CACHAÇA DE CAMPOS INVADE A EUROPA  

Existem rótulos de cachaça com Denominação de Origem

Marcelo Macedo Soares 

Dentro de um engenho, onde o aroma único da cana-de-açúcar fermentada e destilada domina o ambiente, é possível desvendar os segredos de um dos produtos mais emblemáticos da cultura brasileira: a cachaça. Genuinamente brasileira (apesar de ter sido criada pelos portugueses e não pelos escravizados, como muita gente acredita), a bebida sempre fez sucesso entre os gringos, mas assim como no Brasil, o interesse e a qualidade da cachaça fermentaram e o interesse também dos apreciadores também. Sabendo disso, a carioca Raquel Lopes decidiu investir nesse mercado na Europa e desembarcou em Portugal com o objetivo de fazer com que o país redescubra o Brasil através da cachaça. Mergulhamos em um universo onde a ciência e a tradição caminham juntas para garantir a qualidade e o sabor único dessa bebida. 

Mais do que uma simples importadora, Raquel é uma espécie de embaixadora da cachaça em Portugal e abriu a importadora Casa Cachaça, que só trabalha com marcas selecionadas. Por conta disso, o critério de seleção das cachaças que serão importadas pela Europa é criteriosa e feita pessoalmente por Raquel, que faz questão de conhecer os alambiques onde as cachaças são produzidas. A ‘Rio Já’ acompanhou uma dessas visitas e fomos conhecer a produção da Tellura, que se prepara para atravessar o Atlântico e fazer a alegria dos portugueses.  

A Casa Cachaça de Ra está revolucionando a presença do destilado brasileiro no mercado europeu. Com sede em Portugal, o projeto vai além de ser uma simples importadora. Funciona como um verdadeiro hub de marcas brasileiras, promovendo a cachaça artesanal (ou cachaça de alambique, no termo técnico correto) em eventos, feiras e restaurantes, e conectando consumidores a uma experiência autêntica e cultural. 

“Nosso trabalho é posicionar cada marca no mercado certo. Participamos de feiras em Portugal, Espanha, Bélgica e França. Cada cachaça tem um perfil e buscamos encaixá-las nos eventos e entre os consumidores mais adequados”, explica Raquel, que também é uma pesquisadora apaixonada pelo universo do destilado brasileiro. 

A paixão pela cachaça é evidente em cada etapa do trabalho.  

“Faço questão de visitar os alambiques, conversar com mestres alambiqueiros e acompanhar todo o processo de produção. Essa dedicação garante a qualidade do produto final”, afirma.  

Todo esse cuidado se reflete não apenas no sabor, mas também no respeito à história e à cultura que envolvem a produção de cachaça no Brasil. A Casa Cachaça atua também como um canal pedagógico. “Muitos não sabem que a cachaça só pode ser chamada assim se for produzida no Brasil. Durante as degustações, explicamos sobre os diferentes tipos, os envelhecimentos e a história por trás de cada garrafa”, explica. 

O público, lá fora, é bem diversificado. Brasileiros na Europa procuram reviver memórias afetivas, enquanto estrangeiros descobrem a bebida aos poucos.  

“Depende muito do paladar de cada um. Para quem gosta de rum ou whisky, por exemplo, sugerimos cachaças envelhecidas. Já para quem prefere destilados mais leves, começamos com a cachaça prata e vamos introduzindo outras variações”, detalha. 

Além das feiras e eventos, a Casa Cachaça está presente em mercados brasileiros e garrafeiras por toda a Europa. O site do projeto, que está em fase final de desenvolvimento, promete facilitar ainda mais o acesso à bebida, conectando consumidores de diferentes regiões. Portugal, por ser um dos principais pontos de entrada da Europa, desempenha um papel estratégico na logística.  

“Portugal tem uma história muito conectada à destilação. Foram os portugueses que trouxeram a técnica ao Brasil. Agora, estamos fazendo o caminho inverso”, ressalta Raquel. 

Nos últimos anos, a cachaça brasileira passou por uma grande evolução. De uma bebida marginalizada, ganhou status de produto premium.  

“Hoje, trabalhamos com cachaças que têm terroirs distintos, assim como os vinhos. Uma cachaça do Rio tem características diferentes de uma produzida no sertão da Paraíba, e isso é fascinante”, afirma a empresária, que trabalha com marcas de diversas regiões do Brasil. 

As classificações também ajudam a valorizar o produto. Existem as cachaças pratas, as envelhecidas em madeiras nacionais e até mesmo denominações de origem, como Paraty e Salinas. Esses detalhes são apresentados em cada evento, valorizando a cultura e a tradição por trás do destilado. 

Embora a cachaça conquiste cada vez mais espaço, os desafios são muitos. A burocracia para exportação, os altos impostos e as especificações técnicas, como padrões de tamanho de garrafas, tornam o processo caro e complexo.  

“É um trabalho que exige dedicação, mas os resultados são gratificantes”, afirma a empresária. 

Após a realização, no ano passado, da primeira edição do Lisbon Bar Show, onde foi dedicado um espaço exclusivo à cachaça, o futuro parece promissor.  

“É a chance de mostrar a riqueza e a diversidade da cachaça brasileira para um público especializado e apreciadores”, comemora. 

O UNIVERSO DA CACHAÇA  

A produção de cachaça é um processo minucioso que começa na moagem da cana-de-açúcar. Durante o processo de destilação, é essencial separar as frações conhecidas como “cabeça”, “coração” e “cauda”. O coração é a parte nobre, que concentra o sabor e o aroma característicos da cachaça. 

“A cana entra triturada no sistema e passa por diferentes estágios até chegar ao alambique. Para cada mil litros, retiramos entre 2% e 6% da cabeça, que contém compostos indesejáveis. Essa seleção garante a qualidade e a segurança do produto”, explica o mestre destilador Ricardo Alesil, o alquimista que faz a magia acontecer.  

A padronização do teor alcoólico é outro passo crucial, feito com água desmineralizada e medições precisas, garantindo que a bebida final atenda aos padrões estabelecidos pela legislação. Uma tonelada de cana pode render entre 90 e 100 litros de cachaça artesanal, enquanto na produção industrial o rendimento chega a 200 litros.  

“A diferença está nos cortes e na qualidade”, afirma o diretor-executivo e responsável pela gestão industrial da Tellura.  

A cachaça artesanal, também chamada de “alambicada”, é produzida em pequenos lotes, com maior controle sobre o processo e maior valor agregado. Mais do que uma bebida, a cachaça é um símbolo cultural. Para ser chamada de cachaça, a bebida precisa ser produzida no Brasil, com teor alcoólico entre 38% e 48%. Essa nomenclatura é protegida por legislação e é exclusiva do território nacional.  

“Se você encontrar cachaça feita na China, pode ter certeza de que não é autêntica”, alerta Ricardo. 

O Brasil é o maior produtor de cachaça do mundo, com uma produção anual de 1,3 bilhão de litros. Contudo, apenas 1% é exportado, com mercados como Estados Unidos, Portugal, França e Alemanha liderando a demanda.  

“Apesar do volume de exportação ser baixo, a cachaça artesanal tem conquistado espaço em nichos internacionais que valorizam produtos de alta qualidade e origem controlada”, destaca Augusto 

SERVIÇO 
Casa Cachaça: @casa_cachaca (Instagram) 
Tellura (Fábrica): Av. Francisco Lamego, s/n – Parque Jd. Carioca – Campos www.tellura.com.br /   Instagram: @tellura_arte Tel.: 22-3015–7435.