Luisa Prochnik
Pode entrar, a porta está aberta, fique à vontade. O ambiente é repleto de livros, aconchegante, com poltrona, bancos, cadeiras, estantes e uma decoração charmosa. Em cada canto, um detalhe, uma máquina de escrever e um telefone antigo, pequenos jarros de flores, frases inspiradoras e cores. Muitas cores. Ali frequenta uma grande família: são 105 sócios ou moradores, como você preferir. Não é o sobrenome que os une, mas o amor por livros, livros físicos. Amor também por arte, cultura e por facilitar ao outro o acesso à informação.
– A gente faz parte de uma rede de pessoas que acreditam na transformação e na construção de uma sociedade mais justa, que quer democratizar acesso ao livro – conta Beatriz Serra, pedagoga com mestrado dedicado ao estudo de livros para crianças pequenas.
– Aqui não tem fins lucrativos. Cada um dá 100 reais e o dinheiro a gente reinveste em atividades culturais, compra uns livros novos que a gente gosta de ter para vender, promove escritores que não são muito conhecidos – completa Cristina Boaretto, médica sanitarista.
O sebo funciona há três meses no bairro de Laranjeiras e mais da metade dos donos é médico. Alguns já tinham sido sócios de outra empreitada literária no bairro de Santa Teresa, fechada devido à pandemia. Os plantões na casa compartilhada são organizados em planilha, com cada um contribuindo com o tempo que pode. Não há funcionários.
– As pessoas têm outras profissões que pagam suas contas, alguns já aposentados, mas entendem que dar o seu tempo com retorno que não seja dinheiro também vale à pena. Que lucro é esse? É da relação da conversa, da troca, das narrativas que você conhece outras pessoas – explica Beatriz.
Conversa realmente é o que não falta. A entrevista, por exemplo, acontece com o gravador aberto a todos e o trio que está mais perto divide-se nas respostas, um comenta, outro completa, um acrescenta fatos. Durante o bate-papo, tem aquele que se levanta para organizar a casa, enquanto outro atende interessados. E, todos, mesmo assim, seguem participando.
– Olá, boa tarde. Estou em busca do livro ‘Os Miseráveis’ – solicita uma possível compradora, levando com ela, momentaneamente, um dos entrevistados.
Dos três presentes na entrevista, Cristina é a única médica. Ela conta que o lançamento do sebo coincidiu com a descoberta de que uma obra, em uma rua próxima, escondida por tapumes, seria uma farmácia. Mais uma farmácia!
– Uma menina escreveu no muro da obra: ‘Mais Livros, Menos Farmácias’. Com essa frase, o lançamento da Casa 11 ganhou boa divulgação nos jornais – lembra Cristina.
– Claro, chega um grupo de médicos receitando livro, a mídia gosta – diverte-se Beatriz.
No entanto, o movimento que se percebe na cidade do Rio de Janeiro é a abertura desenfreada de novas farmácias e o fechamento de livrarias. Apenas as grandes redes, e nem todas elas, têm conseguido se manter em funcionamento. O surgimento de um sebo com tantas boas opções de leitura torna o espaço bastante procurado por visitantes. E, além dos livros, a Casa 11 promove eventos diversos.
– Desculpe passar a vassoura, mas daqui a pouco nosso convidado chega – diz uma das sócias.
Imagina, sem problema. Estamos em casa. Todas as estantes têm rodinhas, uma ideia perfeita para adaptar o ambiente às rodas de conversa e leitura, aulas e bate-papo com leitores. Sim, escritores são muito bem-vindos, mas a Casa 11 tem o coração aberto para receber aquele que lê.
– A velocidade do mundo está colocando as pessoas muito ansiosas, nervosas. E quando você conversa com quem lê, você vê uma outra relação com o tempo. E, pensando nisso, decidimos dar voz a quem lê – pontua Beatriz.
Ela e o professor e ator Jorge Teixeira – o terceiro entrevistado, que se divide entre participar da conversa e atender visitantes – criaram o ‘Conversa com o Leitor’, um projeto que, atualmente, caminha junto com a Casa 11. Os encontros acontecem na casa e os vídeos são postados nas redes sociais.
– Por causa do ‘Conversa com o Leitor’, eu descobri que a gente conhece pouca literatura latino-americana. E a Bia é peruana. Professora de Ioga maravilhosa – conta Beatriz enquanto apresenta sua xará, que é também socióloga, Beatriz Languasco.
– São muito caros os livros de fora, pelas taxas. Eu tento comprar livro espanhol para dar de presente a amigos, dar de presente parte da minha cultura, mas é um absurdo – diz.
Aos interessados, saibam que a Casa 11 está aberta a receber livros em todas as línguas e de todos os gêneros, menos os didáticos. Algumas doações, inclusive, também são passadas adiate: uns livros vão para uma biblioteca em Paquetá e outros para vendedores de rua, que são, também, leitores. E outras são distribuídas pelo bairro, para comerciantes locais, na Caminhada Literária. Além de histórias, os livros doados ainda trazem surpresas.
– Contas, pagamentos… – enumera Jorge.
– Certidão de nascimento original – acrescenta Cristina.
– Vamos achando várias coisas, bilhete que ia entregar e não entregou, cartinhas. Isso é sensacional. Fora o livro que vem marcado pelo leitor. Tem uma frase em destaque bacana e a pessoa escreve ao lado: ‘será?’ – completa ele.
