CABO FRIO: MEMÓRIA VIVA NO MUSEU DE ARTE RELIGIOSA E TRADICIONAL

O prédio que abriga o Mart é, em si, uma peça de patrimônio inestimável

Marcelo Macedo Soares

O Museu de Arte Religiosa e Tradicional (Mart), vinculado ao Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), ocupa desde 1982 o espaço do antigo Convento de Nossa Senhora dos Anjos, em Cabo Frio (RJ). Sua inauguração ao público ocorreu em 15 de dezembro daquele ano, com a mostra “Cabo Frio – Mar, Terra e Povo”, do pesquisador e fotógrafo Márcio Werneck da Cunha. Desde então, o museu consolidou-se como polo cultural, com acervo fixo, exposições temporárias, atividades educativas e oficinas que dialogam com a história e a identidade da região.

O prédio que abriga o Mart é, em si, uma peça de patrimônio inestimável. O Convento de Nossa Senhora dos Anjos remonta ao período colonial e integra a paisagem histórica e afetiva de Cabo Frio. Sua preservação está assegurada não só em nível municipal, mas também nacional, pelo tombamento realizado em 1957 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

A inauguração ocorreu em 13 de janeiro de 1696

A trajetória do convento começa em 1617, quando Estêvão Gomes, capitão-mor da região, atendeu à solicitação dos primeiros povoadores e concedeu terras para a construção do mosteiro franciscano. A pedra fundamental, no entanto, só seria lançada quase sete décadas depois, em 2 de agosto de 1686, dia consagrado a Nossa Senhora dos Anjos, padroeira da ordem. A inauguração oficial ocorreu em 13 de janeiro de 1696.

Durante o século XVIII, auge da presença franciscana no Brasil, o convento se expandiu em tamanho e importância, com obras de ampliação e adaptação. Mas já no século XIX começou o declínio: a redução no número de frades comprometeu a manutenção, os recursos escassearam e, em 1872, com a morte de Frei Vitorino de São Felicidade, o último residente, o convento foi definitivamente desativado.

O abandono levou à ruína. Saques retiraram telhados, portas, janelas e até parte do ouro que ornava o retábulo. Apenas a igreja e a Capela da Ordem Terceira Franciscana, construída no século XVIII, continuaram em funcionamento.

Os sinos originais do século XVIII

Com a inscrição no Livro do Tombo em 1957, o Iphan passou a intervir na preservação da estrutura. Um dos arquitetos responsáveis, Edgard Jacintho da Silva, relatou que a criação de um museu foi a solução encontrada para manter a vigilância e evitar a destruição completa do conjunto. Assim, foi reconstruído parcialmente o corpo frontal do convento e instalado o Museu de Arte Religiosa e Tradicional, que até hoje cumpre esse papel de resguardar o espaço e oferecer atividades culturais.

A visita ao Mart revela detalhes únicos. O retábulo da igreja, em estilo barroco português, é considerado um dos últimos exemplares originais do país, preservado sem interferências posteriores. O coro de madeira do século XVII ainda resiste, embora careça de restauração, e a imagem original de Nossa Senhora dos Anjos, datada também do século XVII, permanece protegida no interior do museu, enquanto uma réplica ocupa seu nicho na fachada.

Entre os destaques estão os chamados “santos de roca”, esculturas articuladas usadas em procissões franciscanas, hoje expostas no acervo. Suas vestimentas remetem à vida franciscana, marcada pelos votos de pobreza, castidade e obediência. No espaço da antiga cozinha do convento, sobrevivem elementos originais, como pia e fogão, transformados em sítio arqueológico.

Outros itens de grande relevância são os sinos originais do século XVIII, retirados do campanário em 2020 por segurança. Um deles pesa cerca de uma tonelada e exibe marcas e símbolos raramente observados pelo público, já que antes permanecia inacessível na torre.

O museu funciona de terça a sábado

Apesar da aura histórica e religiosa, o Mart não é apenas um museu de contemplação. Ali se realizam oficinas de pintura, rodas de leitura, aulas de yoga e apresentações musicais e teatrais. O calendário inclui a Primavera de Museus e a Semana de Museus, eventos nacionais promovidos pelo Ibram.

As salas de exposição temporária recebem trabalhos de artistas locais e regionais, como Chiquinho da Sucata, conhecido por esculturas em sucata, e a fotógrafa Lígia Baeta, que documentou a pesca tradicional em Búzios. Outro exemplo foi a mostra “Da Mãe África ao Antigo Cabo Frio”, do professor Edmar Lopes, sobre o quilombo da Rasa.

Tradição e lendas

O convento também é cercado de narrativas populares, como a história de Otília, uma mulher que viveu no local durante o abandono e acabou conhecida como guardiã do espaço. Considerada figura excêntrica, circulava pelas ruas com trajes negros e cachorros, amedrontando os moradores. Após sua morte, foi sepultada no cemitério da Ordem Terceira, tornando-se a única pessoa não franciscana enterrada ali.

Mais do que um museu, o Mart é um elo entre passado e presente. Representa a memória da colonização, da presença franciscana e da própria fundação de Cabo Frio, uma das cidades mais antigas do Brasil. O espaço preserva símbolos da religiosidade e da cultura local, ao mesmo tempo em que se reinventa como palco de arte e convivência.

Quase quatro séculos depois do lançamento de sua pedra fundamental, o antigo Convento de Nossa Senhora dos Anjos segue como testemunho da história, guardião de memórias e referência cultural para Cabo Frio e para o Brasil.

SERVIÇO
Museu de Arte Religiosa e Tradicional
Largo de Santo Antônio, s/n°, Centro – Cabo Frio – RJ
Telefone: (22)98154-0088
E-mail: mart@museus.gov.br
E-mail para agendamento de escolas e visitas: mart.educativo@museus.gov.br
Horário de atendimento administrativo: De 2ª a 6ª feira, das 9h às 18h.
Horário para visitação: De 3ª a 6ª feira, das 10h às 17h; sábados, das 10h às 14h.