UM PAÍS EM BUSCA DA ALEGRIA E DA RAZÃO

Por Ricardo Brunochefe de redação

As manifestações culturais de massa são quase sempre expressão de sentimentos indômitos da alma. Não há como controlá-las, domesticá-las, impor-lhes cabrestos e limites. A ousadia criativa é libertária. E se funda na livre expressão de opinião e na pulsão inata pela alegria e pelo prazer.

A música, de modo geral, e o rock, em particular, são exemplos de manifestações resultantes dessa rebeldia criativa, que atua como força disruptiva da transformação cultural e política da sociedade. Rompem-se modelos; criam-se novas referências; adotam-se outros modismos; enfim, extingue-se o anacronismo subsistente para dar vez e vida a um outro tempo.

Estamos novamente próximos dessa ruptura benfazeja. Em dois de setembro, começa o Rock in Rio, após três anos de hiato pandêmico. Trinta dias depois, dois de outubro, o Brasil se encontra nas urnas para decidir seu futuro. E há grande possibilidade de recuperarmos a razão, a solidariedade, os valores humanos esquecidos e perdidos em meio à vaga conservadora de 2018.

Numa surpreendente inversão de posições, as ruas foram ocupadas por uma legião de brutos, insensatos, truculentos – representantes do atraso ético moral provisoriamente dominante. Os democratas e progressistas pareciam sucumbir diante do primeiro movimento público afirmativo da direita, pós-golpe de 64.

Para o bem ou para o mal, a democracia, com a inerente transitoriedade do poder, nos oferece de quatro em quatro anos a possibilidade de mudar. Desta vez, a expectativa aumentou. Mudar agora significa retomar o respeito às minorias, aos pobres, negros, nordestinos e favelados – ignorados e ultrajados por um governo espúrio, pois, eleito, tenta a todo momento demolir os alicerces da própria democracia que lhe permitiu existir.

Às vésperas do início do maior de festival de rock do mundo, o Rio transpira a energia deste momento mágico, prenhe de expectativas. Estamos em contagem regressiva para a celebração musical de astros icônicos do pop rock internacional. E, logo em seguida, para a chegada da festa cívica de reencontro democrático com as urnas – eletrônicas, registre-se.

A Rio Já mergulha nesta atmosfera eletrizante. Trouxe para suas páginas um dos mais tarimbados críticos musicais da imprensa brasileira. Através de Luiz Henrique Romagnoli vamos tentar decifrar as tendências, as inovações e os shows mais bem avaliados desta edição do festival. Com estilo no texto e precisão no conteúdo, ele antecipa o que pode se esperar da festa.

“No que diz respeito à escalação do elenco, o Rock in Rio passou, ao longo de seus 36 anos de existência, a ser visto como um festival de pop rock conservador”, define ele, para em seguida acrescentar “ Na vida, há duas certezas. Uma é a morte, A outra é a participação do Iron Maiden e do Guns N”Roses no Palco Mundo”.

Mas o festival tem outros espaços, outros palcos – estes abertos a inovações, experimentalismos e também destinados a mesclar nomes consagrados com talentos em gestação. No Sunset, a música negra, brasileira e mundial, vai dominar a cena. Gilberto Gil, Emicida, MC Carol e outros vão pintar um panorama da Música Preta Brasileira: rap, funk carioca, r&b à brasileira se misturam a ijexa, baião e reggae. A espetacular fusão de ritmos promete.

Os palcos do Rock in Rio funcionam também como instrumento de consagração, de reconhecimento público do melhor momento da carreira dos astros. Ascender ao espaço “Mundo” é sinônimo de promoção ao top ranking do estrelato. Neste ano, coube à exuberante IZA galgar o patamar mais alto das estrelas de fama incandescente do casting do espetáculo, como mostra com charme e competência Aydano André Motta.

A história do festival se entrelaça com a sempre turbulenta política fluminense, relembra o repórter Jan Theophilo. Na primeira edição, por pouco não foi cancelado por determinação do então governador Leonel Brizola, desconfiado das intenções eleitorais da família Medina. Não fosse um telefonema de Tancredo Neves, à época praticamente eleito Presidente da República, a festa não teria sido autorizada.

“Eu estive na casa do Tancredo, em Brasília, para fazer uma apresentação sobre o festival. Expliquei que tinha tudo a ver com o momento político, a liberdade, a volta da democracia”, lembra o ex-deputado Rubem Medina, irmão de Roberto, o cérebro da festa.

Trinta e seis anos depois, o Rock in Rio volta a cumprir o mesmo papel libertário. Novamente se apresenta como antevéspera da redenção democrática do país, preâmbulo da aurora cívica outubrina. À época, saíamos dos anos de chumbo da ditadura. Agora, ao que parece, nos despedimos do obscurantismo, da terraplanismo, enfim, dos espetáculos obtusos do patego mandatário.