Luisa Prochnik
Uma festa a céu aberto onde todos estão convidados. Uma farra, das boas. Mas, nem por isso, sem regras. Pelo contrário. O Carnaval de Rua no Rio de Janeiro vem, de ano em ano, buscando soluções para problemas antigos. O debate está em alta, com organizadores dos blocos cientes do importante papel cultural que exercem e com órgãos públicos preocupados em prover estrutura e segurança. Se muitas vezes há discordâncias, e essas estão sempre presentes, uma certeza que se tem é que, hoje, foliões podem se preparar para curtir uma grande festa que tem todos os elementos para se tornar, positivamente, inesquecível.
Quem olha de fora, pensa: que bagunça! Quem olha de dentro, pensa: que delícia! Um amontoado de pessoas purpurinadas, suadas, muitas vezes espremidas em pequenos espaços ou, então, em número tão, mas tão grande, que seguem espremidas, mas em grandes avenidas. Há crianças, adultos, idosos, há a bateria e os múltiplos naipes de instrumentos, os organizadores, há ambulantes, há imprensa também. Mas não se engane: nesse caldeirão há regras. Formais e também informais. E mais que isso: há todo um calendário de organização e uma proposta cultural que vai bem além do dia do desfile e do entretenimento promovidos aos foliões frequentes e aos turistas.
• “Existe um trabalho muito sério, muito grande, sendo feito o ano todo não só pelo ‘Me Enterra na Quarta’, mas como por diversos coletivos na cidade, como o ‘Caramuela’, o ‘Orquestra Voadora’, o ‘Multibloco’, ‘Planta na Mente’. Todos esses blocos têm oficinas que formam novos músicos – explica Jô Codeço, diretor musical e fundador do bloco Me Enterra na Quarta (MENQ).
• O MENQ, segundo Jô, tem o objetivo de passar adiante o repertório tradicional da cidade, ensinar as marchinhas e, assim, perpetuar a tradição do carnaval de rua carioca, tanto ao formar novos músicos para o bloco, quanto ao possibilitar que esses músicos formem novos blocos.
• Érica Andrade, sócia da agência de live marketing Cherrycake Eventos, é um exemplo de como o carnaval de rua carioca pode ser experimentado de formas diversas. De foliã ela passa a dar apoio à esposa, Rosane Blanco, quando ela resolve tocar na bateria de alguns blocos. A partir daí, por insistência da Rosane, Érica se inscreveu na Oficina Batuquebato, e também passa a tocar em alguns blocos. Entra para o ‘A Rocha’ em 2020. E, em 2025, será seu primeiro ano como presidente.
• Existem os blocos não-oficiais, né? São aqueles não cadastrados pela Prefeitura. Dos blocos oficiais, existem os independentes e os que participam das ligas, mas todos são cadastrados, mesmo os independentes.
• “A gente faz parte de uma liga, essa liga faz todo um trabalho junto aos órgãos públicos para conseguir a liberação do desfile, do cortejo. Então, a gente tem o desvio de trânsito, apoio da parte da Comlurb, apoio de banheiros químicos, todo apoio necessário. Então, em termos de organização, hoje a gente alcançou um lugar que a gente tem mais uma tranquilidade – diz Jô.
• A inscrição é fundamental para que a Riotur e os outros órgãos públicos possam planejar a organização da estrutura que será disponibilizada em toda a cidade, durante os desfiles dos blocos. Entre essa estrutura, há, por exemplo, a necessidade de se calcular o número e a localização de banheiros químicos – distribuição é avaliada conforme o tamanho do bloco (expectativa de público) e percurso (tamanho do trajeto e onde acontece).
• Para Érica, a expectativa de público para 2025 é algo incerto já que, pela primeira vez, o bloco, que sempre desfilou às terças pelas ruas da Gávea fará sua folia no bairro vizinho, o Jardim Botânico, na segunda.
• “É o primeiro ano que é tudo novo. A gente não sabe o que que vai ser, entendeu? Provavelmente, vai ter uma mudança de público também, porque o ‘A Rocha’ estava acostumado a desfilar na Gávea, acompanhado pelos moradores dali, família, crianças. Esse ano, a expectativa é que tenha um aumento de público, né? Eu acho que as pessoas que curtiam o ‘A Rocha’ vão continuar indo, até porque o local é muito próximo Mas as pessoas que ficavam nas janelas assistindo ali na Gávea não vão, as que desciam pro bloco talvez não – antecipa Érica.
• A mudança de lugar dos desfiles não é novidade. Com o objetivo de ampliar espaços para os foliões e, ao mesmo tempo, não interditar toda uma cidade durante os dias de desfile, a RioTur cria circuitos para os blocos saírem e, assim, melhorar o fluxo dos desfiles. Em 2024, por exemplo, mais blocos foram deslocados para o centro da cidade, local que, tradicionalmente, por ser um espaço de muitos escritórios, fica mais vazio no período.
• No caso do ‘A Rocha’, a rua Jardim Botânico, por sua extensão, largura e por ter ruas paralelas, que não impedem o deslocamento de terceiros para ir e vir pela região, acabou virando um palco importante para o carnaval de rua na Zona Sul e, em todos os dias do feriado, há blocos desfilando no local.
• Além das regras formais, há também as informais. Essas precisam da colaboração de todos, como o comportamento abusivo por parte de alguns foliões. A campanha do “Não é Não” é realizada tanto por parte de órgãos públicos como pelos próprios organizadores e participantes do carnaval.
• “Atualmente, tem mais respeito sim. Acho que a galera já está muito imbuída do espírito “não é não”. Essa questão de de assédio, essas coisas, óbvio que deve acontecer muito, mas a gente não tem visto isso mais nos blocos. Pelo menos, eu não tenho visto nada muito fora do normal e, também, quando tem, as pessoas em volta se protegem. Falam: “Sai daqui meu amigo, que não está não tá legal”. Às vezes, você nem conhece a pessoa e fala: “deixa em paz”. Principalmente, com as mulheres – opina Érica.
• “É um trabalho muito grande que vem sendo feito sobre os direitos da mulher e das trans, estarem na rua com seus corpos. A gente tem coletivos, como Mulheres Rodadas, que estão à frente de uma pauta feminina, de ocupação do espaço público, das mulheres, das trans, terem o direito a tocar em seus instrumentos sem que pessoas misóginas venham de uma forma violenta. Hoje, quando acontece alguma situação grave desse tipo, de um assédio, de uma violência qualquer contra as mulheres do carnaval, contra as trans, quando acontece isso, o coletivo para de tocar, interrompe a festa – completa Jô.
• Coordenadores de blocos de rua reclamam que barreiras contratuais com os patrocinadores oficiais do carnaval dificultam que as associações fechem patrocínios para seus membros. Muitos acabam recorrendo às vaquinhas para conseguirem dinheiro para os desfiles.
• “A gente precisa contratar cordeiros, que são as pessoas que vão ajudar, imagina, no meio dessa multidão com 200 pessoas tocando, a gente precisa ter aí 15 a 20 profissionais em volta da corda. A gente tem que ter um retorno para a bateria. Então, precisa alugar um equipamento. Os profissionais envolvidos, porque além dos 14 professores, a gente contrata músicos profissionais para auxiliar. Então, por baixo, um desfile de carnaval hoje para ser feito com segurança e com estrutura custa de 30 a 50 mil reais. Isso estou falando por baixo – pontua Jô.
• “A gente vai sempre entregar esplendor, alegria, sabe, mas também a gente vai com certeza avançando nesses questionamentos e aumentando o nosso conhecimento sobre as leis, sobre as formas que outros municípios e estados fazem para que o Carnaval do Rio possa acontecer de uma maneira mais justa para a classe artística também.
Um comentário
Comentários estão fechados.