NO RIO, QUEM INVENTA É INVENTORA

Alane Vermelho, da UFRJ

Caroline Rocha

De acordo com uma pesquisa realizada pelo Inova UFRJ, núcleo de inovação tecnológica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 87% dos pedidos de patentes no período de 2017 a 2021 possuem ao menos uma mulher listada entre os inventores. Das 148 patentes realizadas no período, houve participação de 373 mulheres de um total de 816 pessoas.

Estudos sobre a participação feminina na tecnologia são escassos, mas a Inova UFRJ fez jus ao nome e lançou uma iniciativa pioneira. Esse é o primeiro levantamento realizado por uma universidade brasileira com o objetivo de mapear a situação da comunidade feminina em relação às patentes – invenções tecnológicas com aplicação comercial. A atuação das acadêmicas da UFRJ no setor tecnológico impressiona não só quando comparada às outras instituições do estado, mas também em relação aos números do próprio país.

Um levantamento publicado em agosto de 2020 na revista Scientometrics e divulgado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), mostrou que no Brasil apenas 18,4% das patentes têm participação de mulheres inventoras.

Os resultados também não são muito animadores no resto da América Latina. A pesquisa reportada pela Fapesp analisou outros dez países e indicou que, na região, a média das patentes protegidas que contam com integrantes do gênero feminino é de 22%.

Apesar de ser um ponto fora da curva, o principal desafio da UFRJ ainda é incentivar a comunidade feminina a se envolver em atividades de inovação, destaca Kelyane Silva, diretora da Inova UFRJ. Ela aponta que o objetivo do centro tecnológico é transformar o empoderamento em uma política institucional.

Apesar dos avanços significativos ao redor do globo nas últimas décadas, a representação igualitária ainda está distante. O levantamento mais recente do Instituto de Propriedade Intelectual do Reino Unido (IPO) expôs a dimensão da disparidade existente na ciência. De acordo com o IPO, as mulheres eram responsáveis por menos de 13% dos pedidos de patente no mundo em 2019.

Uma das hipóteses apresentadas pelo estudo é a de que as inventoras teriam menos familiaridade com os trâmites burocráticos do processo, já que a entrada delas no setor é mais recente.

“Com base no atual ritmo de participação feminina em iniciativas de patenteamento, levará décadas para que os países alcancem a equidade de gênero em atividades de inovação dentro de ambientes institucionais adversos”, afirma a diretora do Inova UFRJ.

Para uma representação igualitária, o primeiro passo é incentivar que as mulheres coloquem as mãos na massa em todo o processo de inovação desde cedo, destaca Kelyane. Segundo ela, apenas dessa maneira é possível gerar oportunidades iguais e promover um ambiente inclusivo em escolas e universidades.

A diretora afirma que o mapeamento feminino no setor tecnológico não vai parar. “A ideia é analisar pelo menos uma década e incluir os dados de 2022 para vermos se esse percentual [de 87%] se mantém”, planeja Silva.

Em pesquisas futuras, Kelyane ainda pretende identificar os segmentos com maior incidência de mulheres e verificar se grupos liderados por inventoras são mais inclusivos que os comandados por homens.

O futuro da tecnologia é feminino

Tatiana Sampaio e Alane Vermelho são exemplos do potencial das mulheres da UFRJ. A primeira,  professora e chefe do Laboratório de Biologia da Matriz Extracelular do Instituto de Ciências Biológicas da UFRJ, inovou o meio científico a partir da descoberta da polilaminina, uma molécula proteica com capacidade de multiplicar as células do sistema nervoso.

Iniciada há 25 anos, a pesquisa revolucionária rendeu R$3 milhões em royalties à UFRJ, o maior valor já recebido pela universidade. Os royalties foram divididos entre os inventores, a instituição federal e o Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ.

Além do retorno financeiro, a descoberta possibilitou o desenvolvimento de uma droga capaz de minimizar e até reverter lesões na medula, permitindo que acidentados recuperem os movimentos do corpo.

“Se você consegue avançar dentro do sistema acadêmico, traz ao investidor externo uma certeza maior de que aquilo vale a pena”, afirma Tatiana. Ela acrescenta que os recursos normais de pesquisa não são suficientes para levar os inventos para o mercado, pois há muitas exigências que geram gastos superiores aos que as bolsas são capazes de cobrir.

“A gente teve que fazer um piloto, o qual não tem as mesmas exigências. Nosso estudo foi pequeno, feito em vários lugares. A legislação permite, mas [o estudo] só pode ser feito dentro da academia. Conseguimos e tivemos um resultado positivo. Depois dessa etapa, foi mais fácil de uma empresa privada investir”, explica a inventora.

A pesquisa da Tatiana ganhou financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Cnpq). Com a comercialização de um laboratório, a descoberta seguirá para a etapa de aprovação da Anvisa.

Já Alane Vermelho revolucionou a indústria da moda e de cosméticos. À frente do Laboratórios de Biotecnologia (BIOINOVAR), ela desenvolveu um pigmento natural a partir de microrganismos e produzido em biorreatores – equipamentos capazes de transformar substratos em produtos.

O diferencial da patente, que está em fase de comercialização pela Inova UFRJ, é a produção de um corante biodegradável para cosméticos, maquiagens e esmaltes, que não possui nenhum impacto negativo ao ser humano ou ao planeta.

Esta é a primeira vez que essa tecnologia foi aplicada na indústria cosmética. O trabalho de Alane para desenvolver métodos de “beleza limpa” e de qualidade já dura dez anos. Há uma década, a professora conduz pesquisas para a produção de tecnologias sustentáveis e preocupadas com o meio ambiente.

Além dos muros

Criada em 2007 após a promulgação da Lei de Inovação, que tornou obrigatório a existência de um Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT) em instituições de ciência e tecnologia, a Inova UFRJ é responsável pela difusão de tecnologias na universidade.

Entre as atribuições do núcleo também estão a proteção do conhecimento gerado na UFRJ, a transferência e licenciamento de tecnologias e a articulação de parcerias entre empresas e a faculdade. O principal objetivo da Inova UFRJ é ultrapassar os muros da universidade e assegurar que o conhecimento produzido na instituição chegue à sociedade.