BAÍA DA ESPERANÇA: MERGULHO LIBERADO EM PAQUETÁ

Luisa Prochnik

Se tem notícia que deixaria qualquer carioca feliz seria o anúncio de que a Baía de Guanabara está despoluída. Ao longo das últimas décadas, diversos planos para se atingir essa meta foram lançados e, sistematicamente, fracassaram. Diante de tanto desejo por dias melhores para a porta de entrada das embarcações na cidade do Rio de Janeiro, sinais – mesmo que ainda isolados – trazem uma ponta de esperança de que esse grande momento possa chegar. Recentemente, o Inea (Instituto Estadual do Ambiente) – órgão responsável por monitorar e informar a população sobre a qualidade da água de rios, praias, lagoas, reservatórios e baías em todo o estado – apontou que três praias na ilha de Paquetá – José Bonifácio, Imbuca e Moreninha – vêm apresentando bons resultados em relação à melhoria da balneabilidade, indicando água própria para o banho.

O gerente de Informações Hidrometeorológicas e de Qualidade das Águas do Inea, Leonardo Fidalgo, explica:

– Moreninha e José Bonifácio têm apresentado boa balneabilidade em 50% a 70% das análises semanais. A praia de Imbuca estava um pouco abaixo, mas deu, ano passado, 88%, um valor bem mais alto do que vinha aparecendo.

A vontade é de comemorar, claro. Mas ainda há que se acompanhar de perto e por muito mais tempo para se ter certeza de que é um sinal duradouro, ou apenas algo pontual. Até porque praias próprias não são novidade em Paquetá. A visitante frequente Violeta Costa, 45 anos, é fã de Imbuca.

– Muitas vezes as pessoas se surpreendem quando abrem para ver as condições do mar e leem que algumas praias de Paquetá estão próprias. É um mar de fundo de Baía, um mar escuro com lodo embaixo, que junta lixo físico. Mas é um mar em que muitas vezes a água é própria. Eu mesma sempre mergulhei em Paquetá.

A ilha sofre grande influência de marés e correntes e, portanto, as praias locais podem, no mesmo dia, sofrer com variação tanto em relação à qualidade da água como visualmente, apresentando mar mais escuro ou de tonalidade mais clara. Além disso, a quantidade de lixo físico que chega à ilha também resulta da mudança de corrente. No entanto, mesmo com tantas variáveis, a notícia do Inea está inserida em um contexto favorável, que, a princípio, sugere ser um resultado mais robusto que apenas um fato isolado atrelado à suscetibilidade das marés. Paquetá está em obras desde a chegada da concessionária Águas do Rio, como detalha o superintendente da capital, Sinval Andrade.

– Fizemos uma revisão completo dos 11 quilômetros da rede de esgoto da ilha e desobstruímos o que estava obstruído. Hoje, Paquetá tem uma estação de tratamento, que nós recebemos inoperante e colocamos em funcionamento, que joga o esgoto em um emissário, ali mesmo na ilha. Mas o que estamos implantando por lá no momento é a estratégia de eliminar essa estação de tratamento, construir uma estação elevatória que vai pegar todo o esgoto levar para São Gonçalo, onde será tratado e eliminado pelo emissário submarino local.

A proposta da empresa para a Baía de Guanabara é que, em cinco anos, não seja mais jogado esgoto in natura na região, apostando na sua alta capacidade de regeneração, que, segundo Sinval, troca metade de suas águas a cada 15 dias. Sabe-se, no entanto, que o problema de poluição da Baía de Guanabara é muito mais complexo e para ser de fato resolvido, segundo comum acordo entre todos os entrevistados, é preciso um plano muito mais potente que envolva medidas no continente, como rever ocupação irregular de terrenos, hábitos da população, redução de criminalidade e outros tantos fatores que, somados, contribuem para a poluição diária das águas da Baía. O diretor do departamento de química da PUC-Rio, Renato Carreira, cita que na época das Olimpíadas, uma corrente defendia virar as costas para a Baía de Guanabara, entendendo que ela própria tem capacidade de se recuperar se for menos agredida diariamente, e cuidar dos problemas em seu entorno. Além disso, Renato pontua que ainda há que se avançar no entendimento de todos os tipos de poluentes que são jogados na própria Baía para saber se a proposta de tratamento do esgoto eliminará tudo que faz mal ao meio ambiente aquático.

– A gente sabe muito pouco sobre pesticida, sabe muito pouco sobre contaminantes de petróleo e outros orgânicos persistentes. E temos dados que mostram que esses contaminantes estão em cetáceos, que é animal topo de cadeia. Ou seja, ainda precisa de mais pesquisa, ter mais ciência e mais acompanhamento.

Sérgio Ricardo Potiguara, cofundador do Movimento Baía Viva, que nasceu em 1984, é uma voz importante que questiona o conceito de despoluir entre aspas, como o próprio nomeou a proposta de cuidar, apenas, da parte final do processo: tratar e eliminar o esgoto não mais in natura.

– Nós propusemos um plano inédito no Rio de Janeiro, um plano integrado para a restauração da saúde ambiental da Baía de Guanabara. Ele é inédito pela sua metodologia, ao ser construído de baixo para cima, com academia, movimentos sociais, comunidades pesqueiras, órgãos de governo, órgãos federais, estaduais e municipais. E por possuir seis grandes eixos: oceano, clima, floresta, águas e saneamento ambiental, direito às populações tradicionais, direito à alimentação saudável.

Com tristeza, Sérgio cita a situação de pescadores e catadores de caranguejo, vários se encontram em estado de extrema-pobreza e passam fome.

E, para sair do estado de esperar e agir, o Movimento Baía Viva está com a agenda cheia para 2023. No domingo, 19 de março, promoveu uma barqueata para pressionar o governo do Estado na criação de uma sede avançada da Universidade do Mar na ilha de Brocoió, em frente à praia da Moreninha, em Paquetá.  

Esta matéria não noticia de que a Baía de Guanabara está despoluída, infelizmente. Mas ela mergulha no desejo dos cariocas de poderem, um dia, aproveitar intensamente toda a natureza que, mesmo tão maltratada por anos, se mantém exuberante e, também, esperançosa. Nascido em Paquetá e morador da ilha há 61 anos, Jefferson dos Santos, com alegria, contou sobre o retorno com mais frequência de tartarugas próximas à ilha.

– Quando o rapaz que pesca com meu irmão não pode ir, eu vou com ele. E nós vemos agora que as tartarugas voltaram.

A dona da casa mais famosa da ilha, a casa da Moreninha, onde foi gravada a novela dos anos 70 da TV Globo, Gisa Machado Marins Peixoto, é outra fã incondicional da ilha.

– Paquetá é um lugar lindíssimo. É o pôr-do-sol mais lindo que eu já vi na minha vida. Paradisíaca a ilha, sou apaixonada.