A REVOLTA PELA VACINA

Se em 1904 o Rio foi cenário de uma revolta popular, manipulada por políticos, para recusar a vacinação contra a varíola, 117 anos depois a Capital e o interior do Estado se veem obrigados a lutar, de novo diante da manipulação política, para garantir a ampla vacinação do povo – sobretudo, neste momento, adolescentes e idosos que necessitam de uma terceira dose, por causa da queda do efeito das primeiras aplicações. O Rio de Janeiro, hoje, revolta-se pelo direito de vacinar.
Por este motivo, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, entrou em litígio aberto com o presidente da República. Acusado por Jair Bolsonaro de ditador, por impor a vacinação aos servidores municipais, Paes rebateu, em tom duro: “Eu não dialogo com a morte. O que tem nos movido aqui é o amor à vida e a solidariedade com as famílias enlutadas. Não sei se o presidente tem capacidade de se sensibilizar com isto”.
A corrida pela vacinação em massa de toda a população do Estado do Rio de Janeiro – que permitirá o passaporte para a retomada total da economia – mobiliza as prefeituras fluminenses. A preocupação é ainda maior em um cenário em que a variante Delta – originária da Índia e considerada a mais transmissível, ainda que menos agressiva – avança rapidamente e já representava 96% dos casos de infecção pela Covid-19 na cidade do Rio de Janeiro no início de setembro.
Enquanto a capital luta contra a irregularidade no fornecimento de imunizantes por parte do Ministério da Saúde, que obriga a constantes interrupções no calendário de vacinação, Niterói saiu na frente e foi a primeira cidade do estado a vacinar adolescentes de 12 a 17 anos e aplicar a dose de reforço nos idosos. A revacinação do público de 60 anos ou mais começou pelo primeiro grupo a ser imunizado em janeiro deste ano com doses da Coronavac: os residentes em instituições de longa permanência que tomaram a segunda dose da vacina há seis meses ou mais.
De acordo com o secretário municipal de Saúde de Niterói, Rodrigo Oliveira, a medida visa a conter os efeitos da variante Delta que tem se espalhado intensamente no Brasil, tendo como epicentro o Rio de Janeiro. “Estudos têm demonstrado a importância do reforço da vacinação nos idosos, já que após seis meses há uma redução da imunização deste grupo”, destacou o secretário.
Niterói também foi a primeira cidade do Estado do Rio a imunizar adolescentes de 12 a 17 anos com a primeira dose da vacina da Pfizer, única autorizada para este público pela Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária. O município já havia vacinado cerca de 900 adolescentes com comorbidades no final de julho.
O prefeito de Niterói, Axel Grael, destacou o ritmo da vacinação no município, com a conclusão da vacinação até 12 anos e o avanço da dose de reforço para os idosos. “Em breve teremos novas medidas para administrar esse período de superação desse momento mais difícil que enfrentamos. É importante reforçar que isso não significa que a pandemia tenha acabado, mas estamos chegando em um novo momento com o avanço expressivo da vacinação que tivemos em Niterói”, disse ele nas redes sociais da prefeitura.

“Eu não dialogo
com a morte”
Eduardo Paes, em resposta a ataque de Bolsonaro

Em 1904, a revolta
contra a vacina

A história se repete, como farsa. No início do Século XX, políticos espalharam o boato de que a vacina contra a varíola daria feições bovinas aos imunizados. Há alguns meses, o atual presidente da República disse que quem se vacinasse contra a Covid poderia virar jacaré.

Segundo os arquivos e relatos da Fiocruz, em meados de 1904, chegava a 1.800 o número de internações devido à varíola no Hospital São Sebastião. Mesmo assim, as camadas populares rejeitavam a vacina, que consistia no líquido de pústulas de vacas doentes. Afinal, era esquisita a idéia de ser inoculado com esse líquido. E ainda corria o boato de que quem se vacinava ficava com feições bovinas.

No Brasil, o uso de vacina contra a varíola foi declarado obrigatório para crianças em 1837 e para adultos em 1846. Mas essa resolução não era cumprida, até porque a produção da vacina em escala industrial no Rio só começou em 1884. Então, em junho de 1904, Oswaldo Cruz motivou o governo a enviar ao Congresso um projeto para reinstaurar a obrigatoriedade da vacinação em todo o território nacional. Apenas os indivíduos que comprovassem ser vacinados conseguiriam contratos de trabalho, matrículas em escolas, certidões de casamento, autorização para viagens etc.

Após intenso bate-boca no Congresso, a nova lei foi aprovada em 31 de outubro e regulamentada em 9 de novembro. Isso serviu de catalisador para um episódio conhecido como Revolta da Vacina. O povo, já tão oprimido, não aceitava ver sua casa invadida e ter que tomar uma injeção contra a vontade: ele foi às ruas da capital da República protestar.