Jan Theophilo
‘O Bosque está morrendo”, afirma o engenheiro Miguel Ramires, ex-síndico de um condomínio vizinho e que costuma correr há mais de 20 anos pelos caminhos do parque: “Não há manutenção das alamedas, e quando a gente cobra alguma coisa, o papo das autoridades parece que é sempre meio ‘comigo não tá’”, reclama. Para Miguel, os problemas só tendem a se agravar, porque, diz ele, as condições do entorno do parque mudaram drasticamente ao longo das últimas décadas.
Em outubro do ano passado, grupos ambientalistas partiram em busca de um motivo para o assoreamento do lago e rapidamente encontraram um peixe grande em quem pôr a culpa: a Ingá, concessionária de saneamento que está investindo R$ 250 milhões na dragagem no Complexo Lagunar da Barra e de Jacarepaguá, com o objetivo de recuperar a vida dessas lagoas. Meses antes a empresa havia feito obras para ampliação de uma estação de tratamento de esgoto que incluía a escavação de uma piscina de seis metros de profundidade – que segundo os ambientalistas teria causado o rebaixamento do lençol freático. Na lógica da patrulha ecológica, aquela era a explicação para o assoreamento. Foi aberto um inquérito policial, o Ministério Público exigiu da concessionária um pedido de explicações e a Prefeitura, além de mandar parar as obras, abriu um buraco em um muro para que os jacarés e capivaras pudessem migrar para outras áreas. Até onde se sabe nenhum jacaré invadiu a piscina de ninguém. Segundo os biólogos, exatos 27 deles viviam no Bosque da Barra.
A Ingá, em sua defesa, apresentou dados e documentos da própria Prefeitura sustentando que, por mais bonito fosse, o lago não é natural. Ele seria formado por dois alagados, uma espécie de poça gigante formada pela combinação de chuvas com o lençol freático, popularmente conhecida como brejo, e sem qualquer conexão com as lagoas de Jacarepaguá. Segundo a empresa o lago foi pro brejo devido à estiagem do ano passado, a maior já registrada no Rio em 27 anos. Mas os argumentos ainda não foram suficientes para convencer autoridades ambientais de que as obras não têm nada com o revés.
Técnicos do Instituto Estadual do Ambiente (Inea) e da Secretaria Municipal do Meio Ambiente refutaram os argumentos e insistiram na responsabilização da Ingá. Hoje, o inquérito policial continua em andamento e a concessionária já se prepara para a eventualidade do pedido de informações do MP vir a se tornar um imbróglio judicial. Em conversas com a ‘Agenda do Poder’, diretores da Ingá garantiram ter todas as licenças ambientais necessárias para suas obras, e que a tal piscina fica duas vezes mais distante do lago do que fora solicitado – o que não teria como afetar o lençol freático.
Em seus bons tempos, o Bosque da Barra contava com uma ampla estrutura de lazer, com quadras de vôlei, campos de futebol, grandes gramados e playgrounds. No projeto original de Lúcio Costa, o bendito lago estava lá, com direito a uma ilha no meio. Um Núcleo de Educação Ambiental, que promovia diversas atividades educativas com crianças, como visitas guiadas, palestras e exposições está fechado com faixas amarelas. E há também uma pista de corrida que circunda e contorna todo o parque, ou seja, cuja extensão corre ao longo das cercas que delimitam o Bosque da Barra. Mas o problema é que aqui mora o perigo. Por razões bem simples é cada vez mais raro ver gente correndo por ali.
“Eu estava saindo do trabalho no Casa Shopping e resolvi voltar a pé. Quando estava no lado do Bosque voltado para a Avenida Ayrton Senna, um bandido me mostrou uma faca, pediu meu celular, se meteu entre as grades e sumiu lá dentro”, conta Alexandre Rodrigues, morador de um condomínio da região. Há diversos trechos de grades entortadas ou amarradas de maneira improvisada com fios de arame. Indagada a respeito, a Secretaria Municipal do Meio Ambiente respondeu em nota que “a área entre a Avenida Ayrton Senna e a Avenida das Américas tem sido alvo frequente de tentativas de arrombamento por parte de criminosos, especialmente durante a noite. Essas ocorrências são prontamente reparadas, visando garantir a segurança e impedir invasões. A secretaria tem contado com o apoio diário do 31º Batalhão de Polícia Militar (BPM), que realiza rondas constantes no local para coibir essas ações e reforçar a segurança do parque”.
Mesmo assim é triste caminhar pelas alamedas onde parece que tudo em volta é mato e os triciclos, alugados por R$ 25 para um passeio de 40 minutos, permanecem paradinhos, um do lado do outro, sem quase nenhum interessado. Mas mesmo ferido, o Bosque da Barra continua sendo o que sempre foi: um refúgio onde subsistem características originais de restinga com áreas arenosas, brejos e várzeas e onde podem ser encontradas diversas espécies florísticas ameaçadas de extinção. Salvá-lo, é uma obrigação.