Aydano André Motta
Cercada pela Mata Atlântica do Parque Estadual da Serra da Tiririca, num canto de Niterói, o Quilombo do Grotão ganhou fama além das fronteiras da antiga capital fluminense por pendores ultracariocas – em especial a roda de samba e a feijoada dos sábados e domingos. Lá, brilha, desde jovenzinha, a cantora, cavaquinista e violonista Mari Braga, que recentemente explodiu nas redes sociais com versões autorais dos sambas-enredo das grandes escolas do Rio.
Dona de voz aveludada, sorriso cativante e estilo único, ela faz releituras dos hinos que vão passar na Sapucaí, em vídeos compartilhados avidamente pela bolha carnavalesca. A safra de 2026 é a terceira que conta com as versões de Braga. Tudo muito simples: sorriso, voz e cavaquinho. Basta para se transformar na parte mais popular do trabalho dela, que há 16 anos se apresenta semanalmente no Quilombo.
Nas rodas que atraem multidões, como uma das mais badaladas do Rio, ela está em casa – literalmente. A artista é quilombola, nasceu 33 anos atrás no território niteroiense, hoje com a titulação em fase final de tramitação. Os ancestrais de sua mãe foram escravizados em Sergipe e, ao serem libertados, vieram para Niterói, trabalhar na fazenda que havia na Serra da Tiririca. Ali, fundaram o Quilombo do Grotão. O líder atual, José Renato Gomes da Costa, o Renatão do Quilombo, criou a sede do território, com a indenização recebida na demissão do emprego de segurança do Banco do Brasil. Ele é tio de Mari Braga.
O samba está na vida dela desde sempre. Em sua casa, os discos não paravam de tocar hits do gênero e, aos 6 anos, ela passou a cantar na missa aos domingos. Com 15, dominava o violão e, um dia, ganhou revista de partituras. Pediu emprestado o cavaquinho de um primo e aprendeu rapidamente. “Só recentemente fiz algumas aulas de música. Aprendi na intuição, de ouvido”, explica ela, como quem carrega a música no DNA.
No fim do ano passado, Braga postou pelo segundo ano sua versão dos sambas-enredo e logo depois de publicar o do Salgueiro, recebeu mensagem do ex-presidente da Mangueira (e percussionista espetacular) Ivo Meirelles. Ele estava com o parceiro Xande de Pilares e falou da admiração dos dois pelas criações dela. Mas havia um problema: o cavaquinho não estava à altura da qualidade musical. Assim, decidiram dar a ela um instrumento com mais qualidade.
O sorriso de Mari Braga se iluminou ainda mais intensamente, como na realização de um sonho. “Nossa, foi demais saber que profissionais consagrados como eles prestam atenção no meu trabalho”, orgulha-se. “Agora tenho um cavaquinho top de linha”, festeja, grata pela generosidade dos padrinhos.
Mari Braga toca também no grupo Um Amô com três parceiras. Integra, desde 2016, a bateria da Viradouro, tocando caixa. Foi ela que, em 2020, no desfile campeão da escola niteroiense, subia, com outra ritmista, tocando tibau no meio da ala, imagem inesquecível daquele Carnaval. “Meu desfile preferido, claro”, atesta a artista que, mais recentemente, entrou para o time dos tamborins da Vila Isabel e, em 2023, desfilou como cavaquinista no Império da Tijuca, na segunda divisão da folia. A única mulher a tocar o instrumento na Sapucaí.
Naturalmente, Braga integra as fileiras da luta por mais espaço feminino em postos-chave das escolas. Por isso, louva a chegada de Jessica Martin, que vai estrear como intérprete principal (ao lado de Nino) na Beija-Flor, e de Elisa Fernandes, diretora de Carnaval da Unidos da Tijuca. “Temos várias mulheres com potencial para chegar também. Basta ter oportunidade”, prega. “A representatividade ainda está devagar, mas aos pouquinhos, a gente avança”.
Jamais por acaso, lista como influências Maria Menezes (vocalista do grupo Arruda), Teresa Cristina e Marina Íris, “além das de patente alta”, como Alcione, Leci Brandão e Dona Ivone Lara. Apesar da opção pelo samba, também passeia, como ouvinte, pelos totens da MPB, entre eles Tim Maia, Djavan e Luiz Gonzaga. “Admiro a música brasileira, porque é quente, a nossa cara”, traduz.
Apesar do sucesso nas redes, ela não se considera influencer. “Pelo contrário, é apenas um suporte para meu trabalho”, garante, contando, orgulhosa, viver “100% de música”. Porque a arte que brota do quilombo carrega firmeza, atitude e coerência.








