BOLINHOS, CROQUETES & COMPANHIA: TRADIÇÕES DA GASTRONOMIA CARIOCA

Clássico de Benfica: bolinhos de bacalhau e chope no Adonis

Bruno Agostini

Os portugueses contribuíram com essa história através, sobretudo, dos bolinhos de bacalhau. (Fizemos uma lista indicando 30 lugares para saboreá-los no Rio, porque são tantos…). Para ler o post, clique aqui.

Já os alemães, ao implementarem no Rio o hábito de se beber chope, também nos fizeram amar os croquetes.

E os espanhóis praticaram isso com as croquetas, que diferem pela notável cremosidade que o molho béchamel entrega.

Da França, falando nisso, veio a inspiração para a gente criar as coxinhas, através da coxa-creme, clássico imortal da Confeitaria Colombo, no Centro.

Almôndegas de carne do Belisco

Os italianos, por sua vez, nos trouxeram as almôndegas, que hoje reluzem nas estufas dos botequins populares, além dos arancini – bolinhos de arroz originalmente feito com as sobras de um risoto.

Japoneses têm por hábito nos servir como cortesia de boas-vindas bolinhos de peixe, logo que nos sentamos.

Britânicos nos apresentaram aos scotch eggs, que aqui viraram simplesmente bolovo, um bolinho de carne recheado com ovo, daí o nome.

Katia Barbosa revolucionou este assunto, ao criar em 2008 o bolinho de feijoada, que logo se tornou uma paixão nacional. Essa família de acepipes moldados para serem comidos com as mãos fazem parte da cultura gastronômica da cidade, e estão nos cardápios mais variados, dos restaurantes mais chiques às biroscas mais simples.

O delicioso feioso do Real Chopp

Para começar, que tal um bolinho de banana-da-terra recheado de carne-seca, no balcão da Adega da Velha, em Botafogo? E o que dizer dos bolinhos de costela no bafo recheados com requeijão cremoso do Zinho Bier, em Benfica? Ou, como explicar ao mundo o porkonomiyaki, no Bar Saudade, junto à Curadoria de Botafogo? Sim, eles inventaram um salgadinho de inspiração japonesa, com massa fofinha, quase um pequeno sonho salgado. Mas, na versão deles do okonomiyaki, o polvo dá lugar ao porco.

Eu morreria de saudades do bolinho de vagem do Bar do Costa, em Vila Isabel, se esse petisco não estivesse em cartaz no Bar Gato de Botas, na mesma rua Torres Homem. É uma das estrelas do cardápio da casa. Alegria é dar uma passada no Bar Panamá, em Copacabana, e pedir uma porção aperitivo das almôndegas da casa, que ficam na estufa, e são servidas em dupla, no prato de sobremesa, com um tanto de farofa, e um pouco do molho de tomate. Ou ir jantar no Belisco, em Botafogo, e começar com as almôndegas de cordeiro, feita com carne orgânica do Sitio Bicho Sem Vergonha, muito bem temperada à moda árabe, servidas com tzatziki na versão da chef Monique Gabiatti, que leva coalhada de cabra feita na casa, ervas refrescantes e pepino (tudo acompanhado por tortilhas de trigo com zaatar). Na Padella Trattoria, no Humaitá, tem polpetta di coda, uma inacreditável almôndega de rabada com creme de pinoli e salsa.

Existe toda uma família de bolinhos de carne, que são primos de burgers e de almôndegas, além dos croquetes, que podemos encontrar em mais de dez versões diferentes nos bares do Rio (leia o box). Tem de camarão, carne assada, ossobuco, lagosta e alheira, entre outros. No recém-inaugurado Balcão 201, do premiado chef João Paulo Frankenfeld, no Leblon, tem o croquete do dia: quando fui, era de pastrami, e estava delicioso.

Pau carnudo: especialidade do Baixela

Mas, bolo de carne é outra coisa.

Podemos nos lembrar do Feioso, do Real Chopp, em Copacabana. Também assim é chamado o bolo de carne do Amendoeira, com a carne suculenta, por dentro, e com um empanado tipo milanesa, por fora. Petisco mais icônico do Baixela, o pau carne do lembrar na aparência um espetinho de salsichão, típico das festividades juninas. Mas, é um bolo de carne, de massa lisinha é muito saborosa. Pensa num troço bom, ainda mais com a maionese verde da casa, e a pimenta também feita por eles.

Não muito distante dali, o Bar do Momo criou uma lenda: ao colocar carga extra de queijo nos bolinhos de arroz, tradição dos lares brasileiros como forma de reaproveitar as sobras do dia anterior, nos presenteou com a mais deliciosa e icônica versão dessa “finger food” muito amada por nós. Antônio Carlos Laffargue, o Toninho do Momo, inovou, misturando Escócia e Portugal, criando o bolovo de bacalhau, também encontrado no Bar do Zeca Pagodinho, cujo menu foi idealizado por ele, que supervisiona todas as operações, inclusive de São Paulo.

O bolovo de camarão: criação do Arp Bar

Falando em bolovo, existe um bem diferente, e cativante. É criação do chef Lucas Lemos, do Arp Bar, no térreo do hotel Arpoador.

Com um toque de irreverência que é a nossa cara, a chef Aninha Carbonell é autora do beijo grego, concebido para deixar ainda mais divertido e delicioso o menu do Bar da Frente, que já tinha receitas com bom humor e bom gosto, como arroz de puta rica, fofinho de camarão e porquinho de quimono. O tal ósculo helênico é um sensual bolinho de língua com rabada, pornográfico como o nome sugere. É apimentado no sentido figurado, e pede gotas de malagueta no literal pra ficar ainda mais gostoso.

No Bar da Gema encontramos a croqueta de calabresa com queijo servida com geleia de pimenta. É o melhor boteco do Rio para comer os salgados clássicos do que um dia se chamou de baixa gastronomia, que está mais em alta do que nunca, vide a quantidade de chefs badalados que abriram biroscas para chamar de suas (os premiados Tomas Troisgros, Elia Schramm, Pedro de Artagão e Rafa Gomes entre eles). É um dos melhores lugares para se comer coxinha de galinha, rissole de camarão e enroladinho de salsicha (só às quartas), clássicos de nossas infâncias.

Coxa-creme do Jurema: por Pedro Attayde

O chef Pedro Attayde, profissional tarimbado, com notório saber nas artes da charcutaria francesa (é o dono da Cochon Rouge), criou o menu do novato Jurema, ali entre a Lapa e a Glória, ponto fervilhante da noite carioca. Ele elencou no setor do menu chamado de “Fritos da Casa” uma notável coxa-creme, melhor que a centenária versão servida na Confeitaria Colombo, além de croquetas de couve-flor, bolinhos de feijão desfiante (por traz carne de porco que se desmancha), e sua interpretação do enroladinho de salsicha, envelopado na folha de arroz, com conserva de tomate verde e maionese picante. Cumpre saber, no intuído de dar água na boca mesmo, que o tal bolinho de feijão é feito de grãos vermelhos, guarnecido por picles de pimenta-de-cheiro e supreme de laranja.

Já que nessa conversa sofisticamos o assunto falando de chefs, vale lembrar que no Boteco Princesa de Pedro de Artagão, podemos pedir croquetes de lagosta, que facilmente entram na nossa galeria de petiscos preferidos. Também tem de pernil, igualmente inesquecível. Coxinha também faz bonito, e ali encontramos algo que faz parte da nossa memória coletiva: bolinha de queijo de festa.

Falando nisso, esse salgadinho tradicional de nossas celebrações é item de consumo mandatório em meu bar de vinhos preferido nessa cidade deliciosa de São Sebastião do Rio de Janeiro: Libô, numa linda casinha de Botafogo: ali as bolinhas de queijo são diabolicamente, na melhor das intenções, enriquecidas com molho de tomate (deliciosi!) e salame artesanal (idem). É comprar se o salgadinho despretensioso fosse para uma festa de gala, como se de smoking. Também carrega assinatura de chef, no caso Roberta Ciasca, especialista em comida afetiva antes de banalizarem o termo. Importante lembrar que ela tem como sócia ninguém menos que Maíra Freire, do Lasai, duplamente estrelado pelo Michelin: peça sugestão de harmonização. Eu fui de Jerez Viva la Pepa, da Sanchez Romate, um Manzanilla salino e complexo, que é uma delícia. E fui muito feliz.

Arancini e crocchette de batata, na Bento Pizzeria, na Tijuca,

Falando em Libô, nesse mesmo imóvel, da Roberta, logo ao lado, temos o Brota, vegetariano que nos faz esquecer tranquilamente as carnes. Porque nos apresenta delícias como os brotinhas, que assim são definidos no menu: “dupla dos nossos clássicos bolinhos fritos de arroz integral. Recheio de tomate, pesto e azeitonas e/ou wasabi com chutney de manga. Opção vegana: sem queijo e ovo”. São muito bons, dignos da classificação como clássicos. Também achei muito saboroso o falafel rosa, bolinhos de grão de bico com beterraba e especiarias. Completamente a lista de bolinhos, os de abobrinha com boursin de cabra e hortelã e os croquetes de feijão vermelho, pico de galo e creme azedo.

Os italianos criaram os arancini, e também o crocchette de batata. Podemos apreciar a dupla, em versões impecáveis, na Bento Pizzeria, na Tijuca, uma casa com autêntico DNA napolitano, e que serve especialidades que vão muito além da carne. No caso do crocchette di patate, é uma especialidade da cidade italiana: os bolinhos fritos de batata são recheados com queijo scamorza defumado e temperados com pimenta-do-reino, e chegam à mesa muito quentes, com molho de tomate da casa para mergulhar o petisco.

Arancini encontramos em quase todos os italianos do Rio. Destacam-se alguns, como o do Pope, que faz uma versão do carbonara. Uma dupla de bolinhos de arroz carnarollicom creme de gemas e pancetta, com mozzarella. No Sult temos o suppli al telefono, uma típica comida de rua romana: um trio de bolinhos de risoto e carne, recheados com queijo scarmoza.

Os indiantini: bolinhos de arroz pilaf com masala

No Curry-se, em Copacabana, especializada em entregas, tem uma versão com pegada asiática, chamada indiantini: são bolinhos de arroz pilaf com masala da casa, queijo meia-curae parmesão artesanal da Bocaina, guarnecido de chutney de manga.

Já os espanhóis são craques no assunto, com as suas croquetas. A grande sacada aqui é aliar a cremosidade de um bechamel, com os elementos que lhe dão sabor, como jamón, cogumelos, polvo e camarão, por exemplo. O Venga é um porto seguro para apreciar os salgados espanhóis. É também um bom local para provar um falafel de grão-de-bico, conhecido como Ambode, com coco, ervas e especiarias, com molho de iogurte, pepino e hortelã.  

Falando em falafel lembro imediatamente do seu parentesco com o acarajé, que podemos encontrar em generoso formato padrão das ruas da Bahia, tamanho GG tipo Big Mac, que vale por uma refeição, nas feiras do Rio, recheados com camarão seco, vatapá, caruru e salada de tomate verde. Eu gosto da porção aperitivo servida no Sabores de Gabriela, onde ele vem “desconstruído”: em versão menor, tipo petisco, com seus acompanhamentos ao lado, com uma espécie de vinagrete de tomate e cebola, e pote de indispensável pimenta.

Papa rellena, versão peruana, no La Capital:

Impossível não citar nessa lista de bolinhos um dos meus preferidos, que pelo tamanho nem poderia ser chamado no diminutivo: trata-se da papa rellena da cevichería La Capital, em Copacabana. Que coisa mais maravilhosa é essa massa de batata de generoso tamanho, com recheio bem úmido de carne moída, ovo cozido e azeitonas pretas, esculturada pelas mãos do chef peruano Diogo Martúa Fernandez. O molho de pimenta rocoto faz disso tudo algo ainda melhor. Não é exatamente um salgadinho para se comer com as mãos. Vem no prato, a gente usa talher. É uma delícia. Mas, não deixa de ser uma grande coxinha de carne moída em formato redondo.