também lhe emprestou vestido apropriado e sapatos de plataforma), foi aprovada por Joaquim Rollas, diretor artístico do Cassino e ali passou a se apresentar como “crooner”, tornando-se logo em seguida uma das principais atrações daquela casa de espetáculos.

3. Em 1942, o cineasta estado-unidense Orson Welles estava filmando no Brasil. Nesta época, a estrela absoluta do Cassino da Urca, de onde Orson Welles não saía, era Linda Batista. Enquanto permanecia no Rio entre farras e bebedeiras, Welles iniciou um romance com Linda. Até que colocou os olhos em Emilinha, já com pinta de futura estrela. O cineasta não perdoou a pouca idade, nem o fato dela namorar o cantor Nilton Paz, e começou a assediá-la, prometendo levá-la para Hollywood. Linda Batista, ao saber o que estava acontecendo, cercou Emilinha nos bastidores, deu-lhe uns bons tabefes e rasgou seu melhor vestido, com o qual ela se apresentaria dali a pouco. Orson Welles, ao sentir a chapa esquentar, deixou Emilinha em paz e voltou para os EUA.

4. Ainda em 1942 ela foi contratada pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro, desligando-se meses depois. Em setembro de 1943 retornou ao “cast” da emissora, firmando-se a partir de então, e durante os 27 anos que permaneceu contratada, como a “Estrela Maior” da líder de audiência. Lá, Emilinha atingiu o ápice de sua carreira, tornando-se a cantora mais popular do país. Teve participação efetiva em todos os seus programas musicais, assim como, foi a “campeã absoluta em correspondência” por 19 anos consecutivos (até quando durou a pesquisa da emissora) entre 1946 e 1964.

5. O simples anúncio de sua presença em qualquer cidade ou lugarejo do país, era motivo para ser decretado feriado local. Emilinha simbolicamente recebia as chaves da cidade e desfilava em carro aberto pelas principais ruas e avenidas sendo aplaudida e ovacionada pelos habitantes. Certa vez, devido ao enorme sucesso após o seu terceiro espetáculo realizado no teatro Santa Rosa, em João Pessoa (Paraíba), Emilinha teve que cantar em praça pública junto ao Cassino da Lagoa, para um incalculável público, só comparado aos dos grandes comícios de Luiz Carlos Prestes ou Getúlio Vargas, os políticos de maior prestígio dessa época.

6. Emilinha foi a primeira artista brasileira a fazer uma longa excursão pelo país com patrocínio exclusivo. O Leite de Rosas, que até então investia em artistas internacionais (como a orquestra de Tommy Dorsey) a contratou e patrocinou por três meses consecutivos em uma temporada pelo Norte e Nordeste.

7. Ela foi a personalidade que pelo maior número de vezes foi primeira página de revistas no Brasil. Na “Revista do Rádio”, uma semana a capa era com ela, na seguinte outro artista e na posterior ela novamente. Até que, numa Semana Santa quando seria a vez de Emilinha, foi criado um impasse, pois o diretor da redação pretendia homenagear a Igreja Católica. Como resolver? Solução: colocar um crucifixo em seu colo, o que foi o bastante para o crítico José Fernandes brincar: “Até Jesus Cristo para ser capa de revista teve que sentar no colo de Emilinha”.

8. A famosa rusga entre fãs de Emilinha e Marlene começou em 1949. Naquela década, Emilinha disputava ano após ano com as irmãs Linda e Dircinha Batista o concurso de Rainha do Rádio. O torneio era organizado pela Associação Brasileira de Rádio, sendo que os votos eram vendidos junto com a Revista do Rádio e a renda, destinada a construção de um hospital para artistas. Naquele ano, Marlene, uma cantora novata, venceu de forma espetacular e controversa. Ela havia sido contratada pela Antarctica como garota-propaganda de um novo produto: o Guaraná Caçula, e a cervejaria investiu uma fortuna para que ela saísse vitoriosa. Em 1953, Emilinha foi finalmente coroada definitivamente a Rainha do Rádio, unicamente com o apoio popular. A quantidade de votos que lhe deu a vitória era maior que a das outras concorrentes somadas.

9. Emilinha foi pioneira em diversos momentos históricos da MPB. Foi a primeira a cantar à distância da orquestra, quando, em 1955, esteve no Estúdio da Rádio Gaúcha de Porto Alegre e de lá, por telefone, cantou o bolero “Em Nome de Deus”, sendo devidamente acompanhada pela orquestra que se encontrava no auditório da Rádio Nacional, no Rio. Foi também a primeira cantora a gravar, comercialmente, um samba de enredo de escola de samba (“Brasil Fontes das Artes”, do Salgueiro, em 1957). A primeira contratada para gravar uma música tema para a trilha sonora da novela “Jerônimo, O Herói do Sertão”. E a primeira a “reger” a plateia do Maracanãzinho lotado, quando defendeu o primeiro lugar na festa de apresentação das músicas campeãs do carnaval de 1957. Ela interpretou a marcha “Vai com Jeito” de Braguinha.

10. Em junho de 2005, Emilinha foi internada após cair de uma escada e sofrer traumatismo craniano e hemorragia intracerebral. Ela morreu no dia três de outubro de 2005, aos 82 anos, de infarto fulminante, enquanto almoçava em seu apartamento em Copacabana. Seu corpo foi velado durante toda a noite e a manhã do dia seguinte na Câmara dos Vereadores por milhares de amigos, familiares e fãs desolados.