Aydano André Motta
Na versão 2025 da época em que renascem as esperanças por um mundo melhor, de paz, fraternidade e o resto todo, o Rio de Janeiro caprichou: pela primeira vez, terá quatro árvores de Natal gigantes, inseridas em paisagens-assinatura da capital fluminense. Em comum, elas carregam a vocação da terra carioca para celebrações e oferecem presente essencial à forma de viver mais recomendada – e essencial por aqui: o direito à cidade.
Como o Natal no Hemisfério Sul acontece no calorão, tudo a ver os eventos ao ar livre, que reúnem pessoas em pontos da badalada beleza do Rio. A população, em sua vocação para festa, toma conta das cercanias, incentiva os serviços (transporte, comércio etc) e põe em prática seu maior encanto, a convivência mais despojada. Na hora da festa – oficial ou espontânea –, ninguém vence essa turma.
Além de árvores tradicionais, chega a estreante, iluminando outro cartão-postal. A enseada de Botafogo terá o símbolo natalino para chamar de seu, construção monumental, com 80 metros de altura (equivalente a um espigão de 30 andares) e 2,3 milhões de luzes de led, para ser vista por diversos bairros, da Urca ao Centro. Chamado “Natal do Rio”, tem realização do empresário Alexandre Accioly e direção criativa de Abel Gomes.
“Nosso desafio foi criar algo que emocionasse e representasse o Rio”, projeta o artista. “A árvore é o coração do projeto, um símbolo de renovação e esperança, mas quisemos ir além, transformando a Enseada, um dos cartões-postais mais bonitos da cidade, num lugar para viver o Natal com todos os sentidos”, acrescenta ele, vice-presidente criativo e sócio da SRCOM, agência responsável por grandes marcos como o Réveillon de Copacabana, as Olimpíadas Rio 2016, a vinda do Papa e o show da NFL no Brasil.
Gomes assina também outra árvore tradicional, a do Barrashopping, na Zona Sudoeste. Inaugurada dia 1º de novembro, atinge 75 metros de altura, tem 250 mil lâmpadas de led responsáveis por seis etapas de luzes, sob o tema floresta encantada. O projeto prevê passeios por dentro da estrutura do equipamento, pela Trilha dos Pinheiros Encantados, a Fábrica dos Brinquedos e a casa do Papai Noel. Há queima de fogos aos sábados.
Na Enseada de Botafogo, a estrutura também se ilumina majestosamente. Com o Pão de Açúcar como moldura e o Cristo Redentor à frente, a árvore se integra ao cenário para marcar o fim do ano com roupagem nativa – além de luz, música, shows, vila gastronômica, ativações de marcas parceiras e espetáculo de fogos. Para chegar até a areia, as passagens sob o Aterro ficarão abertas e iluminadas, com a supervisão de seguranças.
A inauguração será no privilégio do entardecer e no ritmo da batucada. A partir das 17h, o projeto Samba em Família traz a Orquestra do Samba com Pretinho da Serrinha e convidados. Os shows vão se repetir nos seis fins de semana seguintes, até 6 de janeiro, Dia de Reis, quando as árvores tradicionalmente saem de cena.
Vai ser difícil, no quesito alegria, superar a representante da Vila do João, na Maré, que pelo oitavo ano seguido ocupa, desde o início de novembro, a Praça do Mototáxi, nas franjas da Avenida Brasil. Com 20 metros de altura e 8 metros de diâmetro, a árvore é campeã de popularidade no maior conjunto de favelas do Rio. Moradores de todas as 16 comunidades vão fazer fotos com o equipamento ao fundo. Acabam passando algumas horas numa jornada de alegria e harmonia.
Não por acaso, todos acompanham com ansiedade a construção, a cargo da empresa de contêineres NHJ, com sede na mesma comunidade. “Vira ponto de encontro, o comércio aberto a noite toda”, descreve Valtemir Messias, o Índio, também morador da Vila do João. “Tem gente que chega do trabalho e fica, outros vão em casa se arrumar para aparecer bem bonitos nas fotos. Nosso objetivo é fazer bonito para quem vive aqui”, orgulha-se ele, listando Baixa do Sapateiro, Salsa e Merengue, Morro do Timbau, Conjunto Pinheiro, Nova Holanda e Parque União como as favelas campeãs de presença sob a árvore.
Na inauguração, teve música até de manhã, brinde para as crianças e festa de fogos, enchendo de orgulho quem passa o ano todo toureando os problemas comuns às regiões populares do Rio. Numa prova eloquente de maturidade comunitária, tudo organizado pelos próprios moradores. “Prefeitura nem aparece”, atesta Índio, acrescentando que a festa nas noites da Vila do João vai até 10 de janeiro, quando a atração apagará as luzes até a temporada de 2026.
A empolgação dos habitantes da Maré representa o oposto da tristeza dos moradores da Lagoa, onde sobe a árvore mais tradicional da cidade. Numa das paisagens mais icônicas – Morro Dois Irmãos de um lado, Corcovado de outro, o Redentor lá no alto –, reina majestosa no espelho d’água, mudando de posição no meio da temporada: começa próxima ao Parque da Catacumba, entre Copacabana e Ipanema, para depois migrar para o lado do Jardim Botânico e do Leblon.

Depois de cinco anos ausente, a árvore retorna em 2025 com 60 metros de altura e 900 mil lâmpadas de led e será inaugura dia 6, com show, espetáculo pirotécnico, o baile todo. Começará então o espetáculo que revoluciona a orla da Lagoa. Deserta e perigosa ao longo do ano inteiro, a região ganha vida com visitantes de toda a cidade, ambulantes, crianças encantadas, turistas embevecidos diante da paisagem mítica.
Mas, entre os nativos, multiplicam-se as carrancas. Os moradores da região – um dos metros quadrados mais caros do país – detestam a árvore com todas as forças, sob as alegações de sempre de que piora o trânsito, aumenta o barulho, aumenta o lixo, pipipi-popopó. Desculpas que não disfarçam o preconceito igualmente carioca, de quem se entende dono da região mais rica da cidade.
Faz, tristemente, sentido, analisa Lúcia Silva, historiadora especializada em planejamento urbano. Desde antes da metrópole, a Zona Sul conta com toda a melhor infraestrutura disponível. “Em 1920, Ipanema era um areal e tinha água, esgoto, saneamento. A classe dominante quer esse espaço só para ela, dentro do conceito de estar pagando”, observa. “A árvore de Natal e outras atrações incomodam porque a cidade é lugar de tensão, de encontro e desencontro de classes. Quando as muitas cidades dentro da cidade se visitam, gera o incômodo”.
Fenômeno semelhante ocorre na alta estação, na praia, com a chegada maciça dos suburbanos. “Há um desrespeito aos códigos nativos. Como o estado não constrói espaços de interlocução, a tensão se estabelece”, explica a estudiosa. “Os pensadores sociais apontam que por aqui se muda para ficar igual. A sociedade e o estado, que pertence à classe dominante, são patrimonialistas. Ao sairmos do escravismo para o capitalismo, a cidade se ofereceu àqueles que podem pagar. Se o estado está para servir a classe dominante, por que os melhores espaços não seriam dela?”, acrescenta, lembrando que ela entende como favor o ato de pagar impostos.
Silva também defende a circulação de pessoas como elixir para a falta de segurança pública, mas ressalva que vem junto o imponderável. “Quando os espaços ganham a vida, ficam mais imprevisíveis. E o estado tenta, o tempo todo, controlar tudo”, constata. “A vida passa por permitir que mais pessoas usufruam dos espaços, o que vira problema para a atual concepção de estado. O direito à cidade é um direito difuso e coletivo. Deve ser para todos – todos mesmo”.
Ela encerra com questionamento ao modelo excludente. “Queremos uma cidade fortificada, cheia de barreiras, do estado, no caso das regiões ricas, e de outros agentes, nas periferias? É uma solução que se demonstrou fracassada nas duas versões – tanto os obstáculos invisíveis da Zona Sul quantos os explícitos de outras partes”, critica. ”Temos que lutar por uma cidade para todos. É a única solução”.
Eis aí um bom presente para todo mundo desejar no Natal.








