CIDADE: RIO QUER BOTAR O PÉ NO FREIO

Acidente com ator abriu a discussão

Aydano Andrè Motta

A dupla de brasileiros em viagem estava atrasada, mas à sua frente abria-se cenário convidativo – uma via reta, impecavelmente pavimentada, quase sem carros. Sem negar a origem, os dois decidiram acelerar. Um quilômetro mais adiante, foram parados por uma patrulha de trânsito.

– Boa tarde. Os senhores estavam acima da velocidade permitida – comunicou o guarda, em inglês perfeito.

– Mas não tinha placa – esquivou-se (brasileiramente) o motorista.

– Vejo que o senhor está habilitado a dirigir aqui. Assim, foi informado de que em todos os perímetros urbanos do país, a velocidade máxima é 50km/h. Logo, não precisa de placa.

A cena ocorreu em Munique, na Alemanha e os brasileiros terminaram 80 euros mais pobres, devido à multa, paga ali mesmo na rua. Seguiram no ritmo permitido e com uma lição para a vida. Simples assim.

Passou da hora de o Rio e o Brasil adotarem o mesmo caminho, pisando no freio da insana velocidade praticada em suas ruas e avenidas. A Prefeitura carioca estuda a redução aos mesmos 50 km/h alemães para a circulação pela cidade. Hoje, o padrão está em irresponsáveis 70 km/h e há pistas, como o Aterro do Flamengo e o Túnel Rebouças, onde se pode acelerar a surrealistas 90 km/h.

O estopim para a decisão foi o atropelamento do ator Kayky Brito, na Avenida Lúcio Costa, na Barra, na madrugada de 2 de setembro. “Imaginar que nossa orla, lugar de contemplação, lazer e paz, tem velocidade máxima de 70km/h é um absurdo. Já determinei que a CET-Rio me apresente uma mudança no limite da orla. E vamos avançar com essas mudanças em outras vias da cidade”, disse o prefeito Eduardo Paes.

Hoje, o padrão está em irresponsáveis 70 km/h e há pistas, como o Aterro do Flamengo e o Túnel Rebouças, onde se pode acelerar a 90 km/h.

Noves fora a mudança só vir no bojo do acidente com uma celebridade – milhares de cariocas anônimos foram vítimas, ao longo dos anos, e nada aconteceu –, faz todo sentido. Além da Alemanha, muitas cidades mundo afora adotaram o mesmo caminho. As vias principais de Nova York permitem 50 km/h; nas ruas internas, menos ainda. Em Paris, a prefeita Annie Hidalgo anunciou a mudança para 30 km/h em todo o perímetro urbano. Tirar o pé do acelerador está na moda.

E será melhor para todo mundo, garante Danielle Hoppe, mestre em planejamento urbano e gerente de mobilidade ativa do ITDP (Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento), referência no setor que assessora a prefeitura. “Os 70 km/h são assustadores para quem vem de fora”, relata.

Hoppe explica que a Organização Mundial da Saúde recomenda 50 km/h como limite nos perímetros urbanos, mas o perigo persiste. A chance de uma pessoa atropelada a essa velocidade morrer chega a 85% – e desaba a 15% com o veículo a 30 km/h. Outro estudo atesta que uma pessoa atingida por um carro a 70 km/h sofre impacto semelhante à queda de um prédio de nove andares.

Ao anúncio do prefeito, seguiu-se imediatamente o mimimi nas redes sociais. Muitos incautos, em desprezo pela vida, reclamaram que vai piorar o trânsito – mas estão errados. Fortaleza limitou a 50 km/h e aferiu aumento de seis segundos por quilômetro nas viagens. “Em velocidade menor e mais uniforme, os carros se movem de maneira homogênea, aumentando a fluidez. A distância de segurança será menor e no mesmo trecho de via caberão mais veículos”, ensina Hoppe.

Não vai solucionar todos os problemas, mas com certeza as retenções não vão aumentar. E são segundos que valem a vida”.As pessoas ao volante devem entender que são convidados, usuários, e não donos das ruas. “Não é autódromo”, sustenta a especialista. Assim, vambora pisar no freio, motoristas!