BATE-PAPO: THIAGO GOMIDE, O HISTORIADOR DAS RUAS

"Aos 17 anos, comecei a estagiar no Pasquim 21, tendo como chefes Ziraldo, Fritz Utzeri, Fausto Wolff"

Jan Theophilo

Você pode até não associar de imediato o nome à pessoa, mas certamente conhece este cidadão de cara redonda, simpática e oclinhos vermelhos, estilo Herbert Vianna nos anos 1980. Nos últimos 20 anos, Thiago Gomide fez de tudo um muito. Trabalhou com a velha guarda do Pasquim, reestruturou a rádio Roquete Pinto, apresentou programas na TV Futura e no History Channel, até chegar ao formato do “Tá na História”, um canal que tem como objetivo revelar fatos interessantes da nossa historiografia de uma maneira clara, leve e bem-humorada. A “Rio Já” conversa com ele para entender como um professor de história do Andrews se tornou um dos maiores sucessos da internet brasileira.

. RIO JÁ: Como foi o começo de sua carreira?

. Thiago Gomide: Eu me formei em jornalismo e depois em história pela PUC-Rio e minha trajetória é marcada pelo cruzamento desses dois caminhos. Em 2003, aos 17 anos, comecei a estagiar no Pasquim 21, tendo como chefes Ziraldo, Fritz Utzeri, Fausto Wolff. Eles me fizeram crescer 50 anos em 5. Porque era uma turma que fez o jornalismo moderno brasileiro. Infelizmente estão todos morrendo, mas antes deles o jornalismo brasileiro era absolutamente panfletário. Quem vai fazer o jornalismo profissional é essa turma, junto com nomes como Alberto Dines ou Carlos Lemos, e depois isso se espalha pelo Brasil.

. Como foi sua experiência com a velha guarda do Pasquim?

.  Ninguém passa aos 17 anos por essa turma toda sem levar mais esporros do que homenagens. Mas acredito que a maior honraria foi ter continuado ali. Porque isso mostrou resiliência, humildade, a aprender a respirar fundo certas horas. 

.  Como foi a experiência na televisão?

.  Eu dei sorte, porque vim com uma boa bagagem do Pasquim 21 e logo fiquei responsável pela cobertura cultural no Rio na TV Manchete. Dali surgiram duas oportunidades, uma no Canal Futura em que fiz de tudo: fui redator, editor, apresentador. E logo em seguida fui convidado para trabalhar assessorando o presidente da MultiRio (empresa ligada à Secretaria Municipal de Educação do Rio que experimenta diferentes possibilidades tecnológicas em conteúdos curriculares). Eu não tinha padrinho político, o que me segurava eram minhas entregas. E elas me abriram as portas para duas oportunidades. A primeira foi apresentar um programa no History Channel chamado “Aqui tem História” e, quando o Cláudio Castro assumiu o governo com a queda do Wilson Witzel, um convite para presidir a rádio Roquete Pinto.

. [Thiago pegou uma emissora com três estúdios mal-ajambrados e dois anos depois passou à direção adiante com oito, sendo um deles uma espécie de núcleo avançado instalado nas dependências do Palácio Guanabara. Isso tudo sem abandonar as salas de aula, outra de suas grandes paixões. Foi durante a pandemia do Covid que nasceu seu grande sucesso. Ele lembra que, em certa ocasião, estava dando uma aula virtual de história para alunos do colégio Andrews. Havia 30 estudantes no zoom, todos com câmeras fechadas, quando ele teve a ideia de levar sua webcam até a janela e começar a falar sobre a história da Praça XV. Quando olhou novamente para o computador, todas as câmeras dos alunos estavam abertas, com vários deles fazendo perguntas.]

. Então foi aí que nasceu o “Tá na História”?

.  Desde 2016 eu já fazia vídeos longos. Ganhei vários prêmios com um documentário sobre a história do Acre para o Canal Futura. Tinha 15 minutos de duração onde eu contava o detalhe do detalhe do detalhe. Exibi aos alunos, mas eles reclamaram que era muito longo. Fiz então outro vídeo, sobre a Praça XV, com cinco minutos, mas eles continuaram achando muito longo. Até que um aluno mais esperto foi curto e grosso: “diminui”. Eu diminuí, mas eles insistiram: “professor, não é melhor um vídeo só sobre o Dia do Fico ou outro só sobre o Palácio Tiradentes?” Foi quando eu fiz um filme sobre a chegada da família real portuguesa em 1808. Tinha um minuto e meio. Resolvi jogar no Tik Tok, que estava chegando ao Brasil. Em menos de 20 minutos ele bateu mais de 200 mil visualizações.

. [Com o conteúdo pesquisado para cada um dos antigos programas, Thiago passou a produzir uma infinidade de filmes curtos. Foi quando veio outro salto. Decidiu não fazer mais filmes com histórias do Centro ou da Zona Sul carioca e mergulhou nos subúrbios do Rio. E ele teve a certeza de que havia encontrado seu caminho quando um vídeo contando a história de Taninha, vítima da “Fera da Penha”, um crime brutal que chocou o Brasil em 1960, bateu a casa das oito milhões de visualizações. Em seguida outro sobre a origem a expressão “pé-rapado” também bateu a casa dos seis dígitos.]

. Como você monetiza seus vídeos? 

. Não sou um cara rico. Não chego a ser um Guilherme Boulos, que tem o famoso Celtinha, mas meu carro é um Fox 2014. Tenho importantes parceiros no canal. Por exemplo, faço muita publicidade para a Granado, para a Gol, para a Fecomércio. Esses vídeos entram como publi (abreviação de publicidade) mas eu acabei me especializando em fazer textos que mesmo avisando que é publi você não percebe que é.  Outro dia eu fui ao dentista e na sala de espera um cara me falou: “adoro você! Você foi o cara que me explicou a história do Mineirinho”. Se você contar bem a história do Mineirinho não precisa dizer que é um publi. Fiz assim com as balas Juquinha ou com a Mega Matte. Neste, por exemplo, eu contei a história do mate nas praias do Rio depois falei que estava no Mega Matte comendo um pastel. Mas tenho meus critérios. Apesar de ser favorável à legalização dos jogos de azar, não faço propaganda dessas bets que explodiram recentemente. Sou antes de tudo um educador.

. [E, assim, uma coisa puxando outra, Thiago no momento finaliza um livro de histórias que vai se chamar “Amor ao Rio” e tem percorrido o Brasil gravando uma série sobre os parques naturais do país. Semanas atrás pegou toxoplasmose ao se enfiar dentro de uma caverna em Minas Gerais durante uma gravação. “Não sou um aventureiro, não sou um apresentador tradicional, sou um historiador absolutamente ávido e curioso pela nossa trajetória e nossa gente. Nessa época nutella das assessorias de imprensa, nós temos um Brasil imenso de histórias e essa gente fica querendo beber influências de fora. Eu venho trazendo a rua e está dando certo”, diz ele. Seu sucesso mostra que a velocidade no mundo virtual é uma tendência que veio para ficar. Fidel Castro jamais existiria no mundo do Tik Tok.