ROCINHA HIGHTECH

Negócios de impacto surgidos na comunidade conectam pessoas ousadas com projetos inovadores e atuam como um encanamento que faz circular de boas ideias

Luisa Prochnik

Um mundo feito apenas de boas ideias. Ótima proposta essa, não é mesmo? Atualmente, essas boas ideias têm o nome de startup, com inovações na área de meio ambiente, inclusão, educação e saúde, entre outras, e vem ganhando cada vez mais atenção e investimento. Mas aqui não tem nome em inglês: estamos falando de ‘negócios de impacto’. Ou seja, negócios que surgiram dentro de comunidades carentes, a partir de seus moradores, e que, segundo o nosso principal entrevistado disse,  “está trocando a roda com o carro andando”. Além de fugir do dicionário gringo, muitas vezes não atraem tantos colaboradores e patrocinadores como poderia. Aliás, apresento Igor Germano, nascido e criado na Rocinha, 34 anos circulando pelo morro todo, que vai contar melhor essa história.

 – A questão aqui é mudar de vida, tanto a minha quanto a das pessoas ao redor. É legal ganhar dinheiro, maravilhoso, mas, hoje, a gente está mais focado em mudar o ambiente em que a gente vive, mostrar as coisas boas que têm aqui dentro. Porque notícia ruim tem toda hora. A gente está aqui num lugar que só tem coisas boas. Quantas matérias você lê falando sobre isso? – questiona Germano, um dos fundadores do Rocinhacast, que, além de áudio, também que levar imagens dos entrevistados e da realidade que o cerca.

O lugar ao qual Germano se refere é o espaço onde a entrevista está sendo realizada: a Biblioteca Parque da Rocinha – C4. Em um terraço agradável, próximo à lan house, onde todos têm acesso à internet, um andar acima de exposições de fotos tiradas pelos moradores, um andar abaixo da biblioteca que atende a todas as idades. E em volta de muitos, muitos projetos, que vão de inglês, ao judô, à dança do ventre, entre outros.

O RocinhaCast menos de dois anos atrás foi inscrito no BECO, a primeira incubadora de empresas da Rocinha. Traduzindo os jargões atuais, incubar é cuidar das ideias que estão sendo colocadas em prática, com aulas semanais. Germano e seu atual sócio, por exemplo, aprendem estratégias para profissionalizar o Rocinhacast, entendendo melhor sobre prestação de contas, investimentos e novos formatos de negócio. Acelerar, outro verbo em voga, é quando o negócio já está mais maduro e pronto para dar voos mais altos e lucro a seus criadores e patrocinadores.

Para Germano, o lucro ainda não chegou. Mas o impacto veio com força. O principal exemplo disso foi na entrevista realizada com Anderson Leonardo, cantor do grupo de pagode Molejo. Foi para Germano que ele anunciou o retorno do câncer – que o matou tempos depois – o vídeo viralizou e a vontade de produzir mais conteúdo só cresceu.

A gente saiu do estúdio na Barra e veio gravar aqui no C4. Chegamos a fazer 13 entrevistas por semana. Às vezes quatro por dia. Então, conteúdo a gente tem – avalia Germano, que pontua a maior dificuldade na parte mais burocrática e financeira.

– A dificuldade é que a gente tem que fazer tudo e tem uma hora que cansa. Este ano, decidi fazer mais rua, rua é tudo. Divulga bar, lá no meio do morro tem um lugar que vende comida maravilhosa e que ninguém sabe, vou lá fazer. Ponho no Rocinhacast. Na maioria das vezes, não é um serviço pago. Eu acho que essas pessoas merecem brilho também e às vezes a gente tem que entender que, se eu sou da comunidade eu tenho que dar luz aos outros.

Em um dia de praia, um amigo disse a ele que o videocast funcionava como um cano. Mais que isso: uma estrutura de encanamento responsável por ligar os vários projetos existentes na Rocinha que não se juntam, muitas vezes, por não se conhecerem. Desde então, Germano tem essa meta na cabeça. Porém, aprendizados também mostram que nem sempre quantidade de conteúdo é o único e melhor caminho. Há que se ter resiliência na construção do encanamento para funcionamento ideal.

– Estamos dando uma segurada do videocast, reavaliar a rota. A gente quer gravar tantos, que fica sem tempo para ganhar dinheiro. Excesso de gravação, de querer fazer, dificulta ganhar dinheiro – pontua.

Enquanto a entrevista acontece, Virgínia Alves e Luthuly Ayodele se aproximam da mesa. E aproveitam para, em uma prosa rápida, contarem que também estão investindo no setor audiovisual.

– A missão é criar dois pequenos núcleos de audiovisual que eles vão poder usar todos os equipamentos que têm dentro do espaço que a gente está conseguindo realizar, conseguindo todos os equipamentos para esse espaço, vamos dar um curso profissionalizante de um ano para esses alunos, alunos fixos, e no fim eles vão criar a nova produtora deles tentar gerar renda. Mas assim que acaba o curso eles já vão direto para um estágio, para uma produtora, onde eles já começam a ganhar dinheiro com isso e vão ter todos os equipamentos para fazer sua produção independente – planeja Ayodele.

Igor Germano também está focado em melhorar os equipamentos do estúdio atual – localizado na Via Ápia – ou mesmo ter um novo, com equipamento móvel, que possa ser colocado dentro de uma mochila e, nas costas, ser levado para qualquer lugar da Rocinha. Assim, outros moradores também terão acesso ao estúdio para realizar produções independentes e ganhar experiência e dinheiro.

A Biblioteca Parque é outro tipo totalmente diferente de investimento: vem do governo do Estado do Rio e tem como princípio ser espaço aberto à comunidade. Aloisio de Jesus, atual administrador, se senta à mesa e abre um sorriso. É um prazer abraçar tantos projetos e ideias boas de pessoas que têm muita disposição para fazer acontecer. E ele diz:

– Quero o Rocinhacast de volta aqui, claro.

Entrevista a entrevista, imagens, áudio, postagens nas redes sociais. São os canos do Rocinhacast sendo instalados e conectados diariamente e, agora, estando dentro da incubadora, de forma cada vez mais profissional. Em uma comunidade como a Rocinha, onde problemas de água, lixo e eletricidade são comuns e bastante noticiados, no encanamento do Germano o que vai fluir para todos os cantos é a boa ideia de fazer uma comunidade melhor divulgando exatamente as propostas certeiras e inovadoras nascidas e criadas lá dentro.

OUTROS NEGÓCIOS DE IMPACTO NA ROCINHA

A Revista Rio Já esteve na comunidade algumas vezes, quando registrou a criação e o crescimento da Academia de Cinema da Rocinha e a como funciona a Torre Verde, localizada entre duas escolas. Dois projetos de formatos e com ambições diferentes, mas nascidos, antes de tudo, a partir de boas ideias.

Links:

https://www.instagram.com/rocinhacast

https://www.instagram.com/c4bibliotecaparquedarocinha