Jan Theophilo
Está disponível na praça, sem cerimônia nem custo, o livro “Cartografia do Rio de Janeiro: catálogo temático do acervo da Mapoteca do Itamaraty”, um volume que pesa mais em história do que em gigabytes. É um livraço; uma dessas publicações monumentais que reúnem de tudo um muito: mapas, cartas, planos e imagens da cidade e estado do Rio de Janeiro, produzidos entre os séculos XVI e XX, guardados com zelo pela Mapoteca Histórica do Itamaraty.
A obra se apresenta como um instrumento de pesquisa e de nostalgia ilustrada, permitindo que o leitor acompanhe a lenta metamorfose do espaço fluminense ao longo de cinco séculos. E assim como um Barão do Rio Branco enciclopédico, se apresenta em três idiomas, português, inglês e espanhol, como convém.
O projeto integra o programa de catalogação e inventário do acervo cartográfico da Mapoteca Histórica, que anda de mãos dadas com a revitalização do Complexo do Itamaraty no Rio de Janeiro. “É uma iniciativa muito interessante do Ministério das Relações Exteriores por lembrar que diplomacia também se constrói com memória”, elogiou o historiador e pesquisador de história do Rio, Dilson Gomes.

No coração desse acervo está o Rio de Janeiro, tema central do catálogo. A cidade aparece como protagonista de um enredo visual que começa nos tempos coloniais, quando ainda respondia à Coroa Portuguesa, e se estende até o presente, multiplicando formas e fronteiras. O catálogo identifica cerca de 400 mapas e destaca 92 peças pela relevância histórica e estética. Há obras de escolas holandesas, francesas e portuguesas, cartas náuticas, planos urbanos, mapas corográficos e manuscritos originais, todos dialogando entre o rigor técnico e a beleza pictórica.
Os modelos esquemáticos dos séculos XVI e XVII já ensaiavam o traço de um território em formação, ainda tosco, mas ambicioso. Aos poucos, surgiram os mapas aquarelados e iluminados, aqueles em que a geografia se confunde com arte e o litoral parece uma moldura barroca. “São documentos preciosos, que retratam por exemplo a desordenada expansão de uma cidade que se expandia entre charcos e lagoas”, diz o historiador Dilson Gomes.
A história da Mapoteca Histórica do Itamaraty começa por volta de 1850, quando o diplomata Duarte da Ponte Ribeiro, homem de fronteiras e de visão, iniciou a coleção a partir de trocas documentais entre Brasil e Portugal. Assim nasceram os primeiros catálogos da antiga Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros, embrião do acervo atual.

O tempo fez o resto. A coleção cresceu até se tornar uma das maiores da América Latina, com cerca de 30 mil documentos cartográficos e 20 mil iconografias. Hoje integra o Museu Histórico Diplomático, abrigando mapas, cartas náuticas, atlas, planos hidrográficos e manuscritos que sobreviveram ao pó, às traças e às mudanças de regime. Entre as preciosidades, destaca-se o planisfério de Jerônimo Marini, datado de 1512, o primeiro a chamar o território de “Brasil”. “Uma denominação que nessa época nasceu de um produto antes de pertencer a um povo”, diz Dilson Gomes. “Porque o Brasil ainda não existia como nação, o território mal era citado em outros mapas, embora já fosse reconhecido como mercadoria”.
A relevância da Mapoteca cresceu ainda mais nos anos 1940, quando passou a abrigar o curso de Mapoteconomia e História da Cartografia, idealizado por Jaime Cortesão, o historiador que via mapas como argumentos de Estado. O curso reunia diplomatas, historiadores e bibliotecários em torno de uma ideia simples e ambiciosa: compreender o território para entender o Brasil. Desde então, a Mapoteca consolidou-se como um raro ponto de convergência entre ciência, arte e política, um espaço onde o desenho de uma costa pode valer tanto quanto uma negociação de fronteira.









