Aydano André Motta
Celebrar personagens célebres, vivos ou mortos, é uma antiga sedução carnavalesca. Várias vezes, acabou em título – Carmen Miranda, no Império Serrano; Roberto Carlos e Laíla, na Beija-Flor; Luiz Gonzaga e Ayrton Senna, na Tijuca; Braguinha, Dorival Caymmi, Carlos Drummond de Andrade, Chico Buarque e Maria Bethânia (ufa!) na Mangueira. Mas para 2026, os bambas mergulharam de cabeça: das 12 escolas do Grupo Especial, oito passarão com enredos biográficos pela Sapucaí.
Entre vivos, o cardápio carnavalesco do próximo ano oferece um banquete de personalidades. Carolina Maria de Jesus e Heitor dos Prazeres, Rita Lee e Ney Matogrosso, Mestre Ciça e Rosa Magalhães, Mestre Sacaca e Lula – sim, até o presidente vai passar nessa avenida popular, na maratona de biografias narradas em alegorias, fantasias e batucada. Folia sortida em vidas e emoções.
Parece ter sido tendência fundada a partir do título da Beija-Flor, na arrebatadora homenagem a Laíla. Mas a deusa nilopolitana pegou a contramão da tendência. Escolheu o Bembé do Mercado, candomblé mítico de Cachoeira (BA), como enredo para sua primeira vez sem Neguinho, depois de 50 anos. A Portela e a macumba gaúcha; o Tuiuti e os ritos afro-cubanos; e a Grande Rio com o Manguebeat completam o time dos grêmios dissonantes na maratona de 2026, que será novamente em três dias.
A seguir, os enredos, em detalhes, no dia e na ordem decidida por sorteio.
DOMINGO
Acadêmicos de Niterói: “Do alto do Mulungú, surge a esperança: Lula, o operário do Brasil”. A caçula do Grupo Especial desenha estreia ambiciosa na busca pela sobrevivência na elite. Homenageará ninguém menos do que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, narrando a odisseia do menino pobre, retirante nordestino, metalúrgico, líder sindical, até a chegada ao posto máximo da nação. Segundo Wallace Palhares, o presidente da escola, o enredo partirá da infância do líder petista até a primeira eleição presidencial bem-sucedida, em 2002.
Imperatriz Leopoldinense:
“Camaleônico”. Uma das favoritas ao título, a verde e branco celebrará Ney Matogrosso, numa volta do carnavalesco Leandro Vieira ao universo da MPB. Ele assinou o enredo da Mangueira campeã em 2016, sobre Maria Bethânia. Agora, a trajetória longeva de um dos grandes cantores do país, em toda sua variedade surpreendente, vai passar com a Rainha de Ramos.
Portela: “O mistério do príncipe do Bará”. A maior campeã da festa viajará pela negritude gaúcha, com foco especial na figura mística do Príncipe Custódio e sua influência na difusão das religiões afro no Rio Grande do Sul. O desfile também abordará o sincretismo religioso na região, lembrando personagens como o Negrinho do Pastoreio.
Estação Primeira de Mangueira:
“Mestre Sacaca do encanto Tucuju – O guardião da Amazônia negra”. A verde e rosa também rompe o eixo Rio-Bahia nas celebrações às tradições afro-indígenas, chegando ao extremo norte do país e a Mestre Sacaca, amapaense defensor da floresta e das culturas afro-indígenas. A saga do “doutor da floresta” tratará da relação entre a cultura tucuju e a Amazônia.
SEGUNDA-FEIRA
Mocidade Independente: “Rita Lee, a padroeira da liberdade”. A estrela guia de Padre Miguel reencontra sua identidade na celebração a Rita Lee. O carnavalesco Renato Lage, no segundo ano na volta à escola que o chama de mago, construirá desfile com seu estilo único para celebrar a grande artista do rock nacional. As músicas e a atitude libertária de Rita vão casar à perfeição com a magia dos bambas da Zona Oeste.
Beija-Flor de Nilópolis: “Bembé”. O sonho do bicampeonato que não se materializa no Carnaval desde 2008 (com a própria azul e branco) virá embalado por um tema da mais legítima matriz africana. Maior candomblé de rua do mundo, o Bembé do Mercado, de Cachoeira, na Bahia, ganhará sua tradução carnavalesca, num desfile histórico de qualquer jeito: o primeiro, desde 1976, que não terá Neguinho da Beija-Flor como intérprete da Deusa da Passarela.
Unidos do Viradouro: “Pra cima, Ciça!” A sempre sólida vermelho e branco de Niterói escolheu homenagear o principal nome de seu elenco estrelado. Sambista dos mais importantes em atividade, o mestre de bateria Ciça terá sua história contada desde as origens até a consolidação como um dos maiores regentes dos ritmistas de todos os carnavais. E ele virá à frente da bateria, disputando as notas do júri, como sempre.
Unidos da Tijuca: “Carolina Maria de Jesus”. O enredo da escola do pavão desafia o apagamento histórico da icônica escritora de “Quarto de despejo” e passeia por toda sua caudalosa produção. Além de contestar rótulos impostos a ela, o enredo lembrará a homenagem ao escritor Lima Barreto, no Carnaval de 1982, mostrando que a Tijuca valoriza a literatura negra e a luta contra o racismo.
TERÇA-FEIRA
Paraíso do Tuiuti: “Lonã Ifá Lukumi”. A vertente religiosa afro-cubana Caminho de Ifá, integrante da tradição Lukumi, que está sendo redescoberta no Brasil, será o alicerce do enredo do Tuiuti. A escola também pretende explorar a relação entre o Ifá cubano e as questões sociais comuns à ilha e ao Brasil, além de reverenciar os orixás afro-cubanos.
Unidos de Vila Isabel: “Macumbembê, Samborembá: sonhei que um sambista sonhou a África”. O multiartista Heitor dos Prazeres, figura essencial nos primórdios das escolas de samba, enfim recebe a merecida celebração no palco maior. Estreando na Vila (e fazendo dela uma das favoritas), a dupla Leonardo Bora e Gabriel Haddad viajará pela visão poética do homenageado, da negritude, do samba e da vida, com inspiração em seus sonhos e estética singular. Vai passar uma África imaginada e ancestral, conectada às memórias e percursos de um “homem do povo’.
Acadêmicos do Grande Rio: “A nação do Mangue”. A partir da lama dos manguezais, o Manguebeat vai passar com a tricolor de Caxias, no desfile de 2026. O carnavalesco Antônio Gonzaga estreará na tricolor (assinando seu primeiro Carnaval sozinho na elite da folia) pregando que a cultura é capaz de produzir transformação política e social.
Acadêmicos do Salgueiro: “A delirante jornada carnavalesca da professora que não tinha medo de bruxa, do bacalhau e do pirata da perna-de-pau”. Nada mais justo do que a Academia de Samba reverenciar a Professora. Rosa Magalhães, a grande carnavalesca morta em 2024, terá a carreira relembrada no desfile que fecha a maratona do paticumbum de 2026. Os trabalhos memoráveis da artista serão recontados justamente pela escola que a revelou, na revolução estética iniciada nos anos 1960.