BATE PAPO COM RODRIGO NEVES: “O RIO TEM QUE SER UMA CIDADE-FEDERAL”

Rodrigo Neves passou um ano em Coimbra, Portugal, onde fez um mestrado em sociologia, consolidou algumas ideias antigas – o imperativo da educação em tempo integral – e acrescentou à sua bagagem de pré-candidato do PDT ao governo do estado algumas ideias novas – como a transformação do Rio de Janeiro em sede de um grande complexo industrial de produção de medicamentos, insumos e equipamentos de saúde.

Não foi esta a única ideia que o ex-prefeito de Niterói, protagonista de uma gestão amplamente elogiada, trouxe de sua “pesquisa” europeia. Ele verificou que países importantes, como a Alemanha, aplicam um conceito que ele chama de “capitalidade” para cidades que, ainda que não sejam as sedes administrativas dos governos centrais, têm importância suficiente para absorver funções federais. Rodrigo Neves, por motivos históricos evidentes e razões culturais, diz que vai lutar junto ao futuro presidente da República para que o Rio seja oficializado como cidade-federal e se torne sede de ministérios relevantes, como o da Defesa, das Minas e Energia, da Cultura e do Turismo. Veja a entrevista concedida a Ricardo Bruno e Washington Quaquá:

Ricardo Bruno – Você foi exitoso na administração de Niterói, mas Niterói é uma cidade de 400, 500 mil habitantes. Uma cidade de IDH alto. Como transplantar este sucesso para uma área de um território tão conflagrado, como é o Rio de Janeiro?

Rodrigo Neves – Eu assumi Niterói num contexto de muitas dificuldades e de uma crise gravíssima. Serviços públicos desorganizados, salários atrasados, uma dívida de curto prazo equivalente a dez anos do orçamento de investimento. Uma cidade sem confiança em relação ao seu futuro, e sem projetos. Mas entreguei, oito anos depois, uma cidade completamente recuperada. O meu governo, apesar da gravíssima crise do Brasil e do Rio, fez um esforço de gestão fiscal que foi extremamente positivo. Eu zerei a dívida líquida, inclusive pagando as dívidas dos meus antecessores, e transmiti o cargo ao meu amigo Axel Grael com mais de R$ 1,5 bilhão em caixa. Entreguei uma cidade com um plano estratégico, chamado ‘Niterói que Queremos’, com perspectiva de 20 anos. Tenho convicção de que essa experiência exitosa em uma cidade que vivia uma crise profunda é uma referência muito importante para a reconstrução do estado do Rio. Eu tenho clareza das razões da crise do estado e daquilo que precisa ser feito.

Washington Quaquá – Seu governo tem uma marca: andando pela zona norte de Niterói e pelas favelas, a gente vê que foram feitos investimentos. Conte um pouco disso, do tratamento da Niterói do cartão postal e da Niterói dos problemas sociais e urbanos.

Rodrigo Neves – É fundamental investir pesadamente nas políticas públicas que garantam a integração do desenvolvimento de todo o território e na possibilidade de as pessoas terem uma vida digna. Eu tenho um orgulho extraordinário, como filho de professor, casado com uma pedagoga, como sociólogo, de ter sido o prefeito que mais construiu escolas na história de Niterói. Em cada região da periferia de Niterói nós fizemos a implantação de equipamentos públicos que contribuíram para o resgate da autoestima e o resgate do sentimento de pertencimento das pessoas àquele território.  Mas nós precisamos compreender de fato as causas da crise do Rio. Eu vejo neste debate um enorme equívoco. Quando se identifica um problema grave, que é o domínio do território pelas milícias e pelo tráfico, mas se comete um erro gravíssimo no diagnóstico dessa crise, na medida que se entende esse problema grave como causa da crise do Rio e não como consequência.

Ricardo Bruno – Você está se referindo a Marcelo Freixo, na análise que ele faz da conjuntura do Rio…

Rodrigo Neves – Quando nós partimos de uma premissa equivocada, nós acabamos por apresentar soluções equivocadas. Imaginar que com a eleição no dia seguinte, como num passe de mágica, esse problema grave será resolvido, na verdade é repetir os erros do passado, quando alguém assumiu e disse que resolveria o problema da segurança em seis meses. O Rio de Janeiro precisa de fato ser reconstruído como um estado. Por 200 anos a cidade do Rio foi referência político-administrativa do Brasil, apesar da transferência da capital para Brasília, há mais de 60 anos. Esta mudança significou perda de prestígio, esvaziamento profundo e uma desorganização muito grande. Depois veio a fusão autoritária, na década de 70, sem planejamento prévio, da Guanabara com a antiga província fluminense. Nos últimos 35 anos o Rio perdeu 35% de presença no PIB brasileiro. É a maior perda proporcional de um estado brasileiro em relação ao PIB. O Rio era o segundo estado em empregos na indústria de transformação, e hoje é o sétimo. O Rio tinha 600 mil empregos industriais, hoje temos 300 mil empregos. Nos últimos cinco anos, desde o golpe contra a presidenta Dilma e a implantação de uma agenda devastadora dos direitos trabalhistas, o Rio perdeu 700 mil empregos com carteira assinada. Hoje, mais de 60% da força de trabalho do Rio ou estão desempregados ou estão na informalidade.

Ricardo Bruno – A que se deve tudo isso?

Rodrigo Neves – À ausência de um projeto de desenvolvimento que encare de fato as causas da crise do Rio e, por outro lado, à falta de liderança, e de um governo do estado que funcione. Nos últimos anos, temos um governo do estado ineficiente, que não tem um projeto e que é incapaz de induzir as forças vivas da sociedade no sentido de superação da crise. Outro dia eu fui a Nova Friburgo e lá estava, caído há mais de dois anos, um barranco que desabou no meio da estrada que escoa a produção agrícola daquela região, que também é turística. Em dois anos eu fiz um túnel em Niterói, ligando as duas regiões mais prósperas da cidade! Como pode este barranco estar lá há dois anos? O Porto do Açu, que é um projeto estratégico importante para a economia do estado, até hoje não tem sequer a sua logística sendo desenvolvida porque o governo foi incapaz de fazer uma estrada de 40km para melhorar o acesso ao local. 

Washington Quaquá – Você foi vítima direta da perseguição de um estado autoritário. Você não acha que a questão da recuperação da democracia é essencial para a reconstrução do Rio de Janeiro? 

Rodrigo Neves – Eu não tenho dúvida que é fundamental o combate à corrupção, a transparência dos governos. Nós fizemos isso em Niterói. Mas o que nós vimos é que uma causa importante, o combate à corrupção, foi completamente deturpada, usurpada por uma visão de atentar contra a democracia, dentro da democracia. Com a violação do estado democrático de direito, a violência a devido processo legal. O que aconteceu comigo foi muito grave. Todas as pessoas ouvidas disseram que nunca trataram de coisas erradas comigo. E aí pegam uma pessoa de Resende, que não tem nenhuma relação com Niterói, que não diz nada em relação a mim, mas que diz que ‘poderia’, de ‘ouvir dizer’, e foi o que bastou para eles. O Coaf foi ouvido e disse que a minha era simples. O MPF disse em ofício que não havia nenhum elemento contra mim. Mas os perseguidores mentiram. Disseram que minha mulher era dona de uma empresa, da qual nunca tínhamos ouvido falar, e três meses depois pediram desculpas, disseram que foi um equívoco. Mas esta, na verdade, era a base de toda a acusação. Eu fui sequestrado da minha casa no dia 10 de dezembro de 2018. O que aconteceu comigo foi revertido por decisão de 6 a 1 num colegiado. Mas a minha prisão foi ilegal, arbitrária, infame. Eu não tenho dúvida que é fundamental a gente resgatar o ambiente de respeito à democracia, ao devido processo legal.

Ricardo Bruno – Seu cartão de apresentação nesta eleição é sua administração de Niterói. Mas além disso, que tipo de projeto você tem, objetivo, para o estado do Rio de Janeiro? Que Rio de Janeiro você quer oferecer à população?

Rodrigo Neves – O Rio precisa de um plano estratégico de médio e longo prazo. O Rio precisa de um projeto de desenvolvimento que trabalhe nas causas da sua crise. A gente precisa fazer com que a elite empresarial, política e intelectual do Rio se dedique mais a pensar o desenvolvimento do nosso território, das nossas forças produtivas e da nossa economia. Mas nós não podemos deixar de lado a nossa ‘capitalidade’, que persiste, do Rio em relação ao Brasil. Precisamos fazer uma profunda reestruturação do estado do Rio, equipando o estado com um governo que funcione, um governo que tenha uma gestão para resultados, um governo que tenha um plano de integridade muito forte, no sentido de combater a ocupação de parcelas do estado pelo crime organizado. Temos um dever de casa a fazer. Precisamos integrar o território de quase 40 mil kms quadrados, olhando o interior, e olhando de maneira muito específica a região metropolitana do Rio, que corresponde a 20% do território, mas que tem quase 80% da população. Nós precisamos recuperar o status da cidade do Rio como uma cidade federal, e eu defendo que isso seja pactuado no Congresso Nacional, partir do novo presidente da República. O Rio tem mais servidores públicos federais do que Brasília. Da mesma forma que países emergentes como a África do Sul, a China, a Rússia e outros países desenvolvidos, como a Alemanha, que trabalharam outras dimensões de ‘capitalidade’ para além da capital oficial desses países, o Rio tem que ter um status de ‘cidade federal’, com a presença de órgãos e ministérios aqui. É o caso do ministério do Turismo, do ministério da Cultura, do ministério de Minas e Energia, do ministério da Defesa, que devem ser transferidos para o Rio, a partir dessa caracterização do Rio como ‘cidade-federal’.  Agora, isso precisa se desdobrar em políticas públicas concretas. Precisamos ter como obsessão a reversão do esvaziamento econômico do Rio, com a geração de emprego e renda. Essa é a minha prioridade absoluta. É uma falácia a gente imaginar que vamos reverter o domínio do território pelo poder paralelo com o grau de informalidade que há no mercado de trabalho.

Ricardo Bruno – Mas isto não é uma questão nacional? Dá pra resolver a partir do governo do estado?

Rodrigo Neves – Claro que dá. Vou dar um exemplo. Em função deste cenário de pandemias intermitentes, os países do mundo estão reorganizando seus complexos de saúde. Ninguém quer ficar mais dependendo da China pra importar medicamentos e equipamentos, insumos para vacina. A Europa está fazendo. Os Estados Unidos também. Qual é o estado do Brasil que pode liderar a estruturação de um complexo industrial e de serviço da área da saúde, que tem um potencial de geração de milhares de empregos e atrair muitos investimentos privados e públicos? É o estado do Rio. Nós temos a Fiocruz, temos as universidades. Os dois grandes grupos privados de saúde do Brasil, a Rede Dor e a antiga rede da Amil, estão sediados aqui no Rio. Temos que construir uma convergência da ação do estado com a universidade e com o setor privado. E a partir disso consolidar o Rio como o principal polo do complexo industrial de serviço de saúde do país. Esta é uma questão central. Mas precisamos de um estado que funcione e seja indutor. O Instituto Vital Brasil, que é uma espécie de Butantan do Rio de Janeiro, está sucateado, destruído por falta de investimento. Há muitos anos não tem sequer concurso pra pesquisador e pra cientista.

Ricardo Bruno – E a questão do petróleo e gás?

Rodrigo Neves – Não é possível que o Rio de Janeiro produza mais de 80% do petróleo brasileiro, e mais de 80% dos contratos da Petrobrás e da cadeia produtiva do óleo e do gás sejam executados fora do Rio de Janeiro e em outros países. Nós temos um polo metal mecânico forte no Sul fluminense, um polo metal mecânico forte na região de Friburgo e, no entanto, eles não são acionados pelo setor de óleo e de gás, porque os contratos são executados fora do Rio. 

Outra coisa: o Rio de Janeiro é um dos estados que forma mais cientistas, pesquisadores, mestres e doutores no Brasil. São os cérebros pensantes para a era do conhecimento, mas eles vão embora, em busca de empregos melhores. O secretário de Ciência e Tecnologia atual não entende nada de Ciência e Tecnologia. A secretaria dele tem que administrar bem as universidades estaduais, como a UERJ, que tem que ser colocada num patamar estratégico. A universidade tem um papel fundamental no século XXI, na sociedade do conhecimento. 

Finalmente, uma área fundamental e que é completamente negligenciada pelo atual governo do estado, e pelo governo federal nem se fala, que é a Cultura, o entretenimento e o turismo. O Rio de Janeiro é a grande referência cultural do país. Os maiores artistas brasileiros estão aqui. O Rio tem uma potência extraordinária nessa área. Como é que pode? A gente saiu de 2001, quando foi criada a Ancine, pelo FHC, e chegou a 2020, caindo de 60% da produção do audiovisual brasileira para apenas 8%. E o Rio tem os dois principais polos audiovisuais do Brasil, o Projac e o polo de cine e vídeo da Record! E tem boa parte dos artistas, das belezas, dos cenários naturais como Maricá, Niterói, a Capital, da Região dos Lagos, paisagens extraordinárias pra produção audiovisual. Mas perdeu protagonismo. Boa parte do audiovisual brasileiro se transferiu para São Paulo.

Mas eu acredito. Acredito muito que a partir de 2023 o Brasil vai substituir essa agenda autoritária, do atraso, que ao longo da pandemia, tragicamente desprezou a vida e a ciência, por uma agenda desenvolvimentista, compromissada com a democracia, com a distribuição de renda, com a redução das desigualdades sociais. Isso é uma oportunidade para o Rio.

Ricardo Bruno – Fala sobre o seu maior sonho como governador.

Rodrigo Neves – Da mesma forma que o Ciro Gomes fala em retirar as pessoas do SPC e da mesma forma que o presidente Lula diz que vai, se retornar à presidência, garantir que todos os brasileiros tenham três refeições por dia, eu tenho um grande objetivo. E aqui, lembro o centenário desse grande guerreiro do povo brasileiro que foi Leonel Brizola, que com Darcy Ribeiro construiu a melhor concepção educacional da história do Brasil, que foram os Cieps. Eu terei como outra obsessão importante conseguir que, num ciclo de oito anos de governo, mobilizando prefeitos, universidades, a sociedade civil, fazer uma grande transformação no Rio de Janeiro: garantir que todas as nossas crianças e jovens estejam na educação em horário integral, começando este processo a partir de 2023.  A educação é a política pública mais importante para reduzir as desigualdades para promover a superação sustentável da pobreza. Eu passei um ano em Coimbra e fiquei impressionado: 90% das escolas são escolas públicas. O filho do dono de uma empresa estuda na mesma sala que o filho do empregado daquela empresa. E é uma escola de qualidade, todas em horário integral. 

Ricardo Bruno – Como você vê a situação da mobilidade urbana no estado?

Rodrigo Neves – É dramática. Rouba tempo de vida e rouba a saúde das pessoas. Falo sobretudo da baixíssima qualidade do transporte na região metropolitana, entre a Baixada e a capital, entre a Zona Oeste da capital e a Zona Sul. O trem de Belford Roxo em vários momentos para de funcionar porque a fiação do foi desligada ou arrebentou. Não é possível um assunto tão importante pra qualidade de vida ser tratado assim. O trabalhador que sai da Baixada, da Zona Oeste, leva hoje 2 horas e meia para chegar à Zona Sul do Rio, de 2 horas e meia a 3 horas para voltar para casa, na Baixada, em São Gonçalo, na Zona Oeste. Como este tema pode estar tão negligenciado na agenda de prioridades atual?