NA VOLTA POR CIMA, IMPÉRIO CANTA ARLINDO

Por Rosayne Macedo

Escola da Serrinha homenageia este ano um de seus grandes nomes, hoje afastado por problemas de saúde

O meu lugar

É sorriso é paz é prazer

O seu nome é doce dizer

Madureira, lá laiá

E foi lá, no Morro da Serrinha, que Arlindo Cruz veio à luz ao samba, retribuindo o amor pela escola, seu território, sua ancestralidade em cada letra. Após três anos na segunda divisão do Carnaval, o Império Serrano volta triunfalmente ao Grupo Especial com um tributo a um de seus mais ilustres artistas.

Filho das rodas de samba do Cacique de Ramos e do grupo Fundo de Quintal, Arlindo é autor de 17 sambas-enredo, 11 somente no Império Serrano, sua escola do coração (os outros foram na Vila Isabel e na Grande Rio). Conquistou seis Estandarte de Ouro. 

Desde 17 de março de 2017, Arlindão, como é carinhosamente chamado por muitos, luta bravamente contra um Acidente Vascular Cerebral (AVC) hemorrágico. A doença roubou-lhe a voz, os movimentos, as expressões. Não pode mais cantar, compor nem tocar seu quase inseparável banjo. Aos 64 anos, mantém rotina intensa, entre sessões de fonoaudiologia e fisioterapia.

“Nossa vida muda com um piscar de olhos. Somos todos muito frágeis, não só o Arlindo, que hoje se encontra acamado, com grau muito diminuído de consciência”, revela Babi Cruz, ex-porta-bandeira, mulher do sambista e mãe de seus dois filhos – Flora e Arlindinho, que herdou o ofício do pai.

O anúncio do enredo, em junho, foi marcado por muita emoção. De cadeira de rodas no palco, ao lado da família, Arlindo foi ovacionado pela plateia na quadra do Império. O samba-enredo “Lugares de Arlindo” foi escolhido em outubro, com grande festa. Feito em acróstico, o formato chama atenção: as primeiras letras de cada verso formam Arlindo Domingos da Cruz Filho no sentido vertical.

O samba passeia por vários lugares na vida desse imperiano raiz, sua carreira musical e sua religiosidade, sempre presente na sua obra. Candomblecista, desde a barriga da mãe, como revelou no lançamento de “É Religião”, Arlindo é filho de Xangô, o Rei do Trovão, orixá da justiça e inovação.

O desenvolvimento do enredo está a cargo do carnavalesco Alex de Souza. Ele antecipa alguns conceitos. “Fazemos um passeio pelo universo do artista, revelando lugares físicos ou imateriais, que são referidos nas suas músicas. Sem esquecer, de trazer suas origens, suas referências e suas inspirações”.

O Império – que já homenageou grandes baluartes na última década, como Dona Ivone Lara e Silas de Oliveira – também aposta no apelo popular e na ancestralidade que Arlindo carrega para comover o  público. “É um enredo muito emotivo. Eu acho que a família imperiana vê como uma forma também de mostrar as origens do Império. É uma escola bastante emotiva, nós somos chorões, choramos na Avenida”, completou Avelar.

Um projeto só de mulheres cantando Arlindo e até um botequim com a marca do artista estão nos planos da família do sambista. O legado da obra do artista também estará reunido em um um um documentário e um livro de biografia, a ser lançados. 

“Temos muitos projetos de vida dessa fonte inesgotável de música e de samba chamada Arlindo Cruz. Arlindo tem exatamente 1.000 sambas gravados que são imortais. Arlindo é imortal, a obra dele é imortal. Ele tem um legado que é atemporal. Por mais que não tenha mais condições de compor, a obra dele é suficiente. Ele tem obra capaz de viver por mais 800 anos”, conta Babi.