Bruno Agostini
No Rio de Janeiro a carne assada é uma verdadeira instituição. Está presente na casa das pessoas, nos almoços de fim de semana, bem como nas vitrines dos botequins mais ordinários, mas também naqueles que são a mais fina nata da categoria, os bares-monumentos que traduzem a alma da cidade. É um ícone da gastronomia carioca, onipresente, versátil e popular, se apresentando de várias maneiras, como PF, sanduíche e croquete.
Louvamos a carne assada do aperitivo, para chuchar o pão; a do sanduíche consagrado, dos botequins mais tradicionais espalhados por toda a cidade; e aquele bom prato-feito nosso do dia a dia, com seu fiel escudeiro, o nhoque. Desfiada, a carne assada pode virar croquete, ou rechear pastéis, bolinhos, massas etc. No Jurubeba, o croquete de carne assada é seguramente um dos destaques do menu, servido com aioli de mostarda.
Em quase todos os botequins e restaurantes tradicionais, a carne assada é elemento fundamental, e quase sempre está no cardápio todos os dias da semana, como petisco, sanduíche, PF ou refeição. No Labuta Bar, na rua do Senado, no Centro, é exclusividade dos almoços executivos de terça, servido com o seu molho, e espaguete ao alho e óleo, com destaque para o molho aveludado que envolve a carne.
Em sua segunda edição carioca, o Festival Botecar reúne muitos dos melhores bares e botequins do Rio, como é o caso do Bar do Trotta, pequena birosca perto do Maracanã, que pegou o clássico e lhe deu nova roupagem: o seu petisco inscrito no concurso é O Berg, que são bolinhos de nhoque recheado de carne assada, com o seu devido molho. Recriação de um clássico.
Do mesmo modo que ela resiste em menus de lugares tradicionais, a carne assada também aparece em novos endereços, como é o caso do Comité Rio, em Botafogo, do chef Pedro Benoliel, que acaba de lançar uma novidade em seu menu executivo: carne assada ao molho ferrugem, com nhoque de batata gratinado e parmesão, que vai entrar como sugestão de prato do dia, eventualmente.
Ainda no bairro, outra novidade aposta nessa tradição. Na Choperia Botafogo, que acaba de abrir as portas na rua Sorocaba, o cardápio está em fase de elaboração. Mas, uma coisa é certa:
– Vai ter uma baita carne assada de lagarto com calabresa que vai virar sanduíche, e também quero fazer um rosbife de lagarto fatiado – diz Ronaldo Porto, um dos sócios.
Curioso é que, apesar do nome, a verdadeira carne assada (lagarto é o corte tradicional) é feita na panela, e não no forno. Pode ser recheada de linguiça, ou não. Aliás, o preparo assim é fundamental para uma de suas características mais marcantes: o processo faz a magia, um amálgama dos sucos da carne, obtido pelo calor do fogo, destacando o sabor do fundinho da caçarola, formando o molho ferrugem, aquele escurecido e untuoso, amarronzado, resultado da caramelização. Sua benção, Maillard!
Um bom local para saborear uma perfeita execução da receita é no Boteco Princesa, no Leblon, do chef Pedro de Artagão. Ali, ela é feita com cupim, e é servida como aperitivo, na panela de cobre, com muita cebola e pimentão vermelho, e um belo molho ferrugem. Petisco nota 10.
Pedro de Artagão gosta mesmo de uma boa carne assada. Faz uma inesquecível no seu Irajá Redux, também no Leblon. Entre as muitas versões provadas por esse cronista gastronômico que vos escreve, a mais memorável de todas foi apreciada ali na varanda do restaurante do Rio Design. A carne assada por 12 horas é guarnecida de espaguete cacio e pepe, que lhe caiu como uma luva, dando ótimo entrosamento entre os molhos, de queijo com pimenta, e de carne. Ligação direto Rio-Roma.
A carne assada, e seu rico molho, existe de várias formas, com muitas maneiras de se fazer representar. Está nos esperando na estufa da birosca, ao lado do pernil, para ser fatiada, finamente ou não, antes de se tornar um belo sanduíche, como aqueles que apreciamos em sedutores balcões, como o do Bracarense, no Leblon; o do Opus Bar, no Centro; o do Parada de Copa ou do Cervantes, com ou sem abacaxi, esses dois endereços primos entre si, em Copacabana.
Carne assada com nhoque é um prato clássico, que encontramos em botequins baratos e em restaurantes elegantes, servido em forma de PF ou de refeição, está nos menus regulares ou é ofertado na lousa como prato do dia.
Silvana Bianchi, que fez história no seu lendário Quadrifoglio, agora está à frente da Pastrella, no Leblon, uma rotisseria e restaurante especializado em massas artesanais, onde nos serve um restaurador prato feito de carne assada com seu denso molho, e um delicado nhoque. É dos melhores.
No Bar da Frente um dos pratos mais pedidos no menu executivo de almoço é a carne assada com nhoque, que atesta a boa fama da cozinha da premiada casa de Mariana Rezende, como lojas na Praça da Bandeira e em Copacabana. Outra que se destaca.
Falando no bairro de Copacabana, ele é cenário de uma concorrência natural que existe entre o Cervantes, repaginado depois de ser comprado por Antônio Rodrigues, da rede Belmonte, e o Parada de Copa, bar que abriu as portas com vários ex-funcionários desse restaurante histórico que evoca o mais famoso dos escritores espanhóis.
Aliás, Copacabana é uma referência quando o assunto é carne assada. Há muitas notáveis, começando pela do Escol, fenômeno da comida caseira e farta; passando pela do Real Chopp, onde ela fica na estufa, esperando ser fatiada, bem como acontece no Bar Panamá e na Casa Suzana, quatro instituições da gastronomia popular de Copacabana.
Outro porto seguro para traçar uma bela refeição de carne assada é no Pavão Azul, que serve também em forma de sanduíche, com ou sem queijo minas.
Falando nisso, Os Imortais, epicentro do burburinho da Rua Ronald de Carvalho, têm um petisco chamado Pinóquio, nada menos que cupim assado na cerveja preta desfiado e ovo de gema mole. Não deixa de ser uma espécie de carne assada, mas embriagada. Quer mais? Experimente o sanduíche aberto batizado de Jorge Aragão, que leva carne assada desfiada no molho de cerveja preta, cogumelo e tomate-cereja. Chique.
Verdade é que essa reportagem bem que poderia se restringir a Copacabana. Uma das novidades da temporada, o Conserva Bar, na Rua Prado Júnior, tem como característica a sua vitrine refrigerada, com uma série de preparos, incluindo a carne louca do Peu, feita pra comer de palitinhos, uma homenagem ao artista gráfico que fez a logo da casa: um lagarto cozido por seis horas e conservado em mistura de azeite, cebola, azeitona e especiarias, servido com picles de uva. Versão diferente, e fria.
Como aperitivo, a carne assada ilustra as mesas dos bares e restaurantes, ganhando status de estrela do menu em lugares como o Chanchada, um boteco tão jovial quanto respeitoso em relação às tradições, mas que dá os seus toques autorais em suas receitas. No caso, sua carne assada ganha uma bela de uma talagada de coalhada, trazendo acidez e frescor ao prato. Alto nível.
Cabe lembrar do brilhante farol de milha, composição de Toninho Laffargue, do Bar do Momo, que criou um petisco imortal: uma travessa fumegante de carne assada recheada com aquela boa e velha linguiça calabresa, com o seu molho em abundância e muito queijo derretido, tudo finalizado com um ovo estalado e de gema mole, como que a iluminar os caminhos dessa vida. Outro clássico da casa, atolei no Momo é uma costela bovina assada e desfiada, com creme de aipim e queijo, servido no copo americano, transbordante. Outro petisco de destaque ali é o jiló reina, com o legume recheado de carne assada e queijo.
Jiló com carne assada: que ideia sensacional, como nunca tinham pensado nisso antes?
