EDITORIAL: O RIO SE PREPARA PARA O VERÃO

Ricardo Bruno – Chefe de Redação

A canícula dos últimos dias, indício de um verão abrasador, nos autoriza a fazer prospecções sobre os modismos da temporada vindoura. Pródigo em lugares exuberantes, o Rio, ao longo das últimas décadas, se tornou uma espécie de usina de hábitos e tendências – que brotam nas areias da Zona Sul para, em seguida, ganharem o país. A descontração da vida à beira mar associada à rotina cosmopolita da cidade estimula a criatividade do carioca em busca de formas inovadoras de desfrute dos encantos de nossas paisagens privilegiadas.

O olhar aguçado do repórter Bruno Agostini detectou a nova safra de rooftops, ou terraços em língua nativa, que se multiplica pela cidade. Do alto de hotéis e restaurantes, a salvo da insegurança presente na orla, festas e eventos particulares acontecem com frequência cada vez maior, transformando as coberturas em point preferencial das tardes e noites cariocas. As luzes do entardecer no sunset, observadas a partir dos terraços, são, em si, um espetáculo deslumbrante. Acrescente-se um cardápio de drinks e comidinhas bem elaboradas e, exageros à parte, tem-se, por algumas horas, um Rio onírico – lindo, sensual, prazeroso, perfeito talvez.

Da Zona Sul partimos para Nova Iguaçu, de onde Jan Theophilo relata movimento comunitário para criação do Museu de Arte e Cultura Urbana da Baixada Fluminense. A inciativa ganha relevo diante da aridez cultural da região. Há poucas e esparsas inciativas do poder público no setor. Com graves e irresolutos problemas sociais, a maioria das prefeituras investe muito pouco em cultura, agravando a carência de espaços para artes e espetáculos em geral.

Nesta edição, Aydano Motta revela as distorções do elenco de nomes homenageados em ruas e praças. Com distanciamento histórico, vê-se desigualdade no perfil dos escolhidos com forte ideologização das homenagens. O nome da ponte Rio-Niterói – general Costa e Silva, um dos seis ditadores militares dos anos de chumbo – ilustra a lastimável tendência.

Aproveitar os prazeres da cidade das alturas, com boa bebida e ótima comida, é prenúncio de uma das modas da estação que dá mais significado ao carioquismo

A repórter Caroline Rocha revela nuances do comportamento médio dos estudantes do Rio no Enem. Os candidatos fluminenses mantêm a nota média acima da média nacional nas provas de todas as áreas de conhecimento. Contudo, não há simetria entre as classes sociais na obtenção do resultado. Os mais ricos, com maiores oportunidades na formação escolar, são os responsáveis pelo aparente êxito. A diversidade racial e de gênero entre os que desejam chegar ao ensino superior, no entanto, é barrada pelos obstáculos invisíveis (mas muito reais) da concentração de renda do estado, que resultam em um perfil elitizado nas universidades públicas.

Por último, é necessário enaltecer a decisão do prefeito Eduardo Paes de tentar internar compulsoriamente os usuários de drogas. Diferentemente do que tem sido dito, o prefeito não vai fazer a retirada indiscriminada de pessoas em situação de rua. Determinou apenas a internação dos notórios dependentes que, a exemplo do que ocorre no Centro de São Paulo, transformam determinadas regiões da cidade em território livre para a prática de crimes. Nesses locais, o intenso consumo de crack à luz do dia emoldura um quadro de lamentável e profunda degradação humana.

Não se falou em retirá-los com tiro, porrada e bomba pela polícia. Mas, sim, pela persuasão através da atuação de médicos e assistentes sociais. A alegação de que saúde é direito e não obrigação é uma forma deplorável de contribuir para a manutenção do status quo – à espera onírica da geração de empregos aos borbotões, e da consequente ascensão social desta parcela de excluídos. Mais do que compaixão, eles precisam de atenção imediata e efetiva. Não podem continuar a serem apenas protagonistas de um certo niilismo sociológico que aprisiona parcela da esquerda brasileira.