EXPOSIÇÃO: A CARA DO CARNAVAL

Um artista italiano que se apaixonou pelo Rio promove uma exposição criativa

Aydano André Motta

A emoção transborda dos milhares de corpos que atravessam a Sapucaí, ano sim ano também, nos desfiles das grandes escolas de samba. Fantasiados, os componentes experimentam êxtase único, no ritmo vigoroso da bateria, na música arrebatadora, na beleza eletrizante do espetáculo. Está na cara – e nas fotos de Riccardo Giovanni, italiano radicado no Rio e inegociavelmente apaixonado por Carnaval.

Quando chegou à cidade, 23 anos atrás, ele nunca tinha ouvido falar da festa. Encantou-se, primeiro, pela praia e a atitude dos frequentadores, alegres e apaixonantes, que têm o hábito de se beijar em permanente celebração. Um dia, ouviu de um conhecido: “Você tem que ver o desfile”. Inicialmente, ele não se mobilizou, achou que seria como a folia em Veneza. Quando enfim conheceu a Sapucaí, ficou para sempre.

E olha que foi de camarote, tradicionalmente o lugar mais frio – ou menos quente – do paticumbum. Mas ao ver uma alegoria cheia de pessoas, “umas cem, se mexendo em sincronia”, constatou estar diante de algo único no mundo. “Entendi ali o nível genial de realização”, exalta. Não dá para dimensionar a complexidade se não vir ao vivo”, aponta.

Giovanni, então, embrenhou-se numa missão do tamanho da vida: capturar imagens, ao longo de uma década, das escolas e seus integrantes. Levou outros dez anos para conseguir acesso, mas em 2015, começou sua jornada, primeiro pelo aprendizado para documentar a manifestação que conjuga rapidez, riqueza, complexidade, tensão, drama e alegria, num caldeirão muito específico. “Não há nada parecido no mundo”, define.

Deu no “Carnaval que ninguém vê, O Encanto da Arte Fotográfica na Marquês de Sapucaí”, exposição de Riccardo Giovanni em cartaz no Porto Maravalley, o hub de tecnologia do Porto Maravilha. A mostra reúne inspirada seleção de painéis impressos em telas canvas, que traduzem com precisão a intenção do trabalho: revelar detalhes de maquiagens e materiais, assim como a emoção do espetáculo, a respiração antes do primeiro passo na avenida, o grito, o canto, a experiência. Cada imagem convida à contemplação, para reproduzir a tensão de quem participa da maratona dos bambas, materializando a força da exposição.

Não são imagens posadas, mas flagrantes. Giovanni empenhou-se para não ser notado pelos componentes, que assim exibem toda a complexidade dramática do espetáculo. “Muitos elementos fascinantes da apresentação estão escondidos em uma intrincada combinação de planejamento, dedicação, estudo, precisão técnica e tecnologias para permitir que cada imagem possa existir e cada momento, celebrado”, discorre o artista. “A emoção é o conjunto da arte moderna, viva”.

Ao longo de quase dez anos, o italiano postou-se no setor 5 da Passarela, em todos os dias de desfile. Enfrentou chuva, toureou o cansaço, aguçou o olhar, operou os equipamentos – no fim, produziu acervo único. Criou, ao longo do tempo, técnicas que envolvem desde equipamentos exclusivos até rotinas de calibração de cor específicas pelos materiais escolhidos pela impressão. “A partir do momento em que a foto é tirada, passando pelo processo de impressão e terminando em como as imagens podem ser admiradas, diversas tecnologias, antigas e modernas, trabalham em conjunto para presentear o público com uma nova maneira de apreciar os desfiles do Carnaval – como uma forma de arte em si“, sustenta.

Ao longo dos anos, evitou escolher uma escola, entendendo os grêmios da folia como “iguais, todos vencedores”. Evita conhecer enredos e pessoas, para não contaminar o trabalho. “Sei das regras, compreendo a competição, mas para mim todas ganham. Cada escola é linda à sua maneira e minha emoção se mantém igual”, observa, narrando o imenso desafio físico. “Fico até o fim sem nem sentar, comendo em pé, correndo de um lado a outro, carregando o equipamento”, descreve, acrescentando que demora até duas semanas para se recuperar da missão.

No fim, resta o orgulho temperado pela paixão que o emociona durante a entrevista. “São momentos únicos, que aconteceram ali e não vão se repetir”, aponta, revelando que se tornou fã e frequentador dos desfiles também na Intendente Magalhães, a avenida do subúrbio, prima pobre da platinada Sapucaí. “Lá, são as famílias, a sociabilidade, o despojamento. Lindo demais. Recomendo”, elogia ele, que, ao longo do trabalho, teve aval das referências Haroldo Costa e Ricardo Cravo Albin.

Mas como acontece com os carnavais, terminou. Riccardo Giovanni deu por encerrado o trabalho em 2024, ao completar dez anos de avenida, na jornada iniciada em 2015. “Um período incrível da minha vida, que me emocionará sempre. Mas não podia durar para sempre”, resigna-se ele, que guarda todos os coletes de imprensa e credenciais de acesso aos desfiles. Além de carregar, tatuadas na parede da memória, as lembranças do espetáculo único no mundo, devoção do carioca que casualmente nasceu na Itália.