PARAÍSO RECUPERADO EM ARRAIAL DO CABO

Jan Theophilo

Imagine uma ilha minúscula, de areias branquinhas, com uma única árvore, como as ilhas de náufragos de cartum, na qual um balanço vai e vem ao sabor da brisa do mar de águas cristalinas. Para chegar lá, basta cruzar uma faixa de areia que vai se estreitando à medida que a maré sobe. Mesmo assim, o lugar é super-raso e permanece assim por um bom pedaço, sendo ideal para crianças pequenas ou apenas para relaxar nas aguas tranquilas. O paraíso é aqui, ou melhor, logo ali em Arraial do Cabo, mais especificamente na Praia do Pescador, onde a Ilhota de Massambaba tem se tornado um point quentíssimo, que quase ninguém conhece, mas que está fazendo um baita sucesso nas redes sociais, no embalo da  recuperação da Laguna de Araruama – a maior massa de água hipersalina em estado permanente no mundo. Mas como toda novidade, chegar até lá tem sua dose de emoção, então se prepare que lá vem aventura.

Nossa trepidante equipe de reportagem seguiu do Rio a Arraial do Cabo pela RJ102  até chegar a Rua Pereira Bastos. Logo após entrar nesta rua, viramos a esquerda e seguimos por uma estrada de terra até o final, virando desta vez à direita na Rua 10 da Salina. A partir daí são mais 32 quilômetros em estrada de terra até chegar a um pequeno riacho onde você deverá deixar o carro e seguir a pé, acompanhando os postes de luz desativados, até chegar na Praia do Pescador. Chegando lá já é possível avistar a Ilhota de Masssambaba a uma distância de uns 20 minutos de caminhada na areia. Tome cuidado com o caminho indicado pelo Google Maps ou o Waze, a menos que você pretenda terminar atolado em uma das inúmeras salinas desativadas da região.

Outro complicador para se acessar a ilha é a má vontade alguns proprietários de lotes ou condomínios que instalam porteiras para impedir o acesso dos turistas à Praia do Pescador. Há placas antipáticas indicando propriedades privadas por todo lado. “Isso obriga a Prefeitura a um trabalho permanente de retirar essas porteiras”, conta a professora Tatiana Espíndola, que mantém uma casa de praia no Condomínio Lagoa Azul, praticamente um “pé na areia” sobre a praia. “Quando decidimos comprar aqui eu não fazia ideia da existência da ilha. Um dia, na praia, fiquei olhando, olhando e quando decidi ir até lá foi amor a primeira vista”, contou ela, que estava indo apresentar a ilha a mãe, Arleide.

“Isso aqui era uma grande área de salinas que foi desativada.  Eu conheço bem a região porque meus avós eram amigos dos antigos proprietários e, mais lá pra baixo, tem uma antiga vila de salineiros onde meu avô refomou uma casa para passar as férias”, conta o aposentado Helter Itamar Nazareth, morador de Arraial. “Hoje a ilhota está bombando na Internet, e a gente aqui vê isso tudo com preocupação. Porque com o aumento de turistas, acaba vindo junto a degradação. Várias empresas de Arraial já oferecem passeios de bugre que chegam até aqui”, lamenta ele.

Entre essas empresas estão a Pelicano Tour, a Onda Arraial e a Tour Divertido, que oferecem passeios que podem ser de duas a quatro horas, com paradas estratégicas ao longo do caminho e preços que começam na faixa dos R$ 150 por pessoa. Mas, cá entre nós, as preocupações de Helter podem ser exageradas. É que após décadas colapsada por causa do despejo irregular de esgoto, a laguna de Araruama, um gigante com 21 praias que supera outros corpos d’água hipersalinos de destaque como o Grande Lago Salgado dos Estados Unidos ou o Lago Coorong, na Austrália, voltou a ter boas condições de balneabilidade. Segundo pesquisadores da Universidade Santa Úrsula isso se deve a dois motivos. Primeiro, a drástica redução de banhistas durante a pandemia e, segundo, mas não menos importante,  aos projetos de saneamento básico que a concessionária Pro Lagos tem realizado no local.  Com isso,  ilustres moradores que um dia habitaram a laguna resolveram reaparecer: cavalos-marinhos. A espécie é considerada um bioindicador. Ou seja, a presença deles na laguna de Araruama mostra que a qualidade da água está muito boa ou ótima.

“Em 2021, a gente começou a receber pelas nossas redes sociais um monte de imagem, de relato da ocorrência de cavalo-marinho aqui na Lagoa de Araruama, e achamos isso muito estranho. E, para a nossa surpresa, a gente achou uma população gigantesca de cavalos-marinhos aqui na região”, descreve Natalie Freret-Meurer, coordenadora do projeto Cavalo-Marinho. A principal espécie cadastrada é o Cavalo-Marinho do Focinho Longo, muito comum na costa brasileira e no litoral do estado do Rio de Janeiro. Mas os pesquisadores encontraram cavalos-marinhos  diferentes, como o da Patagônia, um animal raro em águas hipersalinas.

A recuperação da Laguna começou em 2021 quando a Pro Lagos iniciou a instalação de um cinturão de coleta que hoje se estende por 38 quilômetros (mais 26 estão em construção). Foram ainda implantados três mil quilômetros de adutoras e  redes de distribuição a uma estação de tratamento de esgoto. O investimento, de cerca de R$ 50 milhões, fez com que a cobertura do serviço de tratamento saltasse de 30% para 98% da população dos cinco municípios atendidos pela concessionária. Com isso, além dos altos índices de balneabilidade das praias e da volta dos cavalos-marinhos, a laguna tem batido recordes na captura de pescados.

“Nesses últimos anos o nosso pescado tem melhorado em qualidade, como também tem reaparecido algumas espécies que estavam sumidas da nossa laguna, como a Pirambeba, a Corvina, o Robalo, que voltaram recentemente, entre outras espécies. Essa melhoria da qualidade e da quantidade do pescado deixa a nossa comunidade animada com a renda da pesca”, afirma Cícero Vanderley Neto, pescador há mais de 30 anos e presidente da Colônia de Pesca Z-29, em Iguaba Grande, onde são pescadas cerca de 20 toneladas de peixes por mês na Lagoa de Araruama.

E como toda boa história de aventura, um passeio até a Ilhota de Massambaba também tem sua dose de superstição. O nome é de origem tupi e significa “lugar onde o bicho passa, lugar assustador”. Demonstrando que os tupinambás, que habitavam a localidade em tempos pretéritos, acreditavam que se tratava de uma área mal assombrada e habitada por maus espíritos. Vai encarar?