A CLASSE OPERÁRIA FEZ O PARAÍSO. E QUER SALVÁ-LO

POR JAN THEOPHILO

Mente quem diz que nunca se encantou com as imagens da Era de Ouro de Hollywood e seus clássicos exibidos em salas gigantescas, com capacidade para milhares de espectadores. Isso mesmo, milhares. Para se ter uma ideia, o Roxy de Nova York (que estabeleceu o padrão dos cinemões americanos do início do século XX) comportava seis mil pessoas sentadas — mais do que o triplo da capacidade do seu homônimo de Copacabana, na Zona Sul do Rio, em seus melhores momentos. Mas esses colossos foram arrasados por toda uma sequência de avanços tecnológicos que começaram com o advento da televisão, passando pelo VHS, DVD, Blue Ray até chegar aos serviços de streaming e às enormes TVs de alta resolução. O Roxy nova-iorquino foi demolido nos anos 60 e o carioca, dividido em três salas na década de 1990. Um desses gigantes, porém, resiste, mas chega aos 63 anos de idade precisando urgente de um bom banho de loja: o Cine 9 de Abril, em Volta Redonda — nada mais, nada menos que o maior cinema de rua com tela única em funcionamento hoje na América Latina.

Inaugurado em 27 de fevereiro de 1959, o 9 de Abril foi projetado inicialmente para acomodar duas mil pessoas sentadas, mas teve sua capacidade reduzida para 1.505 assentos visando à melhoria das qualidades acústicas e maior conforto aos espectadores. Em sua noite de inauguração, o cinema exibiu o drama “Noites de Mardigrás” e a renda adquirida foi doada a instituições de apoio à saúde da região. Na década de 1960 ele foi eleito pela imprensa uma das cinco melhores salas do Brasil, muito graças à excelência de seus equipamentos. O empreendimento custou na época 30 milhões de cruzeiros, bancados pelo Clube dos Funcionários da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e durante muito tempo foi praticamente a única opção de lazer cultural da Cidade do Aço. O danado é tão grande que permite apresentações de orquestras sinfônicas completas sobre seu palco. Mas o tempo é um inimigo sorrateiro, e hoje, com projetores obsoletos, e cadeiras descosturadas aqui e ali, o 9 de Abril não ostenta mais o brilho de outrora.

O cinema foi oficialmente tombado pelo Decreto 2.070 de 1986, e com isso impedida sua descaracterização ou uso para outros fins não ligados à cultura. Desde então o Clube dos Funcionários luta não só para mantê-lo funcionando, como para levantar recursos para a restauração e formatação de um projeto que o torne economicamente sustentável.  Em 2015 foi formada uma equipe multidisciplinar para elaborar um plano de restauração do cinema. “Com o objetivo de transformar o imóvel em iniciativa economicamente viável, constatamos que soluções tidas até então, como inexequíveis, estavam apenas tecnicamente inacessíveis”, diz a direção do clube. O time consultou órgãos de tombamento, fez estudos de acústica e viabilidade de mercado e finalmente contratou um escritório de arquitetura para desenhar o projeto.

TOMBAMENTO

Pouco antes da pandemia, representantes da direção do Clube dos Funcionários procuraram a Alerj em busca de uma saída que desse sustentabilidade econômica ao bom e velho Cine 9 de Abril. Foram colocadas na mesa outras ideias, desde a transformação do mezanino em um grande restaurante, até a divisão do cinema em três salas menores, mantendo suas características arquitetônicas originais. Uma alternativa seria criar ali, em parceria com alguma universidade, um centro de economia criativa ou mesmo um centro de convenções. O caminho, entretanto, é tortuoso, dada a rigidez das regras de tombamento.