MEIO AMBIENTE: SINAL VERDE PARA MÁRIO MOSCATELLI

Biólogo que se tornou a cara do ativismo ambiental no Rio

Aydano André Motta

Dia desses, no metrô, uma senhora abordou Mário Moscatelli:

– Qual é a sua religião?

– Sou biólogo.

A resposta pode não parecer, mas tem tudo a ver com fé, e produziu, ao longo dos últimos 40 anos, um punhado de milagres na paisagem carioca. Pós-graduado em ecologia, Moscatelli se consolidou como um sacerdote da preservação ambiental, dedicando-se à luta pelas lagoas do Rio – em especial a Rodrigo de Freitas e o sistema da Barra e de Jacarepaguá, vítimas da endêmica falta de saneamento e da ocupação desordenada de suas margens.

Para materializar vitórias, o ativista se transformou numa das caras essenciais na luta ambiental no estado. Agora, comanda, como consultor da prefeitura carioca, a naturalização da Lagoa Rodrigo de Freitas. Trechos de solo instável, que ficavam constantemente alagados, receberão adequação ambiental e acerto topográfico, recuperando, assim, a vegetação com espécies perilagunares: grama de mangue, samambaia do brejo, algodoeiro de praia e mangue vermelho.

Tem o auxílio de uma das suas filhas, a arquiteta e paisagista Carolina Moscatelli. Ela e a irmã caçula, a estudante (e futura advogada de Direito Ambiental) Giovanna, são as filhas do casamento da vida inteira com a agrônoma Maria Lúcia, ex-colega de pré-vestibular. “Na época da escola, era muita areia para meu caminhão”, brinca ele, celebrando o reencontro 10 anos depois, que dura até hoje.

A família trabalha unida na Manglares Consultoria Ambiental, de nome autoexplicativo. “Em resumo, tudo verde, cada um de seu jeito”, festeja o biólogo, 59 anos, na tradução ecológica do aforismo “quem sai aos seus não degenera”. Melhor. “Para a questão ambiental, não basta o trabalho de uma geração, mas de inúmeras, talvez de todas as futuras”, arremata.

A missão (não remunerada) na Lagoa é o capítulo mais recente de uma cruzada iniciada num fim de semana, 34 anos atrás, quando ele avistou uma tainha pulando no espelho d’água. Significou esperança em um lugar que o biólogo, como todos os cariocas, associava a mortandade de peixes. Sozinho, começou a plantar nas margens espécies típicas de manguezal, recebendo olhares desconfiados e abordagens de reprovação. “Reclamavam que taparia a vista, ia dar mosquito e mau cheiro, ficaria mais perigoso”, ele enumera o rol de bobagens. Na vida real, o mangue trouxe de volta várias aves, caranguejos e as capivaras, campeãs de popularidade entre as espécies do lugar.

Nunca faltaram oponentes às lutas de Moscatelli – do nariz torcido de autoridades e empresários, às acusações de ser lobista dos mais variados setores. Nada grave como o início da história, no departamento ambiental da Prefeitura de Angra dos Reis, na gestão do petista Neirobis Nagae (1989-1992). Ao cassar licenças ambientais de loteamentos da região, sofreu quatro ameaças de morte, mas foi o assassinato de Chico Mendes que o fez dimensionar o risco. “Não tinha ideia dos perigos de defender o meio ambiente no Brasil”, recorda ele, que se refugiou na Alemanha, em 1991, de onde voltou para o Rio.

Respeitados os limites do Estado de Direito, não se estressa com críticos e opositores. “Acredito na biodiversidade de opiniões”, assume, em uma das muitas ironias desacompanhadas de sorrisos que pontilham sua oratória. Faz parte do enfrentamento ao que define como “delinquência ambiental”, sua profissão de fé desde a faculdade de Biologia, nos anos 1980, e os mergulhos na paradisíaca Baía da Ilha Grande. Nascia ali o incansável combatente das “imensas latrinas” em que se transformaram lagoas e baías na Região Metropolitana.

Desde sempre, Moscatelli escolheu a mídia como parceira, virando informante de jornalistas das mais variadas gerações. Ao longo de 27 anos manteve o Projeto Olho Verde, que consistia em sobrevoos de helicóptero para denunciar a falta de saneamento, o lançamento irregular de esgoto nas águas da Região Metropolitana. “Era um festival de valões, lixo e sujeira por todo lado”, relembra.

Na antevéspera dos grandes eventos da década passada – Copa do Mundo e Olimpíadas –, o blablablá das melhorias ambientais desembocou em quase nenhum avanço. Moscatelli ganhou fama planetária em 2013, quando, diante de 15 correspondentes estrangeiros, na Enseada de Botafogo, recomendou que os atletas escalados para provas na Baía de Guanabara tomassem vacinas contra hepatite.

“Gastamos tempo demais em conversa”, constata. “A espécie que agora domina o planeta só acredita em economia. As prioridades humanas estão descalibradas. Mas todas as previsões para 100 anos à frente estão acontecendo em 30 anos. Tudo que antes era catastrofista e pessimista parece otimista agora. O futuro foi semana passada”, alerta.

Moscatelli não se empenha no falatório. Praticante do antigo ensinamento ecológico de “pensar globalmente e agir localmente”, prefere arregaçar as mangas. “Enquanto a turma fala, vou plantando”, resume, orgulhoso dos manguezais que reconstituiu. “É o sistema mais eficiente de retenção e concentração de carbono. Ainda absorve niterogênio e fósforo da água contaminada”, ensina.

Hoje, o cenário melhorou, graças ao Marco Regulatório do Saneamento, que, a partir de 2020, revolucionou as diretrizes do setor. O pessimismo de Moscatelli, após tanta desilusão, deu lugar a uma tênue esperança. “O Rio era um paciente a caminho do necrotério; hoje ainda está na UTI, mas melhorando”, compara. “Em cinco anos vai para o quarto e, se tudo certo, em 15 anos terá alta”, prevê, lembrando a urgência dramática da poluída Baía de Guanabara, agenda trabalhosa por cumprir.

Vai precisamente, novamente, de fé, mas tudo bem. “Rezo toda noite”, revela Mário Moscatelli. Mal não fará.