CORRER É BOM DEMAIS

Aydano André Motta

Mar de um lado, montanha e floresta de outro; sol (quase) o tempo todo, brisa, pouca chuva, nenhum frio… Só não se distraia em excesso: a qualquer momento, passa uma turma do passo firme, concentrada no tempo e no ritmo. Por calçadas, ciclovias, parques, trilhas, areias e até no asfalto, do amanhecer até tarde da noite, o Rio de Janeiro transformou-se na capital das corridas de rua. Um volume de praticantes que não para de crescer.

Um dia, foi modismo, importado da Califórnia, berço do esporte; hoje, virou hábito generalizado, integrado à paisagem carioca. Das poucas pesquisas existentes, uma, de 2024, encomendada pela grife de material esportivo Olympikus, estimou em 13 milhões a multidão de corredores no Brasil – semelhante à população da Região Metropolitana do Rio, a segunda maior do país.

A terra carioca, com sua coleção de encantos, tornou-se rapidamente uma das mais populares entre os corredores. Na era das redes sociais, estão (quase) todos lá, exibindo seus paces (o ritmo da corrida), inserindo-se nos mais belos cenários, sozinhos ou em grupo, com garrafinha, filtro solar, fone de ouvido, relógio com GPS, roupas tecnológicas, tênis coloridos. Numerosos fiéis da religião saúde.

Tem gente que chegou outro dia – caso da profissional de marketing Fernanda Pereira, 39 anos, que, até três anos atrás, era “totalmente sedentária”, assume sem rodeios. Para complicar, toureava problemas de ansiedade, quando viu uma prima correndo e resolveu tentar. “Não aguentei 100 metros”, lembra, num sorriso tímido. “Mas decidi seguir, para sair da zona de conforto. Virou momento de desopilar”, explica ela, que hoje corre três vezes por semana.

Fernanda integra-se, assim, aos 46% aferidos na pesquisa da Olympikus – chamada “Por dentro do corre” – que mantêm a atividade para melhorar a saúde mental. Funciona, atesta ela, que posta seu progresso num divertido perfil no Instagram (@a.fernanda.pereira, 40 mil seguidores). Fez tanto sucesso que motivou convite para ser embaixadora da Maratona do Rio, o grande evento do calendário por aqui, na categoria 5km.

Moradora do Engenho Novo, ela varia os lugares de corrida e, recentemente, maravilhou-se com as belezas e o sossego da Quinta da Boa Vista. “Aprendi a ter paciência com o progresso e sempre invisto em looks novos, para aumentar a energia”, receita. Além da grande vantagem: fazer amigos. “É uma quantidade absurda”, admira-se. “Somos uma comunidade muito feliz. Não vou deixar de correr nunca mais”.

Ela chegou agora numa aldeia na qual um colega embaixador da Maratona carioca está desde sempre – e hoje virou astro das redes sociais (mais de 500 mil seguidores). Pedro Paulo de Mendonça Silva, ou PP, o homem do bordão “Correr é bom demais! Tá maluco!”, que madruga em Maria da Graça, bairro da Zona Norte onde mora desde criança, e sai sem camisa pelas ruas esburacadas, esquecidas pelos governantes, subúrbio afora, percorrendo distâncias imensas da cidade na atividade física. Impossível não ir atrás.

“Corro onde moro. Em termos logísticos, é o melhor para mim, mas a infraestrutura beira o absurdo”, critica ele, casado com Camila e pai do Lucas, bebê de seis meses. Apesar dos muitos pesares, PP encanta pela alegria. Sorriso cristalizado no rosto, percorre a cidade, geralmente ao amanhecer (“Olha lá o lourão dando as caras”, cumprimenta o sol). E encara como missão, para melhorar a vida dos vizinhos de Zona Norte. “No que eu puder fomentar a gana das pessoas de irem pra rua, quanto mais força eu puder dar para movimentar as regiões impróprias à atividade física, mais força teremos para mudar a realidade”, mobiliza, na melhor atitude cidadã. “O movimento de corrida nos subúrbios e periferias está ficando gigante. Precisamos de atenção”, reivindica.

E para se engajar, basta querer, até porque nada pode ser mais simples. “Você não precisa de quase nada para correr”, ensina PP. “Qualquer tênis, um short mais ou menos, passa vaselina no meio das pernas para não assar e só vai, na simplicidade. Não há esporte mais democrático”, elogia o professor de Educação Física, pós-graduado em Fisiologia e influencer.

A popularidade detectada por Pedro Paulo se expressa também nas muitas corridas de rua espalhadas pela cidade. Serão cerca de 200 ao longo de 2025 ou 57% de todos os eventos esportivos por aqui. O auge da temporada de 18 a 22 de junho, o período da Maratona do Rio. Até o meio de abril, havia 55 mil corredores inscritos, mais de 85% de fora do estado. Ano passado, o impacto econômico chegou a R$ 355 milhões, com a criação de mais de 2,8 mil empregos diretos e indiretos gerados. É como os shows mais concorridos ou o desfile das escolas de samba na Sapucaí: os ingressos esgotam-se em minutos!

Há muito mais por onde correr. Durante o ano, as corridas reúnem uma turma com energia lá em cima, e no fim todo mundo ganha sua medalha (além de banana para repor as energias). A professora de Educação Física Cláudia Melo refinou o modelo e criou a Rio Running Tour, agência de turismo voltada para corredores. Num calendário semanal, guias especializados conduzem os clientes por lugares icônicos da cidade, narrando a história que aconteceu ali.

“Somos pioneiros na América do Sul e a única do Brasil com o serviço”, explica Claudia, ex-ultramaratonista que hoje mantém a forma na dedicação à sua empresa. “Apresentamos a cidade para quem é de fora em percursos específicos”, acrescenta, informando que os passeios limitam-se a 30 pessoas. Em maio, haverá “Correndo na Lagoa”, dia 11; “Correndo entre o sagrado e o profano”, dia 18; “Correndo para o Pão de Açúcar”, dia 25. Quem quiser, convém se inscrever logo, porque esgota rapidamente.

A Rio Running Tour ainda cuida de corredores que vêm ao Rio para provas específicas. Cuidam de pegar o kit – normalmente nos dias que antecedem o evento – e do transfer do hotel até o local da prova e na volta. “Muita gente do interior do Estado do Rio e de outros lugares do Brasil nos procuram com a demanda”, atesta ela, que está sempre com lotação esgotada. “Ainda desenvolvemos um tutorial para iniciantes na atividade”.

Nessa vida que atrai cada vez mais gente, a arquiteta Rosália Guarischi está desde 2005. Praticante de esporte desde sempre, começou ainda nos tempos da faculdade, na Praia do Pepê, na Barra, com amigos do windsurfe. Quando começou a trabalhar, cumpria o trajeto do Leblon, onde mora, a Urca, onde fica o escritório, de carro e, no engarrafamento, invejava as pessoas no calçadão. Ainda por cima, recebia multas por estacionar em locais proibidos, perto do trabalho.

Um dia, tomou a decisão: vendeu o carro – para o policial que a puniu várias vezes – e decidiu ir e voltar correndo, pela orla da cidade. Nunca mais parou. “Carrego a mochila com a roupa de trabalho e vou. Não uso mais carro, metrô, ônibus. Meu meio de transporte é a corrida”, relata, com alegria na voz, contabilizando 10 quilômetros na ida, pela manhã, e oito na volta, à tarde. “Consegui me organizar para fazer tudo assim”, festeja ela, que ainda cuida de apartamentos no sistema AirBnbs pela cidade.

Quando foi mãe, Rosália continuou no corre, empurrando a filha, Maria, no carrinho (hoje a menina, 10 anos, participa de corridas mirins). A arquiteta foi se aprimorando, passou a competir em maratonas, até se encantar pelas provas longas em trilhas. Atualmente, tem patrocínio de grifes esportivas e participa de corridas mais extensas, mundo afora. Escreveu dois livros “100 milhas”, descrevendo seis corridas do gênero, em países diferentes; e “Diário de uma ultramaratonista”, na qual narra a experiência na Western States 100, prova tradicional dos EUA, que sorteia os participantes, tamanho o assédio.

“Correr é coisa simples. Dá para fazer indo e voltando das tarefas cotidianas”, garante ela. “Só vai. Precisa ouvir o corpo, buscar o equilíbrio, mas depois que começa, ninguém para mais.

Ou seja: correr é bom demais!