Bruno Agostini
No primeiro domingo de funcionamento, já havia clientes na porta às 11h30, observando o cardápio, e aguardando a abertura da casa, ao meio-dia. O chef argentino Gonzalo Vidal andava pelos dois salões, e ia à porta, dar boas-vindas aos clientes. Dava orientações aos garçons, entrava e saía da cozinha, falando com a equipe. Enquanto isso, limpava o balcão de mármore branco do bar, e passava pano no piso de madeira, que parece antigo – e é, mas não original do imóvel, veio de demolição. Impressionante no Gonza, o mais novo restaurante do Rio, que promete ser uma das grandes, senão a maior, novidade do verão carioca, é que dois dias depois de abrir as portas na Rua Pacheco Leão, no Horto, o lugar parece ter anos de História. O projeto arquitetônico coordenado pelo cozinheiro nascido na província de Santa Fé se empenhou em ficar parecido com algo clássico, com vida, inspirado nos bodegones portenhos, os clássicos bares da capital argentina, trazendo na decoração fotos antigas da família de Vidal, e itens de colecionador, pinçados em antiquários, como grandes garrafões e placas de bebidas. Já nasce como se estivesse desgastado pelo tempo. Vidal, no salão, parece maIs anfitrião do que chef: recebe os clientes na porta, conduz às mesas: dá para perceber sua alegria com a casa novinha em folha, mas que é resultado de anos de planejamento.

– Adorei abrir com fila – disse Gonzalo, pouco depois do meio-dia do primeiro domingo de funcionamento, dia 12 de outubro, quando algumas pessoas já estavam na calçada aguardando a sua vez de entrar.
Nessa construção de um restaurante, um dos elementos mais importantes, da cenografia e do conceito é uma antiga máquina de cortar embutidos, que chama a atenção na boqueta da cozinha: é um fatiador vermelho da Berkel, de 1950, que veio da Argentina, depois de ser restaurada.
– Achei que nem ia cortar bem, mas está ótima: faz muito fino, parece papel de tão fina. Ganhei de presente – conta Vidal, que cuidou de cada detalhe, não só do menu, mas também da decoração.
– A casa ficou pelada, tiramos tudo o que havia, piso, revestimentos, e começamos do zero. Demoramos muito tempo para achar a casa. O Cello disse: relaxa, quando for o lugar, você vai sentir. Cheguei aqui e senti mesmo essa sensação de que é esse o lugar. Estou feliz – comenta o chef, nascido em Santa Fé, que está na empreitada ao lado do empresário Cello Camolese, que cuida da parte de gestão, à frente de lugares como a Casa Camolese, no Jockey, e o Mitsubá, que está de mudanças: deixou o Leblon e em breve abre as portas no Jardim Botânico, ali perto do Gonza.

O destaque dado ao fatiador vermelho da Berkel não é mera estética. Ele tem papel muito importante no serviço. Um dos pontos altos do cardápio é a charcutaria, com uma seleção de embutidos e carnes curadas que são servidos em uma tábua, que no período de inauguração traz pastrami de língua, chorizo, longaniza e uma mortadela que também tem papel importante em uma receita que já nasce como emblema do Gonza: a milanesa do Gonza, uma versão feita com filé mignon, muito bem empanado, servido com molho de tomate, mozzarella de búfala e a própria mortadela, além de salada verde e purê de batata – ou fritas, de verdade, das melhores da cidade.
Chama a atenção do salão onde está o bar a câmara de maturação, envidraçada, onde vemos os salames e outras peças passando pelo processo de cura. O pastrami de cupim ainda vira um sanduíche, com queijo meia cura, picles e mostarda Dijon, no brioche.
O cardápio nasceu enxuto. Tem uma página dedicada à charcutaria da casa, e aos queijos artesanais brasileiros. Na segunda, temos “empanaditas no forno a lenha”, de carne, de polvo e de milho verde com cebola caramelizada e provolone; crudos, um preparado rapidamente na brasa, e outro, batizado de Pé na Areia, com molho ponzu de mate e servido com um delicioso biscoito de polvilho “Globo”, produzido ali; além de uma seção de entradas, com o steak tartare beneditino, uma mescla da carne crua temperada com o ovo envolvo em molho hollandaise, e uma vistosa tortilla de batatas recheada com espuma de aioli de alho assado, que ao ser cortado derrama sobre o prato um creme leve e aerado.
Na parte dos pratos principais, pelo menos por enquanto são nove. E fica muito difícil escolher entre a já citada milanesa do Gonza e outras receitas, como o polvo grelhado com cavatelli caseiro à bolonhesa e demi-glace; o arroz ao estilo espanhol, de camarão e chistorra do mar (linguiça artesanal de peixe branco e camarão); e as lulas grelhadas com purê de berinjela, brócolis na brasa, bagna cauda e vinagrete de pimenta-de-cheiro.

Além dos embutidos, outra especialidade do chef Gonzalo Vidal são as sobremesas, que além de saborosas, são bonitas e irreverentes, com apresentação caprichada. O Gringo e a Gata é uma releitura do Romeu e Julieta, uma torta de Catupiry que faz lembrar um pedaço de brie, com recheio muito cremoso, com calda de goiabada cascão e sorvete de goiaba; enquanto a bananita reproduz a fruta, uma mousse de banana com caramelo salgado, chocolate branco e gelato de banana. Sobre o balcão, outra estrela entre as sobremesas: a Rogel, uma espécie de torta, com camadas de massa fina e crocante recheadas de doce de leite, com merengue e toque de limão siciliano.

AS NOVIDADES DA ESTAÇÃO
Nas últimas semanas o Rio ganhou vários novos bares e restaurantes, e outros muitos virão durante do verão 2026-2026. Lugares mais informais, com mesas nas calçadas e menus próprios para petiscar apontam para essa tendência.
Uma das melhores dessas novidades nasceu como operação dedicada só às entregas, mas começou a espalhar mesinhas pela frente da loja, na rua Dr. Marques de Canário, no Leblon. O Donburizin foi criado pelo chef Maciel Paiva, um famoso sushiman que atende celebridades como Bruna Marquezine e Maísa, muitas vezes cozinhando na casa dos artistas, que contribuem com a sua fama postando nas redes sociais a sua cozinha japonesa que vai muito além dos peixes crus. Podemos considerar, sim, que o donburi, um prato de arroz finalizado com lâminas de peixe cru, tartares e outros acabamentos cobiçados, como uni (ouriço) e unagui (enguia), mini polvo japonês e king crab; os sushis e sashimis e outros preparos frios tradicionais do Japão são a grande especialidade. Fato, mas as receitas quentes merecem a atenção, como o ebi furai, uma porção deliciosa de lagostins empanados envoltos em molho apimentado; a guioza de porco e o katsu sando, sanduíche de porco empanado, são dignos de (muita) atenção.

Na Tijuca o músico Gabriel Cavalcante abriu as portas do Bar Miudinho, que podemos classificar com um botequim japonês carioca, um legítimo izakaya tijucano. Ele ocupa, além da varanda, também a calçada da rua Visconde de Itamaraty, ali no encontro da Tijuca com o Maracanã, servindo petiscos, numa seleção na qual se destacam os espetinhos: especialidade em espetinhos: tem de língua, lambuzada com shoyu koji, tarê e pimenta; de trilha no tarê; de barriga de porco com suco de abacaxi e shouy koji; de bacon com tarê e moti (um bolinho de arroz japonês); de berinjela com missô; e de fígado de galinha, que ganha textura de patê.
Em Copacabana, na Av. Prado Júnior, o Conserva Bar traz inspiração dos bares de estufa famosos em Belo Horizonte, que mantém uma vitrine aquecida com pratinhos como as almôndegas em molho de tomate, queijo coalho com bacon, torresmo, e língua ao Madeira, entre outros; e outra refrigerada, com carne louca (uma conserva de lagarto), salada de batata com bottarga, escabeche de sardinha, enroladinho de mortadela, vinagrete de mexilhões, ovos de codorna, tomate confitado e queijo Canastra. A empreitada reúne três bartenders, a dupla Igor Renovatto e Raí Mendes, do Suru Bar e do Suru Bafo, e Thiago Teixeira, que atua como consultor, que criaram uma carta de drinques explorando as bebidas brasileiras, com destaque para as conservas etílicas, um trio de coquetéis autorais, servidos com alguma conserva salgada.
Outra novidade é o Itsáry, no Centro, restaurante do chef Rafael Scatolin (ex-Lilia). Com um menu dividido em quatro etapas: “Para começar”, “Entradas”, “Pratos” e “Sobremesas”, a cozinha aberta com alguns poucos lugares no balcão é um convite ao compartilhamento. Há tábuas de embutidos, e de queijos, que podem ser pedidas juntos com o couvert que tem bom sourdough. Para as entradas, temos ostras assadas com ovas; repolho roxo braseado com molho de tahine; e carne crua de Red Angus com gema curada, conserva de cogumelos defumados e couve frita. Par o principal, tem feito muito sucesso o cupim assado por 12 horas, com mousseline de baroa e queijo Canastra.
E tem muito mais coisa por vir nas próximas semanas. A primeira delas, prevista para 18 de novembro, é o italiano Gianfranco, espécie de filho mais novo do Pope, quem tem por trás a dupla Edu Araújo e Jonas Eisengart (juntas também no Quartinho, no Chanchada e em outras casas de sucesso) e o chef Matheus Zanchini Barrella. (A turma do Clan BBQ, no Leblon, pegou o ponto ao lado, e vai abrir ali, logo no início de 2026, um outro italiano).
Raphael Vidal, por sua vez, tem duas novidades no forno, prestes a sair, quentinhas. O Fumeiro e o Galeto Comendador. São duas lojas coladas, com 120 metros quadrados cada, que vão dividir bar e cozinha, mas com cardápios diferentes. O primeiro, típico das galeterias clássicas do Rio, o segundo, uma homenagem às técnicas ancestrais de preservação de carnes, através da defumação. Abrem em novembro, ali pelas bandas do Beco das Sardinhas – onde ele já tem o Capiau – à Igreja de Santa Rita.
Quem também prepara novidades em dose dupla é o peruano Marco Espinoza, do Lima, Cantón e Kinjo. Estão em obras, com previsão de inauguração ainda em novembro, também o Chicharrón, uma casa de sucos e sanduíches, na Av. Princesa Isabel, em Copacabana; e o Kata, um japonês moderno, criado para o público jovem com dois andares, no Humaitá, juntinho à Cobal.
Fora isso, estão muito perto de abrir na Zona Sul duas marcas já bem conhecidas. O Pobre Juan está chegando a Ipanema, instalando-se num imponente casarão de três andares, na esquina Rua Henrique Dumont com a Visconde de Pirajá; enquanto o boteco do chef Lúcio Vieira, o Labuta, vai abrir inaugurar uma unidade na Rua Dias Ferreira, no Leblon, reunindo um pouco de cada uma das três lojas: Bar, Mar e Braseiro. Neste verão, a gastronomia carioca está fervendo com tantas boas novidades.

CHARCUTARIA ARTESANAL CARIOCA EM ALTA NOS BARES E RESTAURANTES
Uma dessas muitas novidades da temporada primavera-verão é o Ophelia, em Ipanema, que tem por trás da cozinha o chef Pedro Attayde, do Jurema Bar (e do Jurema Brasa), na Glória, e também o mestre charcutier da Cochon Rouge, responsável pela produção de terrines, patês, pastrami, linguiças, salsichas e outros embutidos e carnes curadas. Assim como acontece com o Gonza, ali também haverá câmara para maturação das peças, além de uma área de preparo exclusiva para essa relevante parte do cardápio, a charcutaria.
A Cochon Rouge, além da venda direta para os consumidores, tem produtos espalhados por bares e restaurantes cariocas, como a casa Milá, em Laranjeira, e a Churrascaria Palace, em Copacabana.

O Porco Alado, instalado em Nova Friburgo, é outra charcutaria famosa, que também fornece para estabelecimentos cariocas, como The Slow Bakery e Polvo Marisqueria, ambos em Botafogo (para o restaurante da chef Monique Gabiatti eles criaram uma linguiça de porco Moura com camarão e lula em sua tinta, que dá origem a um pastel servido com limão e pico de galo).
Quem também aposta nessa tendência é Marcelo Malta, do Malta Beef Club, que se tornou parceiro da Fazenda Mutum, em Pirenópolis, Goiás, onde se cria gado de raça Curraleiro Pé-Duro. Ele, que já fazia a sua própria linguiça há algum tempo, agora está com uma receita nova em suas duas casas.
– Nós estamos fazendo toda nossa charcutaria: linguiças, salames, copa, speck, lonza, pancetta, guanciale etc – diz Marcelo Malta.
O mesmo acontece na Casa 201 (e no Balcão 201). O chef prepara em sua cozinha de produção, no restaurante do Jardim Botânico – dono de uma estrela Michelin – embutidos, patês, terrines e carnes curadas são que usadas em seus menus degustação, servidos ali, assim como no cardápio de seu bistrô e bar mais informal, no Leblon. São itens que variam bastante, mas há sempre um pastrami (que também vira croquete), uma mousse de fígado de galinha, uma rilette de porco e uma terrine de campagne para a gente petiscar: uma boa pedida é a tábua de charcutaria, com queijos, mel de abelhas nativas e a schiacciata, um pão aerado, primo da focaccia.
Pastrami, e charcutaria, também é especialidade da Roberta Sudbrack, e de Diogo Teixeira, da Curadoria, que tem uma linha de produtos que inclui ainda bacon, lombo canadense, salmão curado e defumado a frio e um pastrami de porco, itens usados em seus cardápios. Esse verão confirma: a charcutaria artesanal carioca está em alta nos bares e restaurantes da cidade.








