O ETERNO SATYRICON: RESTAURANTE MEDITERRÂNEO DE IPANEMA É UM CLÁSSICO CARIOCA

O Gran Piatto di Mar: paleta de pescados frios

Bruno Agostini

Uma das perguntas que mais escuto é a seguinte: “Bruno, qual o melhor restaurante do Rio?”. Essa eu não sei responder, ou melhor, não posso, sou incapaz. Isso porque o melhor restaurante, para mim, não existe – aliás, ando implicando muito com essas premiações, com rankings mundiais e outras bobagens que querem eleger os melhores disso e daquilo. O melhor restaurante do Rio? Depende do que queremos comer, de como estamos nos sentindo, do tipo de ambiente que buscamos etc. Além disso, estamos falando de lugares tão diferentes entre si que eu não consigo comparar um restaurante italiano tradicional com uma casa de carnes, uma cozinha portuguesa legítima com um sushi bar, um menu degustação autoral com um lugar que serve receitas asiáticas, e por aí vai. Portanto, acho que não poderia apontar “o melhor restaurante do Rio” sem fazer muitas considerações, ressalvas e observações. Mas, posso dizer qual é o meu preferido, isso, sim. Aquele recanto que sempre me faz feliz, há muitas e muitas décadas, por sinal. Isso é fácil. Não tenho dúvidas a respeito. Esse lugar se chama Satyricon, e neste ano que termina agora está completando nada menos do que 40 anos de Ipanema, no mesmo local em que abriu as portas em 1985.

Posso explicar, com certa facilidade, as razões do meu apreço por esse endereço mediterrâneo. Vamos começar pelo ponto mais importante em um restaurante: a comida. Nesse caso, estou falando da qualidade do que é servido, e também das minhas preferências pessoais. A cozinha italiana é a minha predileta, além disso, peixes e frutos do mar são o que eu mais gosto de comer.

A peixaria, na entrada do salão: pescados frescos são marca da casa

E aí, então, entra a questão da qualidade. Os peixes e frutos do mar que encontramos no Satyricon são raros de se ver. Logo na entrada, depois do bar comprido, fica a peixaria e sushi bar, um balcão refrigerado e cheio de gelo, que nos dá as boas-vindas antes de chegarmos ao salão principal. Vemos ali as ostras, os lagostins, as lagostas, as centollas, os camarões VG, as cavacas e os peixes… na minha última visita havia vermelhos, robalos, linguados e pargos – esse último, um dos clássicos da casa, hoje é valorizado no Brasil graças ao fundador do Satyricon, o italiano Miro Leopardi, um ícone da gastronomia carioca.

Pude conversar com ele em algumas ocasiões, e lembro bem de seu orgulho ao falar da história do Satyricon.

– Quando cheguei ao Brasil, nos anos 1970, o pargo era um peixe barato, sem muito valor comercial. Mas, na Itália, ele é caro, e muito prestigiado pelos restaurantes, com sua carne branca e delicada. Lancei o pesce al sale grosso, preferencialmente feito com pargo, que se tornou um sucesso, logo copiado por outros restaurantes, não só do Rio, mas do Brasil -, costumava a dizer Miro (ouvi essa história de sua boca mais de uma vez).

Polvo grelhado: cliente pode escolher o modo de preparo dos pescados

Aqui, vale fazer um parágrafo, importante nessa história. Miro Leopardi morreu há cerca de dez anos. Eu, pessoalmente, cliente há muitos anos do Satyricon, temi pelo consequente fim do restaurante, tal a importância dele na casa. Muito mais que o fundador, mas também a cara e a alma do restaurante, o criador do cardápio, um imenso conhecedor dos métodos de preparo de peixes e frutos do mar. Era ele a garantia da qualidade dos pescados que entram ali, e circulava garboso pelo salão, recebendo os clientes, passando nas mesas e sugerindo os pratos. Mas, para minha felicidade, e de muitos frequentadores, o que se viu foi o contrário: enxergo ali uma evolução, dessas discretas, que quase não percebemos. Aí, podemos falar da sucessão. Sandra e Bruno Tolpiakow, filhos de Marly Bizinover, viúva de Miro, assumiram a casa. E o que fizeram foi manter o que existia, calmamente introduzindo alguns novos ingredientes e receitas, como aconteceu recentemente com a introdução do que considero o melhor prato do Rio: o linguine al carabinero, uma massa preparada com o crustáceo (na Itália, o gambero rosso), resultando em uma notável bisque feita com as cascas, e um tartare delicioso coroando a massa. O ápice da simplicidade muito bem representada.

Falando nisso: e o que recomendo comer no Satyricon? (essa é outra pergunta que escuto bastante). Bem, ali existe outra característica importante nos grandes restaurantes do mundo: sempre vale perguntar ao maître o que ele recomenda naquele dia. Profissionais como o Carlinhos, simpático, atencioso e experiente, impecável, de terno e gravata, vai sugerir alguns especiais disponíveis, muitos não constam no menu.

Lagosta grelhada: crustáceos são especialidade

De todo modo, há itens que considero fundamentais. Importante pedir o couvert, para saborear a melhor pizza bianca da cidade, finíssima e crocante, uma delicadeza. O pão com molho de tomate é outra manifestação deliciosa da simplicidade. Melhor ainda é fazer um pedido completo: o gran piatto di mare com pães. Você vai receber uma linda montagem, um prato giratório, com muito gelo, onde são colocados pequenas porções com conservas e outros preparos fritos: há tonno e fagioli (salada de atum com feijão branco, clássico italiano), ovas de tainha, vinagretes de polvo e de mexilhões, lagostins em molho de tomate (que delícia isso!), tellini (uma pequena concha, que aqui podemos chamar de sarnambi) e outras preparações, numa montagem que pode ser turbinada, com ostras, vieiras ou quem sabe outra receita das mais deliciosas ali: a salada de centolla com abacate e ovas de salmão.

Também acho fundamental pedir os lagostins grelhados, com lâminas de alho ao azeite, e os muitos pratos com crustáceos grelhados, servidos em sua forma mais simples. Há versões bem grandes, para compartilhar, que podem ter – além de camarões VG, lagostins, lagostas, cavacas e carabineiros – polvo, peixe do dia e lula, como é o caso da chamada Fantasia di Mare.

Carpaccio de lagostins, uma das opções

Para começar, uma seleção de carpaccio, com pelo menos seis variações, de peixes e temperos, incluindo uma preparada com lagostins, que chega à mesa com o enfeite da carcaça. Um exemplo é o de olho de boi com molho de azeite, limão, tomate e pimenta malagueta, simples, fresco e direto. Os pasteis de lagostins são inacreditavelmente deliciosos, eu diria que imperdíveis.

Gosto da poesia que existe ali no menu, onde nos deparamos com sugestões como capesante a piacere, que pode ser traduzido como vieiras ao seu prazer, ou preparados à sua maneira (também tem como mexilhões e polvo – peça com molho de tomate). Espaguete com ouriço também figura na minha lista de pratos indispensáveis. Churrasco de atum, com um belo naco de lombo do peixe, levemente grelhado, também é fora de série, em toda a sua simplicidade.

Vou folheando o menu, com aquela vontade de pedir tudo. Lulas fritas à romana, para se sentir caminhando pela Cidade Eterna; e massas as mais diversas, como espaguete ao vôngole, ou com tinta de lula e lagosta.

Além da cozinha de excelência, mediterrânea, com foco na matéria-prima de qualidade, eu tenho laços afetivos antigos com o Satyricon. Eu me lembro da primeira vez em que estive no Satyricon, pouco depois de sua abertura, em 1982, em Búzios. Não me recordo se entramos para almoçar daquela vez, mas o que me marcou foi a canoa de pescador, que ficava do outro lado da rua, na Orla Bardot, que ainda não se chamava assim. Estava repleta de gelo, peixes e frutos do mar, uma imagem que ficou gravada na memória.

Já destaquei o serviço como outro elemento fundamental. Há garçons com mais de 30 anos de casa. Conhecem os clientes pelo nome, e sabem o que sugerir. Isso é cada vez mais raro, com restaurantes e equipes tão efêmeras, o que traduz confiança.

O salão elegante tem jardim de inverno ao fundo

E ainda tem o ambiente, elegante e espaçoso, com mesas grandes, dispersas de modo a permitir que a gente tenha conversas particulares que não são escutadas pelos outros clientes, nem pelos garçons (muitos empresários, artistas e políticos frequentam o Satyricon também por isso). São cobertas com toalhas brancas, e temos cadeiras confortáveis. Gosto de me sentar, especialmente de dia, nas mesas do fundo, iluminadas pelo jardim de inverno, que traz agradável sensação de estarmos (ao menos um pouco) perto da natureza. Ademais, sem querer parecer pedante, a trilha sonora em volume muito adequado tem jazz, que embala minhas tardes ali, discretamente. 

Por essas e outras, o Satyricon é meu restaurante preferido – e eu poderia escrever uma revista inteira a respeito disso, falando de outros pratos e atributos, de outras histórias e sugestões. O espaço é limitado. E termino essa resenha lembrando de outra pergunta que recebo com muita frequência: “O Satyricon continua muito caro”, fazem os que conhecem a casa. Ela pode variar para “O Satyricon é mesmo muito caro?”, para os que querem conhecer.

A minha resposta pode ser simples e direta: “para o que entrega, não é caro mesmo”. Ou, pode ser longa e detalhada, como essa reportagem acima. Mas, o fato é que o Satyricon é meu restaurante preferido.

Frequentadores destacam qualidades de peixes e frutos do mar

NÃO SOU SÓ EU QUEM DIZ…

O Satyricon é um ícone da gastronomia carioca. Nas mesas que frequento, com amantes da gastronomia, chefs, sommeliers e outros profissionais do ramo, é muito comum o restaurante entrar na conversa, como uma referência, um símbolo de desejo, uma cozinha marcada pela coerência, pelo padrão e pela alta qualidade.

– É uma instituição. Quando estrangeiros visitam o Rio, e me pedem indicações de lugares para comer peixes e frutos do mar, eu indico sempre o Satyricon, por ser justamente essa uma referência em peixes frescos. E o fato de ter até uma peixaria na frente ajuda muito. Não tem mais restaurante clássico assim no Rio, com uma bela mesa, grande e espaçosa, forrada com toalha branca, e com uma estrutura de restaurante de verdade, com maître, sommelier etc. Um lugar pra você comer receitas tradicionais muito bem-feitas. Pra mim, é um pilar da gastronomia do Rio de Janeiro, da alta gastronomia. É uma referência de peixes e frutos do mar. Eles são os melhores, não tenho dúvidas disso.  Sempre que você vai lá eles têm as mesmas coisas, os pescados sempre frescos, e preparados de modo simples, tradicional. Além disso, eles têm muito critério, padrão, algo que faz falta no Rio – diz o chef francês Damian Montecer, um dos muitos profissionais do ramo que é cliente (e fã) do Saty, como chamam os mais íntimos.

O empresário Roberto Hirth, grande entusiasta da boa mesa, cujo bufê atende a ninguém menos que o Itamaraty e a Presidência da República, é amigo da família há muitos anos, e tem muitas histórias para contar sobre a excelência desse lugar emblemático.

– O Satyricon é um restaurante que nos trouxe o conceito de pureza dos ingredientes muito antes de se falar nisso. A qualidade dos frutos do mar crus, que levou até a clientes japoneses pedirem que fosse preparado em sashimi é marcante até hoje. É um ambiente ao mesmo tempo clássico, sofisticado, mas com toque de descontração, um serviço atencioso e, acima de tudo, uma casa que tem tanta alma que se tornou um templo dos frutos do mar no Rio de Janeiro. A quantidade de prêmios que o Satyricon recebeu mostra como, infelizmente até, ninguém tem chegado nem perto dessa tradição maravilhosa que a família ali conseguiu criar – conta Hirth.

Pepo Figueiredo, do Clam BBQ, no Leblon, autoridade em brasa, faz coro:

– Já rodei muitos restaurantes e nunca encontrei um padrão tão alto pra peixes e frutos do mar, e a constância é imbatível. Sou fã, cliente assíduo e admirador. Pra mim, não é só o melhor restaurante de peixe e frutos do mar do Brasil, mas do mundo. Sem exageros ou puxação de sardinha com o perdão da piada, kkk, é o melhor.

Não sou só eu quem diz.

O chef Rapha Marques: à frente da cozinha

BOM FILHO A CASA TORNA

O Satyricon nunca teve propriamente um chef de cozinha. Mas, há muito pouco tempo, quem está dando expediente ali é Raphael Marques, a quem conheci na Capricciosa do Jardim Botânico. Naquela altura, ele estava implementando um ótimo cardápio de trattoria, que tinha como destaque pratos como vitelo tonnato, que foi incorporado ao menu do Saty, impresso recentemente com novidades.

– A burrata com ovas, o espaguete com king crab, e o nhoque de lagostins são receitas que coloquei. Agora, vamos implementar as massas frescas, feitas na casa, além de sorvetes, também preparados por nós – adianta Raphael, que passou seis anos como chef executivo do grupo BFW.

No dia de minha última visita, ele foi até a mesa, rapidamente, e logo precisou voltar para a cozinha.

– Hoje estou com cinco cozinheiros limpando lagostins. Os linguados, pargos e os vermelhos também chegaram hoje, todo o dia é assim, sempre chegando peixes e frutos do mar muito frescos. É muito bom trabalhar assim – conta Raphael, que também vai cuidar dos menus da Capricciosa (dos mesmos sócios), com pressa de retornar ao seu posto de trabalho.

Benvenutto!

SERVIÇO
Satyricon – Rua Barão da Torre 192, Ipanema. Tel. 2521-0627. satyricon.com.br
Instagram: @restaurante_satyricon