EDITORIAL: A FESTA ESTÁ DE VOLTA AO ALTAR DOS BAMBAS

POR AYDANO ANDRE MOTTA

Após a inédita pausa de um Carnaval, por causa da pandemia, as grandes escolas de samba cariocas estão de volta, para iluminar a Sapucaí com seu espetáculo único. A Rio Já, em seu inegociável compromisso de celebração dos predicados desta terra, não poderia ficar de fora – e oferece aos leitores uma edição especial, com reportagens e o melhor serviço do desfile de 2022.

O show dos bambas ocorre em data igualmente inédita, a confluência dos feriados de Tiradentes e São Jorge, no penúltimo fim de semana de abril. O adiamento também foi causado pela pandemia, solução possível diante do recrudescimento das contaminações no início do ano. Agora, estão criadas as condições para o retorno. Viva!

Ano que vem, os deslumbrantes cortejos das escolas voltarão ao Carnaval, como mandam a ancestralidade e o calendário. Será, anote aí, de 17 a 21 de fevereiro – oxalá com as máscaras, os cuidados, a amargura e as preocupações decorrentes da covid-19 arquivados para sempre.

O fim do intervalo encontra a tribo do samba em transformação. Protetorado histórico dos homens, o planeta Carnaval assiste ao empoderamento das mulheres, que materializam suas demandas e ambições, ocupando espaço negado desde sempre. “Sou empoderada sim”, assume Bellinha Delfin, passista premiada, musa da Viradouro, personagem principal da reportagem de capa. Como ela, companheiras de diversas gerações se impõem ao conservadorismo machista, acrescentando pluralidade ao cenário monocórdio do poder carnavalesco.

O avanço guarda explícita relação com o crescente engajamento das escolas, expresso nos enredos para 2022. “Temos que contar nossa história, a dos nossos antepassados, e as propostas que temos para o mundo”, prega a professora Helena Theodoro, autora do tema do Salgueiro – chamado simplesmente “Resistência” –, em entrevista a Jan Teophilo.

As agendas do povo preto, a superação da pandemia, a celebração de construtores (negros) da festa, a exaltação da fé de matriz africana e histórias gloriosas da floresta brasileira estão presentes em rigorosamente todos os enredos que passarão no Grupo Especial. Está tudo no serviço completo – das letras dos sambas aos artistas das escolas, dos horários das apresentações ao número de componentes – apurado por Rosayne Macedo.

Um minucioso mapa da Passarela do Samba ensinará aos leitores por onde entrar e sair, as opções de transporte e as regras para a plateia. O passaporte da vacina contra a covid-19, por exemplo, segue sendo exigido. Está tudo no infográfico que ocupa duas páginas.

E quem está chegando agora, totalmente leigo nos mistérios e maneirismos da festa única? Com Rio Já, ninguém vai atravessar o samba. A descrição dos quesitos de julgamento emoldura a reprodução de uma escola de samba completa. Depois de ler, vai dar até para reclamar dos jurados, um dos “esportes nacionais” desse negócio.

Parte mais importante da história, as orquestras ganham capítulo exclusivo. Jan Teophilo conversou com Odilon Costa, um dos grandes mestres de bateria da história, para decifrar instrumentos, batidas e outras características das alas dos ritmistas. Numa palavra: aula.

Outros especialistas no desfile passeiam pela Rio Já com reflexões inéditas. Diretor de criação da Beija-Flor, André Rodrigues aborda a importância da festa como afirmação da cultura negra. Jornalista, roteirista e escritor, Leonardo Bruno sublinha que o povo será sempre protagonista das escolas. E o prefeito Eduardo Paes lista as contribuições do poder público na valorização da cultura popular carioca.

Nas entranhas da competição principal – que tem a Portela como maior de todas as campeãs e a Viradouro atual detentora do título –, há disputas específicas, igualmente intensas. Nenhuma prende mais a atenção do público do que as comissões de frente. Investigamos as preferências dos coreógrafos criadores dos miniespetáculos, a cada dia mais sofisticados, que abrem as apresentações.

Não esquecemos dos muitos sambistas que nos deixaram, no intervalo desde o desfile de 2020. Estão todos homenageados ao lado da charge de Elza Soares (1937-2022) desenhada especialmente pelo craque Aroeira.

Porque a memória será sempre um enredo fundamental. Boa leitura, boa festa.