LABIRINTO DE RITMOS & BATUQUES

POR JAN THEOPHILO

Imagine o que se passa pela cabeça daquele turista estrangeiro que, feliz da vida, vem assistir pela primeira vez ao maior espetáculo da Terra. Tudo é alegria, dança e uma gigantesca explosão de cores e ritmos. Mas será que três escolas depois, que repetiram a mesma música em média 40 vezes, nosso visitante está conseguindo entender alguma coisa ou está se sentido perdido em uma viagem louca de LSD. Pelas cores, é fácil, dá pra distinguir as escolas. Mas e o som da bateria? Para os não entendidos, é como dizia o antigo comercial: que parece, parece, mas não é.

“A Mangueira, por exemplo, é mais fácil porque todo mundo sabe que ela não tem surdo de resposta, as outras todas têm”, explica o mestre Odilon Costa, considerado um dos maiores diretores de bateria da história do carnaval carioca.  As demais possuem características singulares em vários casos, mitificações em outro, mas compreender de fato as diferenças entre elas não é para qualquer ouvido.

“A afinação do Salgueiro era bem baixa, bem frouxa. A gente sabia que era o Salgueiro que vinha lá por causa da afinação”, lembra Odilon. Mas vieram as duras regras do desfile, e como os julgadores passaram a dar mais atenção à afinação, para não perder pontos o Salgueiro se adaptou. “Não deveria ser assim. Por mim, deixaria o Salgueiro fazer como sempre fez, pra gente saber mesmo que era o Salgueiro. A gente tinha essa mumunha de conhecimento devido a afinação do Salgueiro ser mais frouxa mesmo. Mas como perdia ponto, a escola acompanhou os julgadores”, lamenta Odilon.

Segundo o mestre de bateria, o único instrumento que não pode faltar numa escola de samba é o surdo. “O surdo é que nem o trilho do trem. Se não tiver trilho, o trem descarrilha né? Então o surdo é essa parte forte.  A gente tem que tocar dentro do trilho, naquele tempo ali”. O toque errado, mais acelerado por exemplo, do surdo é o que provoca a famosa expressão “a bateria atravessou”. “Tudo na bateria se soma para poder sair esse ritmo que a gente está querendo ouvir aqui fora. Dessa soma sai a cadência. É o que sai de gostoso: a soma prefeita de todos os instrumentos” diz o diretor de bateria.

Mestre Odilon sempre teve fama de rigoroso. Não é chegado a firulas, como os apelidos valentes de algumas baterias como a Baterilha, da União da Ilha, Pura Cadência, da Unidos da Tijuca, Surdo Um da Mangueira, ou Medalha de Ouro, da Estácio. “Poupo só a da Mocidade porque o apelido veio de um samba”, brinca ele. “Sou contra esses apelidos. Ouvi dizer que a Grande Rio parece que vai acabar com esse nome de ‘Invocada’, vai ser só bateria da Grande Rio. É o mais certo”.

Mas nada o tira tanto do sério como os intelectuais do carnaval que buscam sentido onde sentido onde muitas vezes não há. Como numa suposta e propalada associação do toque das baterias com os orixás e santos que as protegem. “Já tive inúmeras discussões sobre isso. Antes se falava mais da batida de caixa de cada escola. Por exemplo: Salgueiro é São Sebastião, ou Oxóssi. Sabe o que é tocar em cima? É no ombro. Caixa em baixo é quando está no talabarte (uma espécie de cinturão). Então o Salgueiro, que era São Sebastião era só tarol, que toca em cima. A Portela, também é São Sebastião toca caixa embaixo, totalmente diferente, Mangueira é São Sebastião, toca caixa embaixo, mas diferente da Portela. E a Mocidade que também é São Sebastião e é totalmente diferente de todas elas. É tudo pro mesmo santo? Pro mesmo orixá? Não sei. Pra mim não é”, diz.

Odilon acredita que algumas regras dos desfiles têm dado um nó na cabeça de diretores de escola. Ele exemplifica apontando que o regulamento pede “criatividade e versatilidade” das baterias. Mas criatividade, lembra ele, pode ser quase qualquer coisa. “Pior é a versatilidade. O que eles querem? Fazer o cara tocar numa roda-gigante? Virando cambalhota? Isso está deixando o pessoal confuso”.

Para Odylon “tem muita gente no mundo do samba que fala bobagem, tentando pegar uma sombra no lombo do boi”.  E o excesso de palpites e busca de inovações as vezes mais atrapalha do que ajuda. “O que deveria ser julgado é se o ritmo está correto, se a bateria acompanhou o samba como deveria. O resto é bobagem”, garante.