HISTÓRIA: O TÚNEL DO AMOR

A casa foi comprada em 1826 pelo imperador Pedro I

Jan Theophilo

O que não falta são histórias sobre esta casa. E o mais divertido é que boa parte delas tem, sim, um fundo de verdade. Comprada em 1826 pelo imperador Pedro I para presentear sua famosíssima amante Domitila de Castro Canto e Melo, a Casa da Marquesa de Santos – um dos imóveis historicamente mais importantes do Brasil – encontra-se em avançado estado de restauração. Depois do incêndio do Museu Nacional, a casa, que chegou a sediar o Museu do Primeiro Reinado e tem um extraordinário acervo histórico, é uma das poucas construções daquele período que resistiram à ação do tempo. Dizem que o terreno foi escolhido a dedo por sua majestade, para que os pombinhos pudessem namorar sem chamar (muita) atenção. E o melhor: que um túnel secreto se conectava à Quinta da Boa Vista, para que os enamorados pudessem se encontrar sem gerar ainda mais as fofocas que já corriam à larga pela corte.

“Na época da construção do Palacete não existiam tantas construções entre ele e a Quinta da Boavista, sendo assim é possível que Dom Pedro conseguisse ver Domitila de sua própria residência usando binóculos”, diz Jackson Emerick, presidente da Fundação Anita Mantuano de Artes do Estado do Rio de Janeiro (Funarj), responsável pela administração do imóvel. “Além disso, existe realmente um túnel na Casa da Marquesa e há algum tempo foi também encontrado outro túnel no palácio da Quinta. Apesar disso, não foram feitos estudos para saber até onde eles vão”, esclarece ele.

A história do túnel, por mais saborosa que seja, até hoje causa controvérsia. Alguns historiadores dizem que sim, existe o túnel, outros, porém, afirmam que com o tipo de solo de São Cristóvão e os recursos disponíveis na época, não seria possível escavar uma galeria subterrânea desse tamanho. Além disso, muitas casas no passado possuíam pequenos túneis próximos à cozinha que eram usados como dispensa. Um dos primeiros imóveis tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), em 1938, o prédio constitui a principal riqueza do museu, guardando em seus belos salões decorados, lembranças do período imperial.

Dom Pedro comprou a propriedade, que abrigava um solar de dois andares, e designou o arquiteto francês Pierre-Joseph Pézerat para conceber um novo projeto para o imóvel. A reforma e adaptação do antigo casarão colonial que ali existia fizeram surgir um palacete em estilo neoclássico, graças ao arquiteto do Imperador. As pinturas decorativas foram confiadas a Francisco Pedro do Amaral, aluno de Debret. A mitologia greco-romana, nos baixos-relevos, dá o tom nas decorações no exterior da casa e nos forros dos salões superiores, atribuídos aos irmãos Marc e Zéphirin Ferrez, escultores da missão artística francesa.

A maioria das janelas e portas possui bandeiras de vidro, com caixilhos decorados na forma de corações, conferindo um ar de romantismo à casa. Os assoalhos são de madeira machetada. Na fachada interna, duas escadarias, em um elegante desenho de curvas sinuosas, conduzem a um agradável jardim com um largo cercado de árvores frondosas. O palacete estava passando por reformas para abrigar um “Museu da Moda” quando, em junho de 2016, o governo Pezão decretou situação de calamidade pública e arrestou os R$ 307.692,48 destinados à conclusão das obras.

Na primeira etapa da restauração foram investidos cerca de R$ 2,3 milhões com a recuperação da cobertura, claraboia, fachadas, esquadrias e drenagem do terreno.

A segunda etapa, orçada em R$ 464 mil, que está sendo objeto de um projeto executivo em fase final de elaboração pela Empresa de Obras Públicas do Estado do Rio de Janeiro (EMOP), contemplará o salão oval superior, o salão dos deuses, a sala de música, o salão da águia, a alcova (ops), as áreas de circulação, a cúpula da escada e todos os ambientes decorados.

Em 1829, com o fim do conturbado caso extraconjugal, Dom Pedro readquiriu a casa, chamada à época de Palacete do Caminho Novo, pagando à marquesa um vultoso valor. Montada na grana, Domitila mudou-se para São Paulo – onde construiu outro belo palacete. O imóvel de São Cristóvão tornou-se então residência da filha mais velha do imperador, Dona Maria, que mais tarde se tornaria a rainha Maria I de Portugal.

Com o retorno de Dom Pedro e Dona Maria para Portugal, a casa teve outros proprietários, como o barão de Vila Nova do Ninho, que o reformou e imprimiu na fachada a data de 1851, como marco da reinauguração. Mas o segundo mais famoso morador foi o barão de Mauá, pioneiro da era industrial e maior empreendedor do Brasil ao seu tempo, que lá viveu entre 1869 e 1882, sendo responsável por novas adaptações, inclusive as sobreposições de pinturas na sala de música, no piso superior.

Legítimo representante dos machos alfa latino-americanos, Dom Pedro I era danado. Segundo historiadores foi o primeiro homem a ser visto cavalgando “de torso nu” pelas ruas do Rio de Janeiro. Pegava geral. Ao longo da vida teve inúmeras amantes, sendo Domitila a mais famosa delas. Ele não poupou nem a irmã da marquesa, Maria Benedita de Canto e Melo, a Baronesa de Sorocaba, o que nos dias de hoje lhe valeria um belo cancelamento nas redes sociais. Mas isso já é outra história.