CIDADÃOS DO MUNDO, CORAÇÕES DE BÚZIOS

MariNa e Alex Vale: casal que morava no Rio, até vir de vez para Búzios em 2021

Luisa Prochnik

Praias exuberantes, com e sem ondas, envolvidas por pedras, quando não caminháveis, perfeitas para serem admiradas e fotografadas. Tartarugas são visitas frequentes, há trechos da orla onde biquinis da moda desfilam, outros bastante vazios, e tem até um pedaço com areia cor de rosa. Búzios tem a rua mais chique do estado do Rio, a Rua das Pedras, e uma noite dançante com drinques até a manhã do dia seguinte. Há pessoas de todos os lugares do mundo, 56 nacionalidades mapeadas entre os moradores, além dos povos originários, de quilombolas a caiçaras. O glamour e a efervescência do balneário são parte do todo, já que Búzios é, antes de tudo, uma cidade pequena, que incha no verão, mas tem uma rotina bem mais calma fora do período de férias e nos dias de semana. Com aproximadamente 40 mil moradores, muitos a chamam de cidade do interior, apesar de ficar à beira do mar. Em resumo, um lugar apaixonante. Se você já o conhece, há de concordar. Caso nunca tenha vindo, cuidado! Às vezes, em apenas uma visita você pode resolver voltar em definitivo, já de mala e cuia.

Com o casal de corretores Janaina Morais e Osvaldo Neto foi exatamente assim.

— A gente chegou aqui e começou do zero. Nós viemos num fim de semana e no fim de semana seguinte a gente já mudou – relembra Janaina, que se tornou de fato corretora em Búzios, enquanto Osvaldo já tinha experiência em outras cidades.

Janaina e Osvaldo são de Minas Gerais. Eles moram em Búzios há oito anos e é no balneário que querem continuar vivendo. Pela qualidade de vida que a cidade proporciona, com banhos de mar do início ao fim do dia, mas, também, por terem construído uma empresa de corretagem sólida, a Búzios Imóveis Oficial, com clientes de todo o Brasil e do mundo. Janaina e Osvaldo não apenas se apaixonaram por Búzios como também viram tantos outros visitantes se tornarem moradores, principalmente durante a pandemia.

— A gente pode falar que tem Búzios antes da pandemia e tem Búzios depois da pandemia. Antes, estava bem difícil. Aí houve a pandemia, um momento que foi muito conturbado para muitas pessoas, mas para o mercado imobiliário, principalmente para Búzios, foi um grande boom.

As pessoas estavam precisando viver com qualidade de vida, sair da cidade grande, vivenciar aquele momento numa cidade mais tranquila. E a gente teve muitas pessoas saindo da cidade grande, principalmente do Rio de Janeiro, mas não só. Diminuiu o turismo estrangeiro, até os clientes também, principalmente argentinos. E teve um crescimento muito grande de pessoas de médio, alto padrão vindo para Búzios para morar – detalha a corretora.

Esse relato poderia ser a descrição exata de Marina e Alex Valle, casal que morava no Rio, até vir de vez para Búzios em 2021. Ele é advogado e ela, na época, tinha uma sociedade com uma amiga na área de marketing.

— Quando veio a pandemia, a gente primeiro ficou desesperada e resolveu começar a fazer planejamento de crise, usar nosso conhecimento para ajudar nossos clientes. Isso reverberou muito, novos projetos, novos contratos. Com toda essa pressão, excesso de trabalho, excesso de demandas, cuidar da casa, de tudo, eu dei uma surtada real —revela Marina.

— Ela falou que precisava sair, ver o sol. Nós viemos em outubro de 2020. Ficamos uma semana aqui num condomínio, eram três casais. Todo mundo usando a internet e funcionando. Teve uma hora que eu puxei ela para o jardim e falei: olha, está todo mundo trabalhando, sol, jardim. E, aí, topa?

Alex, que sempre foi no casal o que queria se mudar para uma cidade menor, fez a proposta e, dessa vez, Marina aceitou. Em seis meses, o casal estava em definitivo na cidade de Búzios.

A entrevista para esta matéria foi feita na atual casa deles. Espaçosa, cheia de árvores e cheiro do mar. O escritório da Marina é um anexo envidraçado, de onde ela pode dividir seus olhares entre a tela do computador e o jardim. A história deles com a cidade poderia parar por aí. Foram muitos que vieram para aproveitar apenas o combo qualidade de vida com trabalho caseiro. Mas Alex e Marina tornaram-se moradores mesmo, com direitos, praia todos os dias, mas, também, responsabilidades. Ele já tirou o título de eleitor a tempo da última eleição para presidente. Ela acabou de mudar o domicílio eleitoral.

— Quando ela falou ‘vou mudar o título para cá’, eu pensei: pronto, é a pá de cal – diverte-se Alex, que, do casal, sempre foi quem quis morar em uma cidade menor.

A pá de cal, no entanto, tem nome e pelos. Chama-se Max, um cachorro abandonado que surgiu no quintal deles, em Búzios, no dia seguinte a Marina ter pedido por um sinal de que estava tomando decisões certas na vida.

— Quando o Max surge, a gente saiu achando que era cachorro de condomínio. Mas, quando a gente conseguiu chegar perto dele, a gente viu que não. Ele era um cachorro de rua, muito magro, esquálido, pele e osso, todo machucado — diz Marina.

— Eu virei para ela, inocente, e perguntei e aí, e agora? E ela: e aí, e agora, esse cachorro é nosso — conta Alex.

Ele e Marina já tinham a Carminha, vira-lata adotada no Rio, que, a essa altura, completava nove anos. Sim, Max e Carminha, nada de coincidência. Os nomes são do casal protagonista da novela de sucesso da Rede Globo, ‘Avenida Brasil’.

Com espaço na casa e no coração, a família hoje tem o Jobs e o Pingo, mais dois cachorros que se adaptaram com facilidade ao esquema dos Valle. Neste meio tempo, Marina começou a fazer parte de uma incubadora de projetos socioambientais. Em meio a essa vontade militante, eles se juntam a outros apaixonados por cachorros e gatos e, assim, nasce o Pet Solidário. A instituição organiza eventos, arrecada fundos e contribui tanto para a qualidade de vida dos animais que têm lar – há diversos protetores que cuidam de muitos animais e precisam de apoio – e dos que moram na rua, assim como para a castração.

— Búzios é uma cidade muito pequena, tudo que a gente faz aqui tem um impacto muito grande. É diferente do Rio, em que você ter um trabalho social longe da sua casa. Búzios tem isso: você faz e você já vê fazendo diferença — explica Marina.

Yanieska Genaro é argentina, cineasta, veio muito antes da pandemia – está em terras brasileiras há mais de 20 anos – e traz a mesma percepção da Marina.

— Eu senti que aqui eu poderia somar com cinema, com arte, com várias coisas. De artista para fazedora de cultura e produzir com nossas leis culturais – conta em portunhol cativante, característico de argentinos que já moram há um tempo no Brasil.

Yanieska saiu do seu país para ajudar uma amiga e compatriota passando dificuldades em Salvador, na Bahia. Nem imaginava que dias depois teria que cancelar a continuação de sua viagem, com destino à Alemanha, devido ao ‘corralito’, como ficou conhecida a decisão do governo argentino de restringir saques bancários por seus cidadãos. Sem conseguir acessar seu dinheiro, Yanieska viajou por terras brasileiras de mochila nas costas. Amazônia, Rondônia, Amapá e, em algum momento, Búzios. Passo a passo, como garçonete, ainda trabalhando para o turismo como boa parte da população local, Yanieska montou curso voluntário de cinema, produziu curtas premiados, trabalhou em grandes produções nacionais, como ‘Tropa de Elite’, em funções diversas em cada uma delas: áudio, edição, caracterização. Hoje, ela dirige o Conselho Municipal de Cultura, órgão pelo qual tanto batalhou. Yanieska é do mundo, mas o coração é de Búzios.

— Búzios é um lugar espiritual. Embora a gente fale só do movimento turístico, é um lugar que tem muita energia, muita energia de transformação — transborda Yanieska.

Magia, conexão e, há 16 anos, um filho, legítimo buziano, já que foi uma das primeiras 600 crianças nascidas na maternidade recém-inaugurada da cidade. Antes, hospital existia apenas em Cabo Frio.

Pois é, filho. Filhos. O amor por eles faz com que qualquer viajante repense o plano de vida. Esse é o caso da francesa Valerie e seu marido, o alemão Jan Rabe. Eles vieram ao Brasil quando Jan foi convidado para trabalhar como chef, no finzinho do século passado, em rede internacional de hotéis. Angra dos Reis, no Rio, Atibaia, em São Paulo, e Búzios. Os dois filhos do casal são nascidos aqui, no Brasil, e, cansados de mudar tanto de escola e de amigos, tornaram-se a grande motivação para Jan sair do serviço de hotelaria e ele e Valerie, professora de várias línguas, mas que, em Búzios, teve pouca demanda, abrirem uma padaria. A padaria cresceu, mudou de rua, gourmetizou e, hoje, a Rabe Boulangerie tem Valerie na coordenação do atendimento com simpatia e agilidade e Jan no comando da cozinha. Eles servem pães artesanais, diversos, como a baguete tipicamente francesa, até um cardápio bem selecionado de opções de almoço. Os dois estão presentes o dia quase todo.

Quase.

— Nosso trabalho é de quatro horas da manhã até quatro horas da tarde. Mas você sai daqui, vai na praia, passeia com a cachorra — conta Jan.

A paixão pela cidade reverbera em seus moradores. Mas, nem por isso, os problemas deixam de ser citados por todos. O turismo é o carro-chefe para a economia local. O aumento de pessoas fixas na cidade, com um pico na pandemia, trouxe mais serviços à região, seja pelo investimento de quem chega como pelo aumento da demanda sobre o comércio buziano. No entanto, o aumento de moradores nem sempre é acompanhado pela melhoria da infraestrutura, com muitos citando o trânsito um dos problemas diários, entre tantos outros. Há relatos sobre o aumento da poluição e a ausência de bons teatros e cinemas, uma vida cultural mais ativa para além de grandes e caros eventos. Há problemas ainda mais complexos, que vão exigir do poder público de uma cidade jovem – emancipada apenas em 1995 de Cabo Frio – uma reorganização dos espaços, segundo Osvaldo Neto, corretor que veio de Minas citado no início da matéria.

— A gente tem muito imóvel irregular aqui, Búzios é carente de uma regularização fundiária, porque 70% do município é irregular de documentação – explica o corretor que aponta esse problema como um motivo de desconfiança para quem quer investir na cidade.

Yanieska traz outra preocupação alarmante para uma cidade que, desde 2022, frequenta noticiário com feminicídios em sequência, sem contar aqueles que não tiveram visibilidade, por terem acontecido em bairros menos nobres.

— No momento em que nós mulheres começamos a nos posicionar, quando o outro não tem diálogo, a violência é mais fácil. O feminicídio é parte dessa questão. De que a consciência também traz essa violência. (…) Que feminicídio existe e que é muito corriqueiro a gente ter situações de feminicídio, mas que antigamente não se falava. Só que tivemos situações desde 2022 que foram fortes para caramba. Um feminicídio por mês ou mais, alguns que não chegam a ser anunciados — expõe Yanieska, que cita nomes de vítimas recentes amplamente divulgados pela mídia, como Pâmela, Florencia, Evangelina e tantas outras.

Atualmente, a cidade de Búzios é comandada pelo prefeito interino Rafael Aguiar, após a chapa que venceu as últimas eleições ter sido acusada de abuso de autoridade e tido seu mandato cassado. Uma cidade pequena e paradisíaca, mas com desafios gigantescos e, agora, com um número maior de moradores para serem atendidos e, ao mesmo tempo, para contribuírem com um desenvolvimento mais sustentável possível para a cidade.