CALDINHOS: SABORES LÍQUIDOS

Trio de caldinhos do Boteco Princesa

Bruno Agostini

Era o início de uma tarde chuvosa no outono do Leblon quando passo na porta do Bracarense e leio no quadro, escrito a giz, indicando o menu do dia: “Caldo de bobó”. Tive que me sentar na varanda para me mimar um pouco. O prato de origem baiana é um clássico das quartas-feiras na casa, e pode ainda virar um sedoso creme de camarões, com leite de coco, dendê e coentro. A pimenta deixa tudo ainda mais agradável, e quentinho.

Caldinho de bobó no Bracarense

Inspirado por esse dia, e pelas temperaturas mais amenas da temporada de outono-inverno carioca, fui buscar nas memórias os melhores caldinhos da cidade. Aqueles que só de lembrar deixam a gente confortável e contente. Tem de tudo um pouco: feijão, mocotó, caranguejo, lagostim, dobradinha, paio na lentilha, siri, xinxim de galinha, ervilha, sururu, abóbora com frutos do mar…

Caldinho de mocotó do Jurubeba

Caldinhos são puro amor. Eles chegam a ser tão reconfortantes que podemos chamar de amigo. São tão íntimos de nós que usamos o diminutivo para nos referirmos a ele. O caldinho de feijão é um clássico dos botequins cariocas, presente em praticamente todas as biroscas da cidade, dos lugares mais simples até os endereços que andam na moda, os bares com grife, que carregam assinatura de chefs como Pedro de Artagão, do Boteco Princesa, Thomas Troisgros, do Tijolada, e Elia Schramm, do Jurubeba. Os três servem em seus botequins do Leblon, de Ipanema e de Botafogo, respectivamente, uma dupla infalível, e que se completa: caldinhos de feijão e de mocotó, que estão seguramente entre as melhores pedidas para acompanhar o chope nesses lugares.

Dondom e seu mocotó

Bom ver bares novos prestigiando o mocotó, essa iguaria que ainda sofre certo preconceito. Não sabem o que estão perdendo. Sabor e textura em evidência. Tem gente que bate ponto no Bar da Portuguesa, às sextas, só para poder tomar o caldo de mocotó de Dona Dondom, delicioso, como tudo o que ela faz. Às quintas, por sua vez, tem sopa de siri, mais um motivo para ir até Ramos. Já o caldo de grão-de-bico com bacalhau é servido todos os dias.

Sempre endereço de destaque no Comida di Buteco, o Bar do David, no Chapéu Mangueira, no Leme, criou para a edição deste ano o petisco Conexão, um creme de abóbora com frutos do mar, gorgonzola e torrada de camarão, servido na cuia. Certamente vai entrar para o menu, como sempre acontece.

Xinxim de mainha, n’Os Imortais

Já no bar Os Imortais, em Copacabana, o petisco do concurso é o Xinxim de Mainha: nada menos que uma panelinha de barro fumegante com “frango preparado com temperos baianos, em um caldo de camarão seco com castanha-de-caju e amendoim, com um leve toque de azeite de dendê”, como é descrito.

Paio na lentilha, no Baixela

No bar Baixela, em Copacabana, às vezes o prato da semana se torna um aperitivo, como acontece quando há, por exemplo, dobradinha, ou paio na lentilha, assim anunciados nas redes sociais: “Temos também no copo”.

De sururu: de volta ao menu do Polvo Bar

No Polvo Bar, em Botafogo, o menu avisa que é servido o caldo da semana, que pode ser de sururu, de siri ou com outros frutos do mar. O Isca, por sua vez, serve o caldinho do dia – provei um dos frutos do mar muito bom.

No Sabores de Gabriela, no Jardim Botânico, há caldinho de siri, camarão e peixe, além de um misto, com os três, praticamente moquequinhas para beber.

Estilo parecido encontramos no Bar do Cícero, na Ilha Primeira, na Barra. Difícil esquecer do caldinho de sururu servido ali, à beira da Lagoa, observando as garças e o trânsito de barcos.

Milk Shake de feijoada na Casa Porto

Criado para a Festa de São Jorge do ano passado, o Milk Shake de feijoada pode ser chamado de indecente. Porque um um caldinho de feijão espesso, coroado com couve e torresmo, feito com a raspa do tacho da feijoada vermelha da Casa Porto, é quase pornográfico. Raphael Vidal, sócio do bar, lançou pelo segundo ano seguido o seu Circuito das Feijoadas, reunindo três de suas casas ali no Largo de São Francisco da Prainha, no Centro. No vizinho Bafo da Prainha, uma churrascaria popular, por assim dizer, o chamado levante é um caldinho de feijão preto guarnecido de um espetinho que é pura sacanagem, como se diz, com ovo de codorna e coração de galinha na brasa.  

Beef tea, no Esplanada Grill

Raridade é o beef tea, um caldo de carne, bem condimentado, que é servido no Esplanada Grill. Puro conforto e aconchego. Com ele, é possível preparar um legítimo bull shot, drinque clássico da coquetelaria mundial, turbinado com vodca.

Tacacá nos Pescados na Brasa

Nos bares e restaurantes amazônicos não pode faltar o tacacá, sopa típica da região, feita com goma de mandioca, tucupi, jambu e camarão seco, como acontece nos Pescados na Brasa, agora com filial no Leblon. O cardápio paraense contempla, ainda, um notável caldinho de aipim com caranguejo, e ainda o chamado Levanta Bebum, com camarão.

No Escama a canja do mar entrou no cardápio no inverno de 2024, e ficou em cartaz, porque é deliciosa, independente da temperatura. Trata-se de uma bisque de lagostim, coroada com o próprio crustáceo grelhado, além de milho braseado, edamame, arroz e ovo pochê. Cura ressaca e até resfriado.

Tecnicamente talvez nem seja um caldo. Mas, um bom moules et frites, clássico belgo-francês, tem sempre uma boa quantidade de líquido, para se tomar de colher, que pode ser como base cerveja ou vinho branco, com ou sem creme. Mexilhões em seu molho com fritas. Recomendo com firmeza alguns: Polvo Marisqueira e La Villa, ambos em Botafogo, além do Didier e do Noa, esses dois em Ipanema. O chef Ricardo Lapeyre assumiu recentemente a cozinha do Noa, e usa lambretas nesse preparo, quando faz um caldo como é apropriadamente chamado de “velouté” de palmito, por sua textura aveludada.

O chef francês Grégoire Fortat, do La Villa, avisa que agora serve um clássico de seu país durante todo o ano (antes, só tinha nos períodos mais frios).

– A sopa de cebola entrou no cardápio o ano inteiro. Agora, sempre tem – diz ele, que serve uma das versões clássicas, com a cumbuca tampada por massa folheada.

“Soupe en croûte”, na Casa 201

Falando nisso… Não poderia me esquecer da Casa 201, no Jardim Botânico, cujo menu muda a cada três meses, ao sabor das estações. Nos últimos três ou quatro cardápios, se não me falha a memória, uma das etapas – certamente entre as mais marcantes – era um consomê servido em sopeira individual, coberta com massa folheada. Da última vez era um caldo perfumado, extremamente saboroso, de mariscos com palmito confit e cebola caramelizada: glória a Deus! Impressionantemente bom. (Ano passado, outro preparo marcante tinha caldo de vitelo, bochecha bovina de Angus e foie gras!).

Lámen na Casa Ueda

Japoneses dominam a arte de fazer um bom caldo. Mitsubá e Azumi, no Leblon, e a Casa Ueda, em Botafogo, são três ótimos exemplos disso, servindo ótimos rámens. Na Casa Ueda, são feitos com macarrão caseiro, e tem opções como kare rámen, que leva caldo de base mista (suína e frango) com legumes e curry, acompanhado de mix de pimentas asiáticas, copa-lombo, milho e cebolinha. Tem opção vegetariana, preparada com macarrão artesanal da casa, feito com farinha e missô, acompanhado de legumes e verduras.

Lembrando dos caldinhos mais marcantes da cidade, em me despeço com o boas-vindas no meu querido Fim de Tarde. Neste aprazível e discreto restaurante do Centro, com ambiente clássico e menu variado, de raízes espanholas, logo que a gente se senta o garçom traz o caldinho do dia, servido no copinho, que os franceses chamariam de amuse bouche, ou algo como diverte boca. Pode ser de feijão ou ervilha, os mais comuns, ou de lentilha, por exemplo. Faz parte do ritual. Também é uma das razões que tanto vou lá. Eu chego, e logo recebo esse afago: quem não gosta de carinho?