ARTE: OS DESCAMINHOS DE DJANIRA

A Prefeitura de Petrópolis anunciou a restauração de uma pintura monumental da artista

Esta era para ser uma daquelas histórias felizes, ao estilo “um presente para a cidade”, mas acabou se revelando um triste retrato de como é feita a gestão dos bens culturais brasileiros. Um imbróglio injusto para a memória de Djanira da Motta e Silva (1914-1979), ou simplesmente, Djanira, uma das mais importantes pintoras, desenhistas e cenógrafas brasileiras. É dela, por exemplo, o famoso quadro “Orixás”, que o presidente Lula restituiu ao Salão Nobre do Palácio do Planalto, de onde fora arrancado durante o desgoverno fundamentalista.  

Esta barafunda começou em agosto de 2021, quando após 10 anos de reivindicações da classe artística, a Prefeitura de Petrópolis anunciou a restauração de uma pintura monumental de Djanira. Uma tela com 12,75 metros de comprimento e 3,50 metros de altura, pintada em 1953 a pedido do prefeito da época à artista, que tinha casa em Petrópolis. Para efeitos de comparação, é maior do que a famosa Guernica, de Pablo Picasso. 

O painel, que originalmente ficava no salão nobre da Escola Liceu Municipal Prefeito Cordolino Ambrósio, no coração da cidade, é uma preciosidade da arte brasileira. “Eu o visitei pela última vez em 2015, e você já notava a deterioração devido à ação do tempo. Mas é uma obra magnífica, que retrata a vida cotidiana de Petrópolis, com as carruagens e as fábricas de cerâmica, papel e tecido, além da serra e do Museu Imperial ao fundo”, conta o pesquisador Gesiel Júnior, autor da biografia “História de Djanira: uma brasileira de Avaré” e diretor do pequeno museu dedicado à artista em sua cidade natal.

“Essa é uma grande conquista cultural para a nossa cidade. Estamos muito felizes com o restauro do painel”, festejou na época o então presidente do Instituto Municipal de Cultura de Petrópolis, Charles Rossi.  O painel foi transferido para o Centro Cultural Raul de Leoni, e uma empresa de São João del Rey, então com grande experiência em restauração de bens históricos em Minas Gerais, venceu a licitação por R$ 498 mil. Os trabalhos foram iniciados pela parte de trás da peça, com o fechamento de rasgos, retiradas de suturas malfeitas e colocações de enxertos. 

A previsão era que esta etapa duraria duas semanas e a segunda fase, da parte dianteira, que está craquelada e cheia de mofo, terminaria no início de 2022. Mas o que era para durar 15 dias se arrastou por oito longos meses. Até que o fundador e principal mestre-restaurador morreu subitamente, deixando menos de 20% do trabalho realizado.  

De acordo com a Prefeitura, foi aberto um novo processo licitatório e quatro empresas se apresentaram para a disputa. A vencedora ganhou o certame por um valor de R$ 795.589,95. 

 Praticamente todos os principais sites de informação de exposições artísticas anunciavam a realização entre cinco de janeiro e 14 de março deste ano de “Djanira, um panorama da Coleção Museu Nacional de Belas Artes”, mas a tal exposição jamais aconteceu.

Mas longa é a estrada e longa é a vida. O nome Djanira em breve voltará à baila. Ela é o tema do próximo trabalho da jornalista Josélia Aguiar, autora de “Jorge Amado – Uma biografia”, vencedora do prêmio Jabuti 2019 na categoria. Josélia afirmou que teve a ideia de biografar Djanira em 2016, quando ainda trabalhava no livro sobre Jorge Amado. “Acho que foi uma “dica” dele. Comecei em 2016 a fazer entrevistas e pesquisas, e cheguei a ainda alcançar vivas a gravurista Anna Letycia e a museóloga Maria Elisa Carrazoni, ex-diretora do MNBA”, contou Josélia, que enxerga paralelos entre Amado e Djanira.