PORTELA: 100 ANOS EM 10 HISTÓRIAS

Por Leonardo Bruno

Celebramos o centenário da agremiação mais vezes campeã do Carnaval carioca contando 10 histórias da escola da águia que nem todos conhecem: como o fato de ter origem na iniciativa de uma mulher, de ter abrigado alguns dos maiores sambistas do país que não eram portelenses, de ter inaugurado o formato de desfile adotado hoje e de, apesar de tudo, ter sobrevivido a várias cisões e crises internas

1 – Apesar de Paulo da Portela, Antônio Caetano e Antônio Rufino serem sempre citados como fundadores da Portela, é uma mulher quem está na origem da Azul e Branco. A fundamental Dona Esther foi a fundadora do bloco Quem Fala de Nós Come Mosca, precursor do Baianinhas de Oswaldo Cruz, que daria origem à escola de samba. Era em seu quintal que aconteciam as grandes festividades de Oswaldo Cruz, regadas a boa comida e, claro, muito samba. Não à toa, Esther era chamada de “Tia Ciata do subúrbio”.

2 – Oswaldo Cruz era uma área rural no início do século passado, e a característica moldou a forma de fazer samba dos primeiros portelenses, diferenciando-os dos poetas da Mangueira e do Estácio, bem mais próximos do Centro da cidade. Por isso, alguns dos mais lindos sambas cantados pela Velha Guarda da Portela têm como tema a natureza, como “Sabiá cantador” (Alvarenga), “Manhã brasileira” (Manacéa), “Gorjear da passarada” (Argemiro/Casquinha), “Passarinho” (Chatim) e “Cantar de um rouxinol” (Paulo da Portela).

3 – Maior ícone portelense, Paulo da Portela morreu brigado com a escola. O fundador se afastou em 1941, depois de um desentendimento com outros diretores, ao tentar desfilar com os amigos Cartola e Heitor dos Prazeres – o motivo do quiproquó: nenhum deles vestia azul e branco. Paulo nunca mais voltou, se integrando à pequena Lira do Amor, agremiação de Bento Ribeiro. A mágoa, como sói acontecer aos grandes poetas, virou samba: “O meu nome já caiu no esquecimento / O meu nome não interessa a mais ninguém / (…) Chora, Portela, minha Portela querida / Eu te fundei, serás minha toda a vida”.

4 – Alguns dos maiores sambistas brasileiros, cujos nomes ficaram associados a outras escolas, têm raízes portelenses. Clementina de Jesus foi diretora do bloco Quem Fala de Nós Come Mosca e frequentava a Portela antes de se ligar à Mangueira. Mano Décio da Viola ia aos ensaios do bloco Vai Como Pode nos anos 1930, até subir a Serrinha e se tornar imperiano – depois, voltaria à Azul e Branco na década de 1960, já compositor consagrado. Arlindo Cruz é de família portelense, tocou com Candeia e torcia pela Águia até o fim dos anos 1980, quando chegou ao Império para nunca mais sair. Já Leci Brandão, nascida em Madureira, antes de se tornar compositora da Mangueira havia desfilado duas vezes na Portela, a convite de Natal.

5 – Além de ser a maior vencedora da história dos desfiles (22 títulos), a Portela tem participação ativa no dia a dia da cidade e na cultura nacional. Vêm de seu terreiro alguns dos eventos que movimentam os cariocas ao longo do ano, como as feijoadas mensais com pagode, o Trem do Samba e a Feira das Yabás, criações do portelense Marquinhos de Oswaldo Cruz. Também surgiu em Oswaldo Cruz a ideia de formar um grupo musical com os compositores mais velhos, fazendo da Velha Guarda o “Buena Vista Social Club brasileiro”. O Rio é mais carioca porque existe a Portela.

6 – Considerado o grande símbolo da Portela nas últimas décadas, Monarco dedicou 75 anos de sua vida à escola, mas nunca viu a Azul e Branco desfilar com uma composição sua: participou inúmeras vezes das disputas de samba-enredo, sem sair vitorioso. Já o Jacarezinho e a Unidos de Padre Miguel tiveram o privilégio de desfilar com hinos do mestre. Agora, se eu for falar dos sambas de terreiro de Monarco, hoje não vou terminar: são dele algumas das mais emocionantes letras escritas para a Águia. “O que nos vale é a fé que encoraja e conduz / Portelense de verdade que defende Oswaldo Cruz”.

7 – Se toda família que convive muito acaba brigando, imagina uma escola de samba que reúne centenas de estrelas da cultura nacional? O centenário portelense é marcado por cisões, que deixaram marcas profundas. Em meados dos anos 1970, a Ala dos Compositores se desentendeu com a diretoria, que promovia mudanças na estrutura da escola. Resultado: a saída de Candeia, Paulinho da Viola e Zé Keti, entre outros. Já nos anos 1980, houve o abrupto corte de 12 alas, que foram afastadas. Mas a Portela é tão grande que, desses rompimentos, surgiram outras instituições importantes para o carnaval, como a Quilombo e a Tradição.

8 – A Portela foi fundamental na criação do que é uma escola de samba, introduzindo elementos como samba-enredo, alegorias, comissão de frente e fantasias ligadas ao enredo, entre outras inovações. A Águia foi a agremiação mais poderosa da primeira metade dos 90 anos da história dos desfiles. Em 1970, chegava ao seu 19º título, marca que a Mangueira só bateria em 2016, quase 50 anos depois – e nenhuma outra chegaria nem perto. O heptacampeonato, entre 1941 e 1947, é outra proeza difícil de ser repetida.

9 – Na era Sapucaí, a Portela teve poucos títulos, mas alguns resultados desceram amargo para a Azul e Branco. As derrotas de 1979, 1983 e 2016, por exemplo, até hoje são contestadas. Mas foi o vice-campeonato de 1995 aquele que mais faz sofrer Oswaldo Cruz. A Portela realizou desfile inesquecível, contando a história do carnaval, com uma Águia mascarada que não sai da memória dos foliões. A campeã foi a Imperatriz, que ganhou todas as notas máximas mesmo desfilando sem uma de suas principais alegorias, a dos camelos.

10 – A joia mais preciosa da Portela é sua ala de compositores, por onde passaram nomes como Paulinho da Viola, Candeia, Manacéa, Monarco, Teresa Cristina, Diogo Nogueira, Noca da Portela, Wilson Moreira, David Corrêa, João Nogueira e Zé Keti, entre tantos astros. Mas existe outro setor em que a Águia voa altaneira: a dança. Foi em Oswaldo Cruz que se consagrou a maior porta-bandeira de todos os tempos, Vilma Nascimento, assim como dois dos maiores passistas da história: Nega Pelé e Tijolo.