ARTIGO: A EMOÇÃO DOS DESFILES, AGORA DIVIDIDA EM TRÊS NOITES

A configuração das cabines dos jurados foi redesenhada

Leonardo Bruno*

‘Dividir as escolas em dois dias de desfiles é péssimo. Ninguém em sã consciência pode julgar com o mesmo critério dois dias seguidos. É uma loucura. Essas decisões são de quem nunca fez Carnaval”, vociferou ao “Jornal do Brasil” o campeoníssimo carnavalesco Arlindo Rodrigues, em novembro de 1983. Esse é apenas um aperitivo do clima de apreensão que reinava entre os sambistas durante o pré-Carnaval de 1984. O motivo? Pela primeira vez os desfiles seriam divididos em dois dias, domingo e segunda-feira – desde a inauguração do concurso entre as escolas de samba, em 1932, elas saíam todas no mesmo dia, o domingo de folia. Mas, a partir da inauguração do Sambódromo, fez-se a divisão do espetáculo em dois atos (sete agremiações por noite), o que foi assimilado muito rapidamente pelo público e pelas escolas.

Quarenta e um anos depois, os sambistas se deparam com novidade parecida: novo desmembramento dos desfiles, dessa vez em três dias, com minguadas quatro escolas se apresentando em cada noite. A partir de agora, o Carnaval do Grupo Especial será disputado domingo, segunda e terça-feira, com os foliões saindo da Avenida na Quarta-Feira de Cinzas pela manhã e praticamente emendando a festa com a apuração, que acontece no mesmo dia, à tarde. Maratona deliciosa para os apaixonados pela Sapucaí, verdadeira prova de resistência que enfrentaremos com sorriso no rosto e pés calejados.

A agitação deste pré-Carnaval lembra muito 1984. O anúncio dos três dias causou gritaria no mundo do samba, sempre apegado às tradições – que, como vimos, um dia já foram inovações. Mas a verdade é que a divisão em dois dias trouxe efeitos colaterais nunca sanados à disputa carnavalesca, num desequilíbrio que pode ser expresso em números. Desde a construção do Sambódromo, foram 35 títulos conquistados por escolas que desfilaram na segunda-feira, contra apenas oito campeonatos vencidos pelas de domingo. 

A nova configuração em três dias pode alterar esse jogo – além, claro, de fazer girar mais dinheiro, a verdadeira razão da mudança.

O que vai efetivamente transformar o Carnaval como conhecemos é uma mudança no sistema de julgamento. Agora, ao fim de cada dia de desfiles, o júri vai fechar o envelope e entregar as notas, ao contrário do que vigorou até ano passado, quando todas as notas só eram atribuídas após a passagem das doze concorrentes. O julgamento então deixará de ser comparativo, no geral, e passa a ser comparativo basicamente dentro de cada dia de desfiles. Na prática, teremos três “semifinais”, domingo, segunda e terça-feira. E o título deve ser disputado pelas vencedoras de cada dia.

É claro que isso é apenas uma hipótese, a prática pode nos revelar outras surpresas. Será que o último dia de desfiles continuará sendo o maior fabricante de campeãs? Ou, na nova configuração de envelopes fechados, vale a pena desfilar no primeiro dia, o domingo, deixando boa impressão e garantindo logo a nota 10?

O fato é que todas as noites desse ano parecem nos reservar grandes emoções. A disputa vai começar lá no alto, com as maiores potências atuais, Viradouro e Imperatriz, se enfrentando no domingo, acompanhadas da sempre eletrizante Mangueira e da embalada Unidos de Padre Miguel. Segunda-feira, a emoção da Beija-Flor, a garra salgueirense e as inovações da Vila Isabel garantem a noite, que ainda terá o frisson da passagem do samba de Anitta na Unidos da Tijuca. E a novata terça-feira vai trazer a força da Grande Rio (segunda colocada no ranking da Liesa) e as renovadas Mocidade e Tuiuti, além do desbunde que vai ser o encerramento com o arrepio de ver Milton Nascimento homenageado pela Portela.

Assim como em 1984, o resultado do fatiamento dos desfiles é imprevisível. Eu, como apaixonado por carnaval, gostaria que a Sapucaí tivesse escola de samba todos os dias – muitas, de preferência. É claro que, se a experiência não der certo, sempre se pode voltar ao modelo anterior. O mais importante é que elas, as escolas de samba, sejam sempre as protagonistas nessa festa que, com mais de 90 anos de história, continua se reinventando e mostrando fôlego para seguir encantando todos nós por muitos e muitos dias, muitas e muitas décadas.

*Leonardo Bruno é jornalista, roteirista e escritor