Jan Theophilo
Sopram ventos promissores sobre a Guanabara, trazendo com eles uma aguardada esperança para um dos mais glamourosos elefantes brancos do estado. Um palácio, de arquitetura e histórias dignas de cinema, batizado com o nome da ilha onde está localizado: Brocoió. Esta construção dos anos 1930, que durante décadas foi palco privilegiado de conspirações, amores e dos maiores segredos de alcova do mundo da economia, da política e do high society brasileiro está voltando à ativa. Degradada pela ação do tempo e raramente tratada com a dignidade que merece pela crônica jornalística carioca, ela em breve voltará aos sites como um centro de pesquisas e laboratório para acompanhar o processo de despoluição da Baía da Guanabara.
Ou seja, saem de cena de vez as celebridades, que um dia esvoaçaram pelos jardins floridos, e passarão a trabalhar ali cientistas acompanhando os trabalhos da concessionária Águas do Rio, que pretende reduzir em 90% a poluição das águas da baía até 2033. A Agência Reguladora de Energia e Saneamento do Estado do Rio de Janeiro (Angersa) confirmou a Agenda do Poder que “já está realizando pesquisa de preços para contratação da instituição que vai fazer o estudo para restauração do casarão e a instalação do centro de pesquisas”. A iniciativa é uma excelente notícia para esta pequena joia, escondida nos fundos da Baía de Guanabara e construída pelo mesmo empresário e o mesmíssimo arquiteto do Copacabana Palace.
Brocoió foi uma fantasia arquitetônica do bilionário Octavio Guinle, que contratou o badalado Joseph Gire para realizá-la. Sabe-se lá porque, ele pediu a Gire um grande casarão em estilo normando, com seus característicos telhados muito inclinados, próprios para a neve europeia, mas sem muita serventia no calorão do Rio. Gire precisou construir no interior da mansão grandes áreas livres equipadas com enormes janelas e uma imensa claraboia, visando à circulação de ar e iluminação. A casa deveria ser cercada de belos jardins floridos e a construção contou com o que havia de mais fino entre os materiais da época. Em 1937, o jornalista Magalhães Correa traçou um perfil do local no jornal Correio da Manhã: “cenário fantástico, sonho materializado e castelo de fadas”.
Naqueles tempos, o som do grande órgão alemão no alto da escada de madeira era ouvido até em Paquetá, a 300 metros de distância. No andar inferior, um banheiro de praia, usado após o banho de mar como entrada independente, ostentava mosaicos com motivos árabes e um previdente bar. No andar de cima, o dos quartos, ficava o ambiente mais sensacional: o banheiro amarelo da suíte principal, com uma vista deslumbrante para o Rio. A banheira, escavada num bloco maciço de mármore de Lioz, dominava o ambiente, com direito a torneiras de bronze na forma de pássaros – influência do estilo art nouveau. A suíte contava ainda com dois quartos e um escritório.
“Octavio abasteceu a ilha com aquela que ficou conhecida como a melhor adega do Distrito Federal, e possivelmente uma das melhores da América Latina”, ironiza o pesquisador de história do Rio, Dilson Gomes. E assim, a festa começou a correr solta. Todo mundo que era alguém na capital do Brasil esteve ou sonhou estar em Brocoió. Jantares exclusivos com menus assinados por chefes estrelados e regados a champanhes franceses faziam a alegria dos ricaços, que desembarcavam aos bandos de lanchas e veleiros. “E você poderia esbarrar com o presidente Getúlio Vargas ou com o Errol Flynn, uma das maiores estrelas de Hollywood”, diz o professor.
A essa altura Octavio já estava torrando a fortuna da família em outra coisa qualquer e vendeu a ilha para a prefeitura do então Distrito Federal, que posteriormente a repassou ao estado da Guanabara. “Nos anos seguintes ela foi reflorestada, o que levou ao fim dos jardins afrancesados, com aquelas árvores aparadas todas retinhas, que não tinham nada a ver com o clima ou a vegetação da baía”, diz o professor Dilson Gomes. Nas décadas de 1960 e 1970 alguns governadores da Guanabara chegaram a utilizar a ilha, principalmente Carlos Lacerda, que praticamente passou todo seu governo despachando no escritório do segundo andar. Com a fusão dos estados da Guanabara e Rio de Janeiro, em 1975, o que era doce se acabou.
Brocoió ainda viveu breves momentos de glória durante o governo de Leonel Brizola, no início dos anos 1980. Diz-se que, de dia, pelas reuniões de secretariado que ele gostava de agendar ali, e, à noite, pelas festas de arromba promovidas por sua filha Neuzinha. Depois disso, só os governadores Garotinho e Rosinha andaram por lá – e a ilha até ganhou trilhas para a governadora praticar suas corridas. Mas dali em diante nosso elefante branco da Daslu foi só ladeira abaixo.
Sérgio Cabral chegou a investir na reforma da mansão e prometeu que a abriria para visitas, o que nunca aconteceu. No governo seguinte, Pezão tentou estabelecer ali uma escola de hotelaria, ideia que não vingou. Francisco Dornelles, por sua vez, foi mais pragmático e anunciou a venda da ilha por R$ 45 milhões, mas, à época, segundo reportagem do jornal O Globo, o mercado imobiliário avaliava que nem por R$ 8 milhões o governo encontraria comprador. Já no começo do governo Cláudio Castro houve debates sobre instalar na ilha uma espécie de campus avançado da Faculdade de Oceanografia da UERJ, mas apesar de uma barqueata a favor e tudo, o projeto também não avançou.
Em fotos aéreas feitas por drone por nossa equipe de reportagem, é visível o estado de má conservação de Brocoió. Os telhados estão tomados por mofo e infiltrações. No lugar onde havia a grande claraboia, os vidros foram substituídos por placas de acrílico azul, que já apresentam rachaduras. Não é possível ver mais nada do projeto paisagístico de Joseph Gire. No lugar das flores, só restou grama. A piscina está vazia e cheia de lixo, e o elegante chafariz também está sem água e tomado pelo mato. Em nota oficial, o governo do estado do Rio de Janeiro informa que “o palácio conta com manutenção permanente, compreendendo a subestação de energia elétrica, os locais de circulação do imóvel e o controle de pragas e vetores.
A ilha é tida como ideal para atuar como um ponto avançado de observação do projeto de despoluição da Baía de Guanabara tocado pela Águas do Rio. Segundo a concessionária, o empreendimento visa “interceptar e tratar o esgoto que desagua na baía através de coletores de tempo seco, impedindo que a poluição chegue à baía em dias sem chuva. O objetivo é universalizar o esgotamento sanitário até 2033, tratando o esgoto de 90% da população em todos os 27 municípios da concessionária”. São bons e auspiciosos tempos para esta preciosidade da arquitetura e história cariocas. Certamente menos buliçosos que no passado. Neste caso, a população de Paquetá agradece.