Caroline Rocha
A escadaria com degraus de mármore branco e corrimões acobreados, projetada em 1905 para abrigar a Mitra Arquiepiscopal da então Capital Federal, ganhou novas cores para homenagear o criador de uma outra escadaria — esta localizada a cerca de 700 metros dali e considerada um dos pontos turísticos mais icônicos do Rio de Janeiro. A exposição foi instalada no prédio que hoje abriga o Centro Cultural da Justiça Federal (CCJF), no Centro da cidade, em referência à Escadaria Selarón, intervenção urbana idealizada pelo artista chileno Jorge Morales, conhecido como Jorge Selarón.
A mostra “Gabinete Selarón de Curiosidades: Os Degraus para a Gestão Compartilhada da Escadaria Selarón” reúne 370 pinturas, além de fotografias, rascunhos e azulejos, revelando o olhar cosmopolita do artista que transformou os 215 degraus da escada do Convento de Santa Teresa em um mosaico vivo composto por 4.994 azulejos de 165 países.
A iniciativa busca chamar atenção para a urgência de levantar alternativas que possibilitem a captação de recursos voltados à preservação, manutenção e restauro da Escadaria Selarón. Mais de uma década após a morte do artista, o monumento apresenta sinais de deterioração, resultado de desgastes naturais, atos de vandalismo e a colagem de azulejos “invasores” por visitantes.“Estamos propondo uma nova lógica em relação a possibilidade da arrecadação de recursos. O que a gente necessita e quer plantar como uma semente na cabeça de todos é pensarmos na possibilidade de instruir processos de governança compartilhada de patrimônios públicos lastreados em fundos patrimoniais”, afirmou André Ângulo, museólogo, guia de turismo e um dos curadores da exposição. Ele é o idealizador do projeto “Selarón Pedaços do Mundo”, que prevê a catalogação e o escaneamento tridimensional do acervo a céu aberto da escadaria, com o objetivo de mapear os danos e dar início a um projeto de restauro.
Ao todo, são cinco galerias com obras que retratam a paixão do chileno pela Cidade Maravilhosa. Entre os cenários que transformou em arte estão a Cinelândia, a Lapa e a Central do Brasil. Um elemento recorrente em quase todas essas obras é a figura de mulheres negras grávidas. A primeira aparição da personagem ocorreu em 1977, mas não se sabe ao certo o motivo dessa escolha. Segundo o artista, trata-se de uma questão pessoal que o marcou profundamente. Selarón as retratou em milhares de obras, inclusive, este foi o motivo que o levou a fincar suas raízes no Brasil após viajar por quase 60 países. Aqui era uma das poucas cidades do mundo onde existiam mulheres negras grávidas igual as que desenhava em suas telas e azulejos.
“O Rio é a cidade mais bonita do mundo. Não por sua beleza física, não precisa de sua beleza física. O Rio de Janeiro é bonito por causa de sua gente, pelo jeito de ser do carioca, por que o jeito de ser do carioca só existe aqui, não existe em nenhum lugar do mundo. E aqui, no Rio, é a única cidade do mundo que tem 365 dias agradáveis”, disse Selarón em entrevista ao documentário “A Grande Loucura”.
Nascido em Limache, no Chile, Selarón chegou ao Rio de Janeiro no fim dos anos 1980, mas só fixou residência na Lapa na década seguinte. Vivia da troca e venda de seus quadros em restaurantes na região, o que se revelou uma estratégia inteligente: além de garantir alimentação, conseguia expor sua arte aos turistas que circulavam pelo Rio Antigo. Quatro anos após sua chegada, em 1994, Selarón iniciou a aplicação dos azulejos que dariam forma à sua obra máxima: a Escadaria Selarón.
Desde então, a Escadaria Selarón se tornou cenário de videoclipes de artistas como Snoop Dogg e Pharrell Williams e o grupo U2. Também foi palco de campanhas publicitárias de marcas como Coca-Cola e Kellogg’s, além de aparecer em filmes nacionais e internacionais, entre eles Rio (animação de 2011) e O Incrível Hulk (2008).
“A relação dele com o Rio foi profunda, sincera e apaixonada. Ele escolheu essa cidade como lar e fez aqui seu espaço de criação. Sua arte se tornou uma poderosa ferramenta de união entre os povos, uma janela aberta ao mundo a partir da sensibilidade do artista chileno que amou profundamente o Brasil. Aqueles que visitam a escadaria ano após anos poderão agora complementar sua experiência ao conhecer o universo mais pessoal de Selarón, suas angústias, seus sonhos e seu olhar único sobre a vida”, pontuou o cônsul do Chile no Rio de Janeiro, Carlos Javier Marin.
Local: Centro Cultural Justiça Federal Entrada franca. Até dia 10 de agosto. Terça a domingo: 11h às 19h.