Marcelo Macedo Soares
Em meio às paisagens da Região dos Lagos, mais conhecida por suas praias e salinas, Araruama desponta como uma potência agrícola no Estado do Rio de Janeiro — e com um título que poucos conhecem: o de maior produtor de cítricos do estado. O posto, mantido há mais de sete anos, vai além dos números, representa tradição, inovação, luta contra as adversidades climáticas e, acima de tudo, identidade territorial.
O protagonista dessa história é a laranja Folha Murcha, uma variedade que ocupa 90% da produção local e carrega, desde 2022, o selo de Indicação Geográfica (IG), concedido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Reconhecimento oficial de que aquele produto só existe naquele lugar — e que tem ali sua origem, sua qualidade e sua tradição.
Com mais de 700 mil plantas distribuídas em 2 mil hectares e 20 mil toneladas anuais de produção só da laranja Folha Murcha, Araruama ainda soma outras 15 mil toneladas de cítricos como tangerina e limão, alcançando um total de 35 mil toneladas por ano, segundo dados oficiais. A cidade se torna, assim, uma referência não apenas em volume, mas em qualidade e valor agregado.
A HISTÓRIA DE UMA LARANJA NASCIDA DA TERRA
De folhas enroladas — de onde vem o nome “folha murcha” — e sabor adocicado, a laranja originária de Araruama começou a ser cultivada na década de 1940, como explica o supervisor da Emater-RJ no município, Jorge Souza. “É uma fruta de excelente qualidade. Essa variedade surgiu aqui mesmo, em Araruama, e quase todas as folhas são fechadinhas. É uma marca da nossa terra.”
Segundo a produtora Rejane Oliveira, que cultiva 1.000 pés da laranja em uma propriedade de quatro hectares, a história da cultivar está diretamente ligada à região. “A Folha Murcha surgiu por mutação espontânea nas fazendas dos Oliveira de Carvalho, na década de 40. O formato oblongo, a casca fina e a alta concentração de suco são suas marcas registradas. Além disso, ela é tolerante à Tristeza dos Citros, uma das doenças mais graves da citricultura nacional.”
Essa característica, somada à sua resistência ao calor e à capacidade de manter alto teor de açúcar mesmo em períodos secos, faz com que ela seja ideal para o clima de Araruama — onde o verão é intenso e a estação coincide com a maturação do fruto, entre agosto e fevereiro.
“É minha vida”: A laranja que voltou a dar frutos
A relação de muitos produtores com a laranja Folha Murcha é mais do que econômica, é afetiva. É o caso do agricultor Eduardo Quintanilha, que herdou o amor pela cultura do pai, também produtor na região. Depois de um hiato de 12 anos longe da roça, Eduardo voltou determinado a reestruturar o sítio da família e hoje tem plantios de limão, tangerina, seleta, Bahia e está prestes a completar o ciclo com mil mudas de Folha Murcha que chegam em dezembro.
“O sentimento de ver a fruta da minha terra sendo reconhecida no país é de orgulho. É saber que todo esforço,todo cuidado, está sendo valorizado”, conta. Ele distribui seus cítricos entre o comércio local — como Araruama, Cabo Frio e Búzios — e programas institucionais como o PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) e o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos), além de cooperativas na região.
Mesmo com todos os avanços, os desafios persistem: falta de chuva, escassez de mão de obra e alto custo de insumos. “Cada ano que passa chove menos. Isso afeta muito a produção. Mas vou tentando manter a cobertura do solo, irrigação e adubação orgânica para não perder qualidade”, diz Eduardo, que hoje vê na citricultura a base de toda a renda da sua família.
UMA CULTURA QUE RESISTIU AO TEMPO
A história de Rejane com a laranja é de retorno às raízes. Técnica em Agropecuária, ela voltou ao sítio da família após 20 anos trabalhando fora, depois que as pragas acabaram com sua plantação de maracujá. “Optei pela laranja porque é uma cultura que eu conheço bem, e hoje existem variedades muito mais resistentes”, explica.
Com uma produção voltada para o mercado institucional, ela acredita que o selo de Indicação Geográfica foi um divisor de águas. “Houve valorização cultural e crescimento no consumo. As pessoas passaram a reconhecer que, mesmo não sendo a mais bonita esteticamente, ela é a mais saborosa”, afirma.
Hoje, 80% da renda da propriedade de Rejane vem da laranja Folha Murcha. Ela aposta na diversificação com abacaxi pérola e sonha com maior estruturação dos produtores locais e ampliação da aceitação da variedade fora dos limites regionais.
UM PRODUTO, UMA IDENTIDADE
A conquista do selo de IG não foi apenas reconhecimento técnico, foi a validação de uma história coletiva, construída por dezenas de famílias que resistiram às dificuldades para manter viva uma tradição. “Quando um cliente me procura em Búzios ou Cabo Frio perguntando pela folha murcha, mesmo fora da época, eu vejo o quanto essa laranja já está no vocabulário das pessoas. Ela virou uma marca, um patrimônio”, afirma Eduardo.
Já Rejane resume o sentimento em poucas palavras: “É uma realização pessoal. A gente vê que valeu a pena insistir.” O futuro da citricultura em Araruama O cenário é desafiador, mas o otimismo dos produtores e os números expressivos indicam que Araruama seguirá firme no posto de capital fluminense dos cítricos. O selo de IG abriu portas, e a expectativa é que mais municípios passem a conhecer e valorizar a laranja Folha Murcha, tanto pela sua qualidade como por sua história.
Com investimentos em irrigação, assistência técnica e programas de incentivo, o potencial é enorme. Afinal, quando uma fruta carrega não só sabor, mas também memória, território e identidade, ela deixa de ser só um alimento — e vira um símbolo.
Você já provou a laranja Folha Murcha de Araruama?
Se ainda não, fique atento à próxima feira ou ao mercado mais próximo. Dê uma chance a esse fruto típico do interior fluminense e entenda, no sabor, por que Araruama é sinônimo de tradição e excelência cítrica.









